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2.2 INFLUXOS DA NOVA SOCIEDADE INTERNACIONAL NO ÂMBITO INTERNO

2.2.4 Novos problemas, novos caminhos

2.2.4.2 Cosmopolitismo como solução?

Em apertado histórico, o surgimento do Cosmopolitismo remonta à filosofia do mundo antigo, encontrando no princípio da humanidade, de raiz estoica, a sua base de ordem moral:

O estoicismo grego foi uma reação natural à busca de respostas sobre a relação do indivíduo com o cosmos e com seus semelhantes. O componente ético dessa corrente de pensamento levou invariavelmente ao cosmopolitismo (cf. infra), uma ideia cuja força nunca se perdeu; ao contrário,

foi celebrada pelos mais ilustres pensadores da Renascença, do Iluminismo e do século XX. (CANÇADO TRINDADE; CANÇADO TRINDADE, 2016, p. 73)

Jânia Saldanha, embora entenda impossível precisar a origem exata do pensamento cosmopolita, também aponta o estoicismo como sendo o principal combustível para que a visão se engendrasse:

Não há unanimidade histórico-doutrinária sobre a origem do cosmopolitismo filosófico. [...] Entretanto, devemos aos filósofos do estoicismo a contribuição mais fundamental para a construção da compreensão filosófica do cosmopolitismo. [...] Para esses filósofos gregos, o homem sábio deveria promover a coexistência de todas as culturas. A filosofia estoica fundava-se na ética, na crença de que cada ser humano carregava o cosmos, não sendo dele separado. (SALDANHA, 2018, p. 25-27)

Os princípios da solidariedade e da humanidade estão na base filosófica do cosmopolitismo, ou seja, busca-se o reconhecimento da alteridade e a responsabilidade recíproca de cada um frente aos demais, de forma que “a distinção entre nós e os outros – estrangeiros, diferentes – seria substituída pela construção do duplo pertencer de todos. O cosmopolita teria duas lealdades: ao mesmo tempo cidadão do cosmos e da polis.” (DUPAS, 2005, p. 227-228)

É a substituição da raison d’Etat pela raison d’humanité, ou seja, reconhece-se que os Estados existem para os seres humanos, e não o contrário. Para os estoicos, viver em harmonia com a natureza é o caminho para a recta ratio: a busca da perfeição da razão. (CANÇADO TRINDADE; CANÇADO TRINDADE, 2016, p. 69-72)

De acordo com os Estoicos, a base para a comunidade humana é o valor da razão em cada ser humano. A razão, na visão estoica, é uma parte do divino em cada um de nós. E cada ser humano, apenas em virtude de ser racional e moral (para os estoicos, a razão é, acima de tudo, uma faculdade de escolha moral) tem um valor ilimitado. Masculino ou feminino, escravo ou livre, rei ou camponês, todos têm um valor moral ilimitado, e a dignidade da razão é digna de respeito, sempre que for encontrada. Esta razão, os estóicos sustentam, nos torna cidadãos. (NUSSBAUM, 1997, p. 30)44

44 No original: “According to the stoics, the basis for human community is the worth of reason in each and every human being. Reason, in the Stoic view, is a portion of the divine in each of us. And each and every human being, just in virtue of being ration and moral (for stoics, reason is above all a faculty of moral choice) has boundless worth. Male or female, slave or free, king or peasant, all are of boundless moral value, and the dignity of reason is worthy of respect wherever it is found. This reason, the Stoics held, makes us fellow citizens.” [Tradução livre da autora]

Os estoicos cosmopolitas sustentam que a Política acaba por dividir a população, de forma a influenciar o pensamento hostil entre os grupos. Por essa razão, eles insistem em um “processo de compreensão empática através do qual devemos respeitar a humanidade até mesmo de nossos inimigos políticos, pensando em nós mesmos como nascidos para trabalhar juntos e inspirados por um propósito comum”45 (NUSSBAUM, 1997, p. 33), ou seja, qualquer que seja a forma que as instituições políticas adotem, devem ser estruturadas em torno de um reconhecimento maduro de igualdade individual e humanidade. (NUSSBAUM, 1997, p. 35)46

Kant, em sua obra “Para a Paz Perpétua” (2006), convidou todas as Nações a estabelecerem uma aliança entre os povos com vistas ao alcance da paz mundial. O Cosmopolitismo seria a totalidade, que subsumiria a unidade (Direito do Estado) e a pluralidade (Direito Internacional), ou seja, a categoria da totalidade corresponderia a todos os seres humanos e os Estados (Direito Cosmopolita).

