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proteção internacional dos direitos humanos e o papel da paradiplomacia: uma análise a partir da sociedade internacional atual

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Academic year: 2021

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

LÍVIA CYNARA PRATES THOMÉ

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O PAPEL DA PARADIPLOMACIA: uma análise a partir da sociedade internacional atual.

IJUÍ – RS 2018

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A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O PAPEL DA PARADIPLOMACIA: uma análise a partir da sociedade internacional atual.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito.

Área de Concentração: Direitos Humanos Linha de Pesquisa: Democracia, Novos Direitos e Desenvolvimento

Orientador: Prof. Dr. Gilmar Antônio Bedin

IJUÍ – RS 2018

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T465p Thomé, Lívia Cynara Prates.

A proteção internacional dos direitos humanos e o papel da paradiplomacia: uma análise a partir da sociedade internacional atual / Lívia Cynara Prates Thomé. – Ijuí, 2018.

196 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Gilmar Antonio Bedin”.

1. Direitos Humanos. 2. Globalização. 3. Cosmopolitismo. 4. Paradiplomacia. 5. Entes Subnacionais. 6. Novos Atores Globais. I. Bedin, Gilmar Antonio. II. Título.

CDU: 342.7:327

Catalogação na Publicação

Eunice Passos Flores Schwaste CRB10/2276

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O PAPEL DA PARADIPLOMACIA: UMA ANÁLISE A PARTIR DA SOCIEDADE

INTERNACIONAL ATUAL

elaborada por

LÍVIA CYNARA PRATES THOMÉ

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________

Prof. Dr. Luciano Vaz Ferreira (FURG): __________________________________________

Prof. Dr. Mateus de Oliveira Fornasier (UNIJUÍ): ___________________________________

Ijuí (RS), 15 de junho de 2018. .

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Dedicada a todos que descobriram que é o amor, e não o medo, que deve reger as relações humanas. E para que tenham força de recrutar mais soldados.

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nela permanecido fisicamente ou não. Todo trabalho diz muito do seu autor; e todo autor compartilha a sua autoria, de certa forma, com aqueles que fazem parte da sua construção pessoal. Sou muito melhor por ter convivido e aprendido com todo ser humano que tocou a minha alma. Agradeço, de coração, por todas as trocas interpessoais vividas, principalmente com aquelas pessoas que comigo não concordaram. Obrigada por abrirem a minha cabeça e por me fazerem ver através de outras lentes, ou por simplesmente contribuírem para corroborar o que eu já acreditava. Todos que plantaram alguma sementinha no meu coração, de alguma forma, contribuíram para o resultado obtido neste trabalho.

Em especial ao grande amigo Prof. Dr. Cícero Krupp da Luz, cujas valiosas colaborações possibilitaram o aperfeiçoamento deste trabalho, além de todo o ganho pessoal obtido com cada diálogo transdisciplinar. Igualmente, neste momento, ao Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin, cujas qualidades de humildade e dedicação servirão de exemplo para a minha vida acadêmica. E ao Prof. Dr. Antônio Augusto Cançado Trindade, que em um encontro casual e inesperado, na Corte Internacional de Justiça, em Haia/Holanda, serviu como uma grande inspiração para que eu reiniciasse os estudos nesta área do Direito Internacional, até então por mim admirada, mas intocada; e porque em momento posterior tornou-se para mim ícone de vanguarda e humanidade, demonstrando que a empatia se faz necessária mesmo no ofício das mais altas Cortes.

À Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), enquanto instituição comunitária importante ao desenvolvimento da região que eu aprendi a conhecer, a respeitar e a abraçar.

À Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, pelo contínuo incentivo ao aperfeiçoamento dos seus membros como forma de ofertar um trabalho mais qualificado à população gaúcha.

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Garoto: Não tente entortar a colher. É impossível. Em vez disso, apenas tente ver a verdade. Neo: Que verdade? Garoto: A colher não existe. Neo: A colher não existe? Garoto: Então você verá que não é a colher que entorta. É você mesmo.

