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3.1 A POLÍTICA EXTERNA MULTINÍVEL

3.1.1 Ausência do reconhecimento da personalidade jurídica internacional:

Não obstante as crescentes alterações no cenário das relações globais apontadas acima, com a interação internacional dos novos atores globais subnacionais, é cediço que a Constituição Federal do Brasil confere personalidade

jurídica internacional tão somente à República Federativa do Brasil, representada pela União, uma vez que compete a este ente a manutenção de relações com Estados estrangeiros e a participação em organizações internacionais.

O artigo 2159 do texto constitucional atribui a competência para manter relações com Estados estrangeiros e para participar de organizações internacionais à União. O artigo 8460 do mesmo documento assegura ser de competência privativa do Presidente da República o estabelecimento de relações com Estados estrangeiros (inciso VII) e a celebração de tratados, convenções e atos internacionais (inciso VIII). Tais disposições reservam ao governo federal a competência em matéria de política externa, atribuindo personalidade jurídica de direito internacional apenas à União, que é o fruto da junção dos entes federados entre si, a aliança indissolúvel destes e quem age em nome da Federação. Decorrência lógica é que os estados e os municípios não estão autorizados pela Constituição a relacionarem-se com Estados estrangeiros e a participarem de organizações internacionais.

Documentos paradiplomáticos não são strictu sensu atos internacionais. Em razão de somente a União ter personalidade jurídica internacional, acordos celebrados por unidades não centrais não criam vínculo jurídico no âmbito do direito internacional público. Embora alguns Estados concedam excepcionalmente parte da personalidade jurídica a unidades não centrais, como dispõe o Quebec, por exemplo, não há previsão nesse sentido no ordenamento jurídico brasileiro nem formatos ideais para tais documentos.(ERESUL, 2012)

Disso depreende-se que a responsabilidade pelas violações às normas de direito internacional público recai sobre a União, mesmo quando a violação tenha sido praticada por um dos entes componentes da Federação, ignorando-se os casos recentes de atuação internacional dos novos atores globais. O atual desenvolvimento na organização dos Estados pressuporia uma maior participação de tais entes não apenas na fruição dos direitos, mas também quanto aos seus deveres em face do Planeta.

E essa lacuna jurídica proporciona uma situação confortável aos entes subnacionais violadores de normas de direito internacional público decorrentes de

59 Art. 21. Compete à União: I - manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; [...] (BRASIL, 1988)

60 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; [...]” (BRASIL, 1988)

tratados internacionais, uma vez que não são acionados na seara internacional, por tribunais internacionais ou cortes arbitrais internacionais, sendo, ao mesmo tempo, desconfortável aos Estados, porquanto estes deverão arcar, em tese, conforme preceitua o Direito Internacional Público clássico, com a responsabilidade referente a seus entes.

A despeito da possibilidade de buscar-se posteriormente o ressarcimento da condenação sofrida, em ação regressiva ou outro meio previsto legalmente, a falta de reconhecimento de tal responsabilidade internacional torna mais difícil a exigência e o comprometimento quanto à atuação dos entes infranacionais conforme as regras de proteção e de promoção de direitos humanos estabelecidas pelos sistemas regional e global de proteção aos direitos humanos. Perde-se em prevenções geral e específica. A estrutura constitucional que concede responsabilidade internacional apenas ao Estado cuja entidade federada perpetrara uma violação ao direito internacional é falha por dois principais motivos: a obsolescência de tal visão em face da evolução recente da organização estatal e da jurisprudência internacional, que começa a perceber o status de sujeito de direito internacional dos entes infranacionais; e a relativa ineficácia da responsabilização do ente federal, porquanto a reparação do dano ocorrido depende, muitas vezes, da atuação das entidades componentes da federação, não possuindo aquele, na maioria dos casos, meios eficientes de influenciar ou controlar os atos destes. (WOUTERS; SMET, 2001, p. 25-26)

É difícil precisar o autor da degradação dos bens públicos globais e quem poderia ser responsabilizado por solucionar a questão quando não se traz à arena política importantes entes que atuam de forma intensa no palco global. Com isso, esses “atores não se comprometem em desenvolver soluções de longo prazo; e as instituições políticas nacionais e internacionais não estão comprometidas com questões éticas e morais, do ponto de vista do ser humano, mas sim com questões geopolíticas, geoeconômicas e interesses particulares” (DUPAS, 2005, p. 229). Não sendo eles trazidos para o centro do jogo político, com ele não estarão comprometidos, enfraquecendo a harmonia global necessária para lidar com os pungentes desafios transnacionais contemporâneos.