Portanto, ao lado do direito interno e do direito internacional, criou um terceiro bloco de direitos, para além daqueles entre os cidadãos, entre estes e o Estado, ou entre Estados: direitos que nascem por questões ocorridas fora das fronteiras estatais, mas que atingem os cidadãos de qualquer parte do mundo.

O direito, até Kant, tinha duas dimensões: o direito estatal, isto é, o direito interno de cada Estado, e o direito das gentes, isto é, o direito das relações dos Estados entre si e dos indivíduos de um Estado com os do outro. [..] Kant acrescenta uma terceira dimensão: o direito cosmopolita, direito dos cidadãos do mundo, que considera cada indivíduo não como membro de seu Estado, mas como membro, ao lado de cada Estado, de uma sociedade cosmopolita. A relação deste direito com os dois anteriores segue a tabela das categorias da Crítica da Razão Pura: um único Estado corresponde à categoria da unidade; vários Estados, no direito das gentes, à da pluralidade; todos os seres humanos e os Estados, no direito cosmopolita, à da totalidade sistemática, que une os dois estados [...]. (SORAYA, 2003)

Kant entendia que a premissa era a mesma para todos os três direitos: a recíproca influência física, ou seja, não se pode evitar uma proximidade espacial entre as pessoas físicas e jurídicas na superfície finita da Terra, pois esta estaria fechada em si mesma. E foi apenas na pós-modernidade que essa influência física recíproca alastrou-se a toda a humanidade, de forma que o ataque a um direito em um

45 No original: “process of empathetic understanding whereby we come to respect the humanity even of our political enemies, thinking of ourselves as born to work together and inspired by a common purpose.”

[Tradução livre da autora]

46 É célebre a resposta de Diógenes de Sínope, cínico que muito influenciou o estoicismo, sobre a sua origem: "sou um cidadão do mundo”. CANÇADO TRINDADE; CANÇADO TRINDADE, 2016, p. 110.

determinado lugar é sentido por todos que compõem o Planeta, em qualquer lugar que estejam. (SORAYA, 2003)

Examinando o pensamento geo-cosmopolítico de Kant, em que se analisa a relação da Geografia Física com o Direito Cosmopolítico, Leonel Ribeiro dos Santos explica que este ganhou novo espaço nos estudos jurídicos ante a evidência da incompatibilidade entre os homens, que já não podem mais fugir para espaços longínquos na face da Terra, pois esta, superpovoada, já não possui territórios livres para que os homens sigam distanciando-se uns dos outros com o escopo de evitar conflitos e guerras: “se a Terra fosse um plano de extensão ilimitada, os homens poderiam estender-se nela indefinidamente e continuar a fugir uns dos outros. Mas ela é uma esfera, por isso, finita.” (SANTOS, L., 2017, p. 266)

O imperativo categórico,47 principal conceito da obra kantiana, também aqui é utilizado para explicar a teoria do Cosmopolitismo. Os Estados, assim como os indivíduos o fazem no estado de natureza, utilizar-se-iam da sua soberania para permanecer na barbárie, no primitivismo e na degradação animal da humanidade. O imperativo categórico, assim, obrigá-los-ia a superar tal estado de natureza e a formar uma ‘união de Estados’ (Staatenverein), um ‘Estado de povos’ (Völkerstaat, civitas gentium) potencialmente extensível a todos os povos da terra, formando uma federação mundial cosmopolita (weltbürgerlich). (PIM, 2006, p. 38)

Nas palavras de Kant:

Avançou-se tanto no estabelecimento de uma comunidade (mais ou menos estreita) entre os povos terrestres que, como resultado, a violação do direito em um ponto da terra repercute em todos os demais, a idéia de um Direito Cosmopolita não é uma representação fantástica nem extravagante, mas completa o código não-escrito do Direito Político e do Direito de Gentes em um Direito Público da Humanidade, sendo um complemento da paz perpétua, ao constituir-se em condição para uma contínua aproximação a ela. (KANT, 2006, p. 82)

Habermas, compartilhando as ideias cosmopolíticas de Kant, vai além ao fomentar um cosmopolitismo que supere a obsoleta ideia instransponível de soberania, presente naquele:

47 Immanuel Kant desenvolve, na sua obra "A Fundamentação da Metafísica dos Costumes", as funções da ação moralmente fundamentada, apresentando o conceito de imperativo categórico: “age de tal modo que a máxima da tua ação se possa tornar princípio de uma legislação universal” (KANT, 2004. p. 51).