Matrix

E você ainda acredita Que é um doutor Padre ou policial Que está contribuindo Com sua parte Para o nosso belo Quadro social Eu é que não me sento No trono de um apartamento Com a boca escancarada Cheia de dentes Esperando a morte chegar Porque longe das cercas Embandeiradas Que separam quintais No cume calmo Do meu olho que vê Assenta a sombra sonora De um disco voador

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internacional, principalmente em decorrência do processo de globalização que se intensificou a partir da segunda metade do Século XX. Como reação a esse processo, houve tentativas de construção de organismos supranacionais, de um lado, e de valorização do localismo, tais como nos exemplos ocorridos na América Latina, do outro. Inúmeras teorias, dentre elas o Cosmopolitismo, surgiram para tentar explicar e nortear as novas relações globais, em busca da paz mundial. A realidade do cenário global, em meio a fracassos e avanços, tem demonstrado a crescente participação de novos atores nas relações internacionais, muito embora tais relações ainda não sejam reconhecidas de forma uníssona pela doutrina internacionalista. Este trabalho visa a demonstrar, pelo método hipotético-dedutivo e pela pesquisa essencialmente bibliográfica, documental e por meio de levantamento de informações em pequena escala, que a participação dos entes subnacionais no cenário mundial vai ao encontro das ideias cosmopolitas e constitui-se em uma forma eficaz e profícua de interação global e de promoção dos direitos humanos em nível local. Aborda-se, criticamente, as noções clássicas de soberania e de federalismo, defendendo-se a utilização da paradiplomacia em face da necessidade de valorização, estímulo à conservação das características e proteção dos interesses de cada comunidade.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Globalização. Cosmopolitismo. Paradiplomacia.

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a result of the globalization process that intensified in the second half of the 20th century. As a reaction to this process, attempts were made to construct supranational organisms, on one hand, and to valorize localism, as in examples from Latin America, on the other. Numerous theories, among them Cosmopolitanism, have arisen to try to explain and guide new global relations in search of world peace. The reality of the global scenario, among failures and advances, has demonstrated the growing participation of new actors in international relations, even though such relations are not yet recognized in a united way by internationalist doctrine. This paper aims to demonstrate, through the hypothetical-deductive method and essentially bibliographical research, documentary and through small-scale information gathering, that the participation of subnational entities in the world scenario is in line with cosmopolitan ideas and constitutes an effective and fruitful way of global interaction and promotion of human rights at the local level. The classic notions of sovereignty and federalism are critically addressed, defending the use of paradiplomacy in light of the need for valorization, encouragement to preserve the characteristics and protection of the interests of each community.

Palavras-chave: Human Rights. Globalization. Cosmopolitanism. Sovereignty.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

2 A SOCIEDADE INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA EM TRANSFORMAÇÃO ... 16

2.1 OS INFLUXOS DO SÉCULO XX NA NOVA ORDEM GLOBAL ... 17

2.1.1 A crescente importância dos direitos humanos ... 17

2.1.2 A II Guerra Mundial e suas consequências para a nova ordem global ... 27

2.1.3 O fenômeno da globalização e o aumento da interdependência global .... 30

2.2 INFLUXOS DA NOVA SOCIEDADE INTERNACIONAL NO ÂMBITO INTERNO DOS ESTADOS ... 39

2.2.1 A soberania em crise ... 42

2.2.2 O federalismo em xeque ... 53

2.2.3 O surgimento dos mais novos atores globais ... 63

2.2.4 Novos problemas, novos caminhos ... 69

2.2.4.1 Entre o macro e o micro: uma terceira via ... 69

2.2.4.2 Cosmopolitismo como solução? ... 74

3 A PARADIPLOMACIA E O PAPEL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL NO NOVO CENÁRIO GLOBAL ... 88

3.1 A POLÍTICA EXTERNA MULTINÍVEL ... 88

3.1.1 Ausência do reconhecimento da personalidade jurídica internacional: consequências quanto à responsabilidade ... 94

3.1.2 A paradiplomacia e suas formas... 114

3.1.2.1 Paradiplomacia cultural ... 115 3.1.2.2 Paradiplomacia econômica ... 115 3.1.2.3 Paradiplomacia política ... 116 3.1.2.4 Protodiplomacia ... 119 3.1.3 A paradiplomacia comparada... 122 3.1.3.1 O caso da Alemanha ... 125 3.1.3.2 O caso da Áustria ... 127 3.1.3.3 O caso da Bélgica ... 129 3.1.3.4 O caso da Suíça ... 132 3.1.3.5 O caso da Argentina ... 137 3.1.3.6 O caso do Canadá... 137

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3.1.3.8 O caso da Rússia ... 144

3.2 O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E SUA ATUAÇÃO PLANETÁRIA .... 1456

3.2.1 O Poder Executivo como promotor dos Direitos Humanos ... 147

3.2.2 Atuação paradiplomática do Estado do Rio Grande do Sul ... 150

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 160

REFERÊNCIAS ... 166

APÊNDICE A – Entrevista de Leonardo Holzmann Neves ... 181

ANEXO A – Convênio Shiga, Japão ... 186

ANEXO B – Convênio Manitoba, Canadá ... 188

ANEXO C – Convênio Hubei, China ... 191

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1 INTRODUÇÃO

É preciso sair da ilha pra ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós.