A paradiplomacia envolve riscos. E analisando as teorias de riscos relacionadas às novas dimensões de seguridade internacional, Cornago (2013, p. 87-88) entende que, nas condições contemporâneas de interdependência e progresso tecnológico,

inevitável depararmo-nos com uma extraordinária multiplicação de riscos na sociedade mundial. E essa multiplicação de riscos englobaria uma dimensão objetiva, que diz respeito aos desastres ecológicos, ao crime organizado transnacional, à industrialização, à destruição da biosfera, à disseminação de grandes fomes e à possibilidade de uma guerra nuclear, bem como uma dimensão subjetiva, que seria a percepção individual e coletiva das limitações políticas das instituições existentes. Ou seja,

Tudo isso impõe a necessidade de criar novas instituições e novos modos de atribuição de responsabilidade e co-decisão. [...] Estamos perante um panorama em que os governos, independentemente do seu nível, se vêem obrigados a responder a problemas globais que vão além do imaginário convencional em que as políticas domésticas e estrangeiras, até muito recentemente, foram formuladas.61 (CORNAGO, 2013, p. 87-88)

A assunção de obrigações, como, por exemplo, na seara ambiental, de redução de emissões de gases de efeito estufa foi verificada em alguns estados dos Estados Unidos da América, embora a nação americana tenha sido omissa quanto ao enfrentamento do problema ambiental e ao cumprimento do tratado internacional sobre mudanças climáticas.62

Embora ainda não se tornem entidades jurídicas internacionais completas, as localidades estão gradualmente adquirindo uma ampla gama de deveres e autoridade internacionais. Como agentes estaduais, as localidades são obrigadas a cumprir os deveres que os Estados assumiram como signatários de cartas e convênios internacionais.63 (BLANK, 2006b, p. 893)

Portanto, a despeito de os entes locais não possuírem status de pessoa jurídica internacional completa, muitos documentos internacionais atribuem-lhes deveres e afetam as autoridades das localidades, tornando-as economicamente responsáveis pelas obrigações internacionais assumidas pelos Estados. Com isso, criam-se tensões econômicas crescentes entre localidades e estados: “Assim, espera-se que

61 No original: “[…] All this imposes the need to create new institutions, and new modes of the attribution of responsability and co-decision. […] We are faced with a panorama in which the governments, no matter their level, find themselves having to respond to global problems which go beyond the conventional imagination in which domestic as well as foreign policies, until very recently, were formulated.” [Tradução livre da autora]

62 Vide subitem “3.1.3.7. O Caso dos Estados Unidos da América”.

63 No original: “Though still short of becoming full international legal entities, localities are gradually acquiring a wide range of international duties and authority. As state agents, localities are obligated to comply with duties states have assumed as signatories to international charters and covenants.

as cidades financiem e ofereçam os serviços que o Estado tomou para si, mas que transferiu para as localidades” (BLANK, 2006b, p. 893-894).64

Paquin (2010, p. 87-88), ao estabelecer uma análise comparativa entre as experiências paradiplomáticas Belga e Canadense, aponta que a diferença entre a quantidade de conflitos existentes entre os membros de cada federação pode dar-se pelo fato de que, na Bélgica, os governos subnacionais possuem ampla liberdade de atuação no campo internacional, bem como uma grande participação interna nas questões que dizem respeito ao seu domínio. Assim, em um acordo internacional que afete os interesses de um ente federado, há uma ampla participação deste na tomada de decisões, para as quais o governo federal é obrigado a levar em conta as opiniões das províncias ou regiões.