É evidente a contradição desse construto. [...] Kant não explicou, porém, nem como garantir a permanência dessa união, da qual depende “a natureza civil” da harmonização de conflitos internacionais, nem como fazê-lo sem a obrigação jurídica de uma instituição análoga à constituição. Por um lado, ele quer preservar a soberania dos membros, com a ressalva sobre a dissolubilidade do contrato; é o que sugere a comparação com congressos e associações voluntárias. Por outro lado, a federação, que fomenta a paz de forma duradoura, deve distinguir-se de alianças passageiras, e isso através de um sentimento por parte dos membros, que os mova a se considerar obrigados a submeter a própria razão de Estado ao fim comum declarado em conjunto, qual seja “não resolver seus conflitos (...) por meio da guerra, mas (...) como que mediante um processo”. (HABERMAS, 2002, p. 190)

Ou seja, entende que Kant apenas construiu um pensamento baseado exclusivamente em uma união moral dos governos entre si, porquanto não podia defender uma obrigação jurídica, haja vista prescindir de uma autoridade coercitiva à federação mundial criada. Assim, Habermas entende que toda a perspectiva de uma constituição cosmopolita que não respeite a soberania dos Estados surge necessariamente como irreal. (HABERMAS, 2002, p. 190-191)

A situação somente poderá ser resolvida, portanto, pela afirmação de um consenso em torno da normatividade dos direitos humanos, em um projeto cosmopolita que necessariamente vincule os Estados entre si com a garantia de vinculação jurídica, sob pena de estabelecerem-se sanções pelo descumprimento:

só assim o sistema de Estados soberanos em constante atitude de auto- afirmação, instável e baseado em ameaças mútuas poderá transformar-se em uma federação com instituições em comum, que assumam funções estatais, ou seja, que regulem a relação de seus membros entre si e controlem a observância dessas regras. (HABERMAS, 2002, p. 200)

Em que pese ser esse o sentido dado pela maioria dos autores ao Cosmopolitismo, Boaventura de Sousa Santos (2003b, p. 436) critica tal visão, associando-a às ideias de universalismo desenraizado, individualismo, cidadania mundial e negação de fronteiras territoriais e culturais. Assim, constrói um outro pensamento em cima do conceito, utilizando-o como uma forma de insurgência dos países subjugados pelo processo globalizatório.

Retomando a sua divisão quanto à utilização dos direitos humanos através de globalizações “de-cima-para-baixo” – localismo globalizado e globalismo localizado – e de globalizações “de-baixo-para-cima” – o cosmopolitismo e o patrimônio comum da humanidade –, tem-se que o cosmopolitismo, para o autor, seria uma espécie de solidariedade transnacional entre grupos oprimidos, explorados e alijados dos frutos

da globalização hegemônica: “O cosmopolitismo que defendo é o cosmopolitismo do subalterno em luta contra a sua subalternização”. (SANTOS, B., 2003b, p. 437)

Em suas palavras, Santos descreve em minúcias o que entende por Cosmopolitismo, fornecendo exemplos concretos e atuais:

Trata-se de um conjunto muito vasto e heterogêneo de iniciativas, movimentos e organizações que partilham a luta contra a exclusão e a discriminação sociais e a destruição ambiental produzidas pelos localismos globalizados e pelos globalismos localizados, recorrendo a articulações transnacionais tornadas possíveis pela revolução das tecnologias de informação e de comunicação. As atividades cosmopolitas incluem, entre outras, diálogos e articulações Sul-Sul; novas formas de intercambio operário; redes transnacionais de lutas ecológicas, pelos direitos da mulher, pelos direitos dos povos indígenas, pelos direitos humanos em geral; serviços jurídicos alternativos de caráter transnacional; solidariedade anticapitalista entre o Norte e o Sul; organizações de desenvolvimento alternativo e em luta contra o regime hegemônico de propriedade intelectual que desqualifica os saberes tradicionais e destrói a biodiversidade. O Fórum Social Mundial que se reuniu em Porto Alegre em 2001 e 2002 é hoje a mais pujante afirmação de cosmopolitismo no sentido aqui adotado. (SANTOS, B., 2003b, p. 436- 437)48

Talvez Santos prefira incluir no conceito as suas principais consequências, que seriam justamente a solidariedade transnacional entre todos, fazendo-se sentir ainda mais entre os grupos oprimidos, dando-lhe forças para lutarem, com igualdade de oportunidades e – o que seria melhor – de condições, contra a sua submissão global. Interessante mencionar, ainda, outro ponto de vista retirado de estudo sobre o Direito Vivo,49 que em muitos momentos tangencia o cosmopolitismo por usar a mesma base pluralista e o mesmo desejo de união global na diferença.