José Saramago

Estamos de mudança. Mas a mudança não é daquelas em que se troca todo o mobiliário para renovar e recomeçar; tampouco é daquelas em que todos os objetos são reunidos e apenas transportados a outro lugar. Não há falar, outrossim, em renovação dos móveis, objetos e utensílios para que fiquem mais adequados à contemporaneidade. Fala-se, isto sim, em uma absoluta mudança de paradigma, ou mesmo de critérios de avaliação e de classificação da sociedade internacional. Seria, na alegoria, a derrubada das paredes e a redefinição do uso a ser feito de cada ambiente.

O próprio termo sociedade, que pressupõe colaboração mútua, estabelecimento de padrão de conduta, formação de coletividade, pode ser questionado, uma vez que a nova formatação global desafia aqueles que se debruçam sobre o tema a estabelecerem uma interpretação homogênea dos fenômenos globalizados, bem como a criarem novos critérios para a elaboração de soluções aos problemas que estreiam no Planeta Terra.

Inúmeras teorias, hipóteses e conjecturas surgem em meio a tantas transformações históricas e a-históricas – algumas provenientes de precedentes diacrônicos, outras inéditas –, na tentativa de estabelecerem um conjunto de orientações para que as relações internacionais ocorram de forma a não prejudicar os anseios de todos e de cada um, bem como para que os direitos humanos de todo e qualquer indivíduo não sejam violados – sejam, ao invés, promovidos.

Uma das maiores dificuldades na tentativa de homogeneização dos estudos e das hipóteses levantadas por essas linhas de pesquisa é a dicotomia de opiniões quanto à prevalência do universalismo ou do regionalismo, do globalismo ou do localismo, do ceticismo ou do idealismo, da unicidade ou da pluralidade, do cosmopolitismo ou do nacionalismo. Dualismos conceituais que serão explorados no decorrer da pesquisa.

Neste trabalho, procurou-se enfrentar a questão que gravita em torno das vicissitudes que advieram do processo de transformação do globo terrestre, processo

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este que foi catalisado pelos trágicos acontecimentos do século XX e pelo projeto econômico da globalização que a evolução tecnológica do fim do século trouxe. Do fantástico século XX brotou o volátil século XXI, cujas características, muitas vezes, parecem contraditórias entre si, o que acaba por gerar respostas extremistas que, paradoxalmente, muitas vezes, buscam as mesmas soluções1 – embora sem admitir a simetria.

O trabalho foi dividido em 2 grandes capítulos, cada um subdividido em 2 tópicos, alguns compostos por subtópicos. O primeiro capítulo apresenta o florescimento dos direitos humanos no erosivo terreno semeado pela globalização, demonstrando que os acontecimentos que marcaram o último século provocaram desprestígio, destruição, reconstrução, valorização e primazia dos direitos humanos, colocando-os como pedra angular de qualquer estudo que pretenda projetar o futuro da humanidade.

Com tais bases postas, mergulhou-se nas específicas transformações que todos esses influxos ocasionaram no interior dos atores globais por excelência: os Estados. Se algum dia – ainda que tal concepção tenha perdurado – a soberania era pressuposto da possibilidade de atuação internacional e de desenvolvimento das interações globais, hoje ela não raro obstaculiza a necessária fluidez dessas relações, muito embora não se desconheça o seu caráter protetor.

Procurou-se dar, outrossim, um novo olhar sobre o Federalismo, adotado em alguns países – dentre eles, o Brasil – como forma de Estado que pretende garantir o equilíbrio entre a unicidade de uma nação e os seus particularismos regionais e locais.

1 Em apertada síntese – uma vez que o objeto deste trabalho não abrange o estudo detalhado de cada teoria –, tanto o realismo, que busca a solução para a constante luta pelo poder entre os Estados em uma ordem supranacional, quanto o idealismo, que a busca na coexistência pacífica por meio da relativização das soberanias estatais, ou mesmo a perspectiva grociana, que afirma a existência de valores comuns compartilhados pelos atores de uma mesma cultura, partem da necessidade de pacificação das relações internacionais para a evolução da humanidade, de forma que não se excluem mutuamente, mas coexistem em constante tensão e complementação. Nessa linha: “Still, they are not

mutually