Ainda, o problema consistiria no déficit democrático em lugares diversos, como no Canadá, em que as províncias são, muitas vezes, mal informadas sobre a extensão das obrigações internacionais que foram negociadas e que lhes dizem respeito. Portanto, neste caso, entende o autor que seria melhor reconsiderar a distribuição de papeis no campo das relações internacionais e, em caso de conflito, ambos os governos, federal e provincial, interessados seriam obrigados a trabalhar em conjunto para defender a posição do Estado soberano. Isso incluiria, no seu exemplo, a participação das províncias canadenses nas audiências de resolução de litígios na OMC, por exemplo. (PAQUIN, 2010, p. 89-90)

De fato, quando um governo estrangeiro contesta um ato político ou legislativo local, será o ente subnacional quem poderá contra-argumentar, apresentando os subsídios necessários para defender a posição adotada.65 Segundo o autor, portanto, a província ou a região deverá ter o direito de defender-se diretamente, mesmo que tão-somente dentro dos limites da delegação recebida:

64 No original: “Thus, localities are expected to fund and provide services that the state took upon itself, but has devolved to localities”. [Tradução livre da autora] O autor ainda cita exemplos do alegado: HCJ

4112/99 Adalah v. Municipality of Tel-Aviv [2002] IsrSC 46(5) 393; HCJ 2376/01 Union of Local Authorities v. Minister of Science, Culture and Sport IsrSC 56(6) 803; Canada Ltee v. Hudson (Ville), [2001] S.C.R. 241; e Baker v. Canada (Minister of Citizenship and Immigration), [1999] S.C.R. 817, 861.

65 Registra-se que o Decreto n. 5.619, de 14 de dezembro de 2005, que autorizou a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República a concluir Acordo de Composição Amistosa com vistas ao encerramento dos casos nº 12.426 e nº 12.427 em trâmite perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu art. 1º, parágrafo único, permite que representante do Governo do Estado do Maranhão firme o referido acordo, em um explícito exemplo de paradiplomacia. (BRASIL, 2005)

É estranho que as províncias não tenham um papel mais importante, porque quando um governo estrangeiro desafia uma política ou lei de um governo provincial, é a província que terá os melhores argumentos e opiniões jurídicas para defender sua posição. A província em questão deve ter o direito de defender sua posição diretamente, mesmo que apenas dentro da delegação canadense.66 (PAQUIN, 2010, p. 90)

Continuando o autor a demonstrar o panorama canadense sobre o tema, informa que, hoje, é muito comum os representantes do governo federal consultarem as províncias no que tange aos assuntos internacionais que as afetem. Todavia, o problema surge do fato de esses mecanismos intergovernamentais de comunicação estarem mal institucionalizados, de forma que a ausência de regras claras e previsíveis torna-se fonte de inúmeros conflitos entre os entes que compõem a federação canadense. (PAQUIN, 2010, p. 90)

Nesse sentido, é do fato de os entes subnacionais não serem dotados de personalidade jurídica de Direito Internacional que decorre a sua irresponsabilidade. Entretanto, isso não os impede de seguir cooperando e contratando internacionalmente. Ou seja, percebe-se que há um reconhecimento tácito referente ao seu status como sujeitos de direitos, o que confirma que os entes subnacionais poderão vir a ser elencados como sujeitos parciais ou incompletos de Direito Internacional. Parciais ou incompletos, pois não ocorre o mesmo em relação à sua condição de sujeito de deveres (FONSECA, 2011).

Portanto, a despeito da falta de reconhecimento da personalidade jurídica internacional, certos estados federados atribuem capacidade jurídica internacional aos seus entes componentes, desde que tal capacidade seja verificada em dois planos: no plano interno, com a autorização do Estado para o estabelecimento de relações internacionais; e no plano internacional, pelo estabelecimento de fato de relações com a comunidade internacional. (SILVA; ACCIOLY, 2002, p. 96)

Nas palavras de Wouters e Smet (2001, p. 5-6), para as entidades federadas possuírem personalidade, fazem-se necessárias duas fundamentais condições: “uma de direito interno, a saber, a atribuição constitucional de competências internacionais a uma entidade federada; e uma de direito internacional, ou seja, o reconhecimento

66 No original: “It is odd that the provinces do not have a more important role, because when a foreign government challenges a policy or law of a provincial government, it is the province that will have the best arguments and legal opinions to defend its position. The province in question should have the right to defend its position directly, even if only within the Canadian delegation.” [Tradução livre da autora]

da entidade federada por outros sujeitos de direito internacional existentes”.67 Shaw (2008, p. 220) também afirma: “está claro que a estrutura constitucional interna é crucial para dotar a entidade em questão de capacidade. Porém, o que de fato a converte em capacidade internacional é o reconhecimento”.68

Já no respeitante ao plano global, certo é que o reconhecimento da capacidade jurídica internacional desses entes ocorre, normalmente, de forma tácita, com a celebração de um acordo entre tal entidade infraestatal e uma pessoa de direito internacional público, como um Estado, uma Organização Internacional ou outra entidade em iguais condições (SANTOS, C., 2009, p. 10869). Ou seja, o direito internacional não nega a capacidade, tampouco a personalidade, dos entes subnacionais; ele apenas permite que tal decisão seja dada pelo ente detentor da soberania, o qual pode decidir dividi-la para fortalecer-se, ou concentrá-la para, com base conceitos clássicos de soberania, deter tal poder e manter uma falsa sensação de superioridade, dominação e maior influência.

Retomando as condições apresentadas, tem-se que a primeira exigência, de que o Estado deve conceder a capacidade jurídica internacional para os seus entes, é muito mais uma ratificação do princípio da soberania do que a sua negação: o direito internacional deixa a cargo de cada Estado a decisão sobre o quanto de soberania que será compartilhada. Trata-se do mecanismo do “renvoi”69, no qual o direito

internacional refere-se ao direito interno para estabelecer regras. Além disso, essa condição concede à personalidade jurídica internacional da entidade constituinte da federação os atributos da parcialidade, funcionalidade e potencialidade: “potencial, porque precisa de permissão constitucional, parcial e funcional porque, do contrário, a organização do Estado vai além do conceito de federalismo.”70 (WOUTERS; SMET, 2001, p. 6)

A segunda condição supramencionada não é pacífica na doutrina internacional. A denominada “teoria constitutiva" considera o reconhecimento dos demais sujeitos

67 No original: “one of domestic law, namely the constitutional attribution of international competences to a federated entity; and one of international law, namely the recognition of the federated entity by other existing subjects of international law”. [Tradução livre da autora]

68 No original: “it is clear that the internal constitutional structure is crucial in endowing the unit concerned with capacity. What, however, turns this into international capacity is recognition”. [Tradução livre da

autora]

69 Traduzido como “reenvio” pela maior parte da doutrina de direito internacional brasileira.

70 No original: “potential, because it needs constitutional permission, partial and functional because otherwise organisation of the State goes beyond the concept of federalism". [Tradução livre da autora]

de direito internacional como um requisito necessário para a obtenção de personalidade jurídica internacional. Todavia, a posição mais aceita hoje é a denominada “teoria declarativa”, segundo a qual o reconhecimento é mera consequência prática de tal personalidade, em vez de ser uma condição prévia para isso. (WOUTERS; SMET, 2001, p. 6)

Ora, parece claro que, independentemente da posição adotada, certo é que a atribuição formal constitucional do poder de estabelecer acordos às entidades federadas só se tornará uma realidade efetiva e significativa se outros sujeitos de direito internacional estiverem preparados para entrar em contato com eles.

Questionando a personalidade jurídica internacional para as entidades subnacionais, Rezek (2011, p. 271) explica que “Estados federados, exatamente por administrarem sua subordinação a uma autoridade e a uma ordem jurídica centrais, não têm personalidade jurídica de direito internacional público, falecendo-lhes, assim, a capacidade para exprimir voz e vontade próprias na cena internacional”. Nessa linha, os entes subnacionais atuariam internacionalmente por uma espécie de delegação de poder do governo central, como órgãos da federação. Continua o autor:

[...] não há razão por que o direito internacional se oponha à atitude do Estado soberano que, na conformidade de sua ordem jurídica interna, decide vestir seus componentes federados de alguma competência para atuar no plano internacional, na medida em que as outras soberanias interessadas tolerem esse procedimento, conscientes de que, na realidade, quem responde pela província é a união federal. (REZEK, 2011, p. 272-273)

De destacar que Rezek também nega a personalidade jurídica dos indivíduos, hoje amplamente aceita e reconhecida pelo direito internacional, sob o argumento de que os indivíduos "não se envolvem, a titulo próprio, na produção do acervo normativo internacional, nem guardam qualquer relação direta e imediata com esse corpo de normas”. Em suas palavras:

Não tem personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos, e tampouco as empresas, privadas ou públicas. Há uma inspiração generosa e progressista na ideia, hoje insistente, de que essa espécie de personalidade se encontra também na pessoa humana – de cuja criação, em fim de contas, resulta toda a ciência do direito, e cujo bem é a finalidade primária do direito. Mas se daí partimos para formular a tese de que a pessoa humana, além da personalidade jurídica que lhe reconhecem o direito nacional de seu Estado patrial e os dos demais Estados, tem ainda – em certa medida, dizem alguns – personalidade jurídica de direito internacional, enfrentaremos em nosso discurso humanista o incômodo de dever reconhecer que a empresa, a sociedade mercantil, a coisa juridicamente inventada com ânimo do lucro à

luz das regras do direito privado de um país qualquer, também é – e em maior medida, e há mais tempo – uma personalidade do direito das gentes. (REZEK, 2011, p. 182)

O autor, todavia, admite que já se reconheceram deveres diretamente impostos pelo direito internacional público, independentemente de qualquer compromisso que vincule o Estado do qual é cidadão, quando do julgamento de indivíduos nazistas pelo Tribunal Internacional de Nuremberg. No entanto, Rezek critica tal jurisprudência, entendendo que, por faltar-lhe base científica, não pode ser utilizada como argumento para defender-se a personalidade jurídica de direito internacional dos indivíduos. Quanto ao Tribunal Penal Internacional, entende que a necessidade de consentimento do Estado territorial do crime ou do Estado patrial do réu, senão de ambos, para o efetivo exercício da jurisdição afastaria qualquer conclusão de que o indivíduo ali julgado deveria ser detentor de personalidade jurídica de direito internacional. (REZEK, 2011, p. 184-187)

Mazzuoli critica energicamente a posição sustentada pelo autor supracitado, afirmando, primeiramente, ser cediço que a capacidade dos indivíduos no plano internacional é limitada, o que não lhes retiraria, de forma alguma, a condição de detentores de personalidade jurídica. Dito isso, conclui que o fato de os indivíduos não participarem da produção do acervo normativo internacional seria justamente um problema dessa capacidade limitada, e não de falta de personalidade. Continua o autor:

Como se sabe não são poucas as situações em que se presencia a responsabilidade dos indivíduos no plano Internacional, principalmente no contexto dos crimes de guerra, crimes contra a paz e contra a humanidade. Nesses casos; os indivíduos passam a ser punidos como tais, ou seja, como pessoas mesmo, e não em nome do Estado ao qual pertencem. Neste cenário, passam eles a ter direitos e obrigações que decorrem diretamente das normas internacionais. Desse modo, não se pode mais afirmar (atualmente) serem os Estados os únicos capazes de praticar ilícitos internacionais. Ora, se os indivíduos, como tais, podem ser responsabilizados no cenário externo em virtude de atos violadores do Direito Internacional Público, é porque também têm eles personalidade jurídica internacional. E se tem essa personalidade é porque, consequentemente, também são considerados sujeitos do Direito Internacional. (MAZZUOLI, 2011, p. 421)

Assim, não há confundir capacidade com personalidade jurídica internacional, uma vez que esta consistiria na capacidade de ter ou de exercer direitos, mas não significa que essa capacidade será a mesma que os Estados detêm. Há graus diferentes de capacidade dos sujeitos de direito internacional, que se estabelecem

conforme a responsabilidade do ente em causa, e não conforme a sua personalidade: “É, portanto, a responsabilidade (e não a personalidade, repita-se) que acompanha os graus de capacidade (que e máxima no Estado e mínima aos indivíduos)”. (MAZZUOLI, 2011, p. 421)

Rodrigo Tavares (2014, p. 14) apresenta alguns argumentos contrários à aceitação da diplomacia federativa, tais como (i) o fato de os acordos internacionais entre governos subnacionais e entre estes e Estados estrangeiros não serem regidos pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969; e (ii) a possibilidade de a política externa regional refletir a ambição autonomista ou independentista de algumas regiões, como o País Basco, Quebec ou Flandres.