Em estudo comparativo da Pax Americana de Bill Clinton com a Bukowina Global de Eugen Ehrlich, Gunther Teubner (2003, p. 12) explica que ambos defendem

48 O autor ainda cita outro processo que não pode ser adequadamente descrito seja como localismo globalizado seja como globalismo localizado, ao lado do que entende por Cosmopolitismo. Trata-se da emergência de temas que, pela sua natureza, são tão globais quanto o próprio planeta, o qual denomina de “patrimônio comum da humanidade”. Estariam abrangidos nesse conceito temas que só fazem sentido em relação ao globo na sua totalidade, tais como a sustentabilidade da vida humana na Terra, como a proteção da camada de ozônio, a preservação da Antártida, da biodiversidade ou do fundo do mar, a exploração do espaço, a lua e outros planetas. Em suma, seriam todos os temas referentes a recursos que, pela sua natureza, deveriam ser geridos por fideicomissos da comunidade internacional em nome das gerações presentes e futuras. Informa Santos que a preocupação com o cosmopolitismo e com o patrimônio comum da humanidade conheceu grande desenvolvimento nas últimas décadas, bem como fez surgir poderosas resistências por parte de países hegemônicos.

49 Eugen Ehrlich, jurista austríaco, em oposição aos estudos positivistas de Kensel, propôs a metodologia do direito vivo (living law), na tentativa de demonstrar que o Direito não deve ser entendido com caráter abstrato e dedutivo, ou seja, afastado da realidade social, porquanto a vida social é regulada por inúmeras instituições, associações e normas não vinculadas ao Estado. (MALISKA, 2001. p. 38.)

a ideia utópica de um ordenamento jurídico mundial, que iria ao encontro das ideias cosmopolíticas de Kant, embora cada uma delas tenha as suas peculiaridades e discrepâncias. Enquanto para Kant a paz mundial pressupunha uma espécie de confederação política entre os Estados, com a outorga de uma Constituição republicana que criasse um direito genérico e comum, percebeu-se que a nova experiência demonstra a existência de vários processos globalizadores fragmentados da sociedade civil, em vez de uma globalização unitária da sociedade.

Há poucos indícios de um desenvolvimento forte, independente de instituições jurídicas autônomas em escala mundial. Um exemplo convincente seria um forte Judiciário internacional.

Mas as experiências feitas até agora com Haia há muito não são promissoras. Tentativas mais recentes de retomar a tradição do Tribunal de Nürnberg parecem estar predestinadas a terminar em desastres políticos e financeiros. E a legislação no plano mundial é um processo demorado, em virtude das restrições impostas pelo direito internacional e do regionalismo da política. Apesar da existência de numerosas organizações internacionais, praticamente não há como falar de uma administração internacional. Um fenômeno dinâmico do direito autônomo ainda pode ser percebido mais facilmente no surgimento de escritórios multinacionais de advocacia atuando em escala mundial e promovendo a solução de conflitos em perspectiva. (TEUBNER, 2003, p. 13)

Teubner (2003, p. 10) entende que, embora Ehrlich tenha errado o seu prognóstico para o direito nacional austríaco, as suas conclusões podem ser corretamente aplicadas no ordenamento jurídico mundial em via de formação, tanto analisando-se pelo ponto de vista descritivo quanto normativo.

Isso porque, conforme afirma o jurista e sociólogo austríaco, não é a política, mas a própria sociedade civil que cria para si mesma o seu direito vivo (living law). Enquanto para Bill Clinton o novo direito comum para o mundo advirá da política internacional, ou seja, crescerá no bojo da política internacional por meio de um sistema de blocos regionais, para Ehrlich não é a política, mas a própria sociedade civil que criará para si mesma o seu direito vivo. Nas palavras de Teubner:

Descritivamente, Ehrlich tem razão, pois o complexo industrial-militar – como já se pode prever hoje em dia – não estará em condições de dominar as múltiplas forças centrífugas de uma sociedade civil mundial. Sob o aspecto normativo ele também tem razão, pois a democracia terá, de qualquer forma, maiores chances de consenso, se a política for definida, na medida do possível, no plano local. (TEUBNER, 2003, p. 10)

Entende, com isso, que o direito global – e não “inter-nacional” - não poderá ser avaliado segundo critérios de aferição dos sistemas jurídicos nacionais, devendo ser interpretado por meio de uma teoria do pluralismo jurídico. Assim, em que pese relativamente distante da política, pois proveniente da sociedade, o direito mundial acabará repolitizado, em uma natural consequência da reconstrução da ordem global. (TEUBNER, 2003, p. 11)

A tese principal do Direito Vivo, portanto, aplicável à nova sociedade global, é que o direito mundial desenvolve-se a partir das periferias sociais, das comunidades locais, e não no centro de instituições estatais ou internacionais, de forma que apenas uma teoria que tenha por base o pluralismo jurídico poderá fornecer explicações coerentes à globalização do direito. (TEUBNER, 2003, p. 14)

Nota-se, por outro lado, que a crítica feita ao cosmopolitismo de Kant pode ser sobrelevada pela releitura feita por inúmeros autores que o sucederam, os quais encontram na sua base a necessária valorização das diferenças de cada comunidade, porquanto “é tendo a diversidade como ponto de partida, e não como ponto de chegada que o cosmopolitismo recorre a alternativas mais gerais, associadas à ideia de valores comuns universalizáveis”. (SALDANHA, 2018, p. 18)

Há, ainda, outras conceituações sobre o tema, acrescidas de seus respectivos contrapontos. Porém, em que pesem as críticas apontadas ao cosmopolitismo de que estaria a serviço de países hegemônicos e de que fundamentaria um determinismo cósmico, é fato que a humanidade tem descoberto que a diversidade cultural presente no Planeta é fruto da sua própria unidade, ou seja, o reconhecimento das diferenças também pode aproximar as pessoas, unificando o globo terrestre: “A partir do momento em que compreendemos viver em um único sistema, tal como os estoicos acreditavam por razões metafísicas, torna-se racionalmente indefensável a crença no dever tão-somente para com o próprio Estado”. (CANÇADO TRINDADE; CANÇADO TRINDADE, 2016, p. 105)

Nessa linha é a constatação de Cançado Trindade acerca da fonte material par excellence do direito internacional: a consciência jurídica universal. Ou seja, mesmo com todas as adversidades e desastres que a humanidade passou, ela mantém-se consciente da sua criatividade e da necessidade de ser mestre do seu destino, ou seja, de viver com justiça e paz em um universo ordenado. (CANÇADO TRINDADE, 2006, p. 120)

Independentemente da corrente realista ou idealista que for adotada, o futuro é incerto, justamente porque depende das ações pensadas e adotadas no presente. Constatar a subjugação criada pelo processo globalizatório sem estabelecer a base para a minimização dos seus efeitos nefastos e sem acreditar em um mundo no qual há maior proteção e promoção dos direitos humanos tornará o estudo inócuo e até inocente, tendo em vista que retira a responsabilidade da humanidade pela sua evolução.

Fato é que, com as novas demandas globais surgidas, principalmente, no século XX, o tema do cosmopolitismo retomou a sua atualidade – embora seja controverso –, ressurgindo para produzir diálogos interestatais com o escopo de promoção e proteção dos direitos humanos dos cidadãos do mundo, construindo-se uma plataforma hermenêutica comum necessária para fortalecer as intrincadas redes interpretativas globais.

Muito já se caminhou, podendo-se destacar como exemplos embrionários de aplicação do direito cosmopolita os organismos internacionais que compõem o sistema das nações unidas e a União Europeia. Todavia, trata-se de exemplos limitados, que não tiveram força e coragem suficientes para expandir a sociedade global e nela efetivamente incluir de forma exitosa todos que a compõem.

Ora, “a estratégia cosmopolita, que cede soberania nacional em troca de um poder supranacional, está obviamente limitada por sua prática atual eminentemente regional”, podendo-se citar como grande exemplo a União Europeia. Para Dupas, “qualquer suposição de sua aplicação em escala planetária configura-se como mera utopia, especialmente na correlação mundial de forças na atualidade.” (DUPAS, 2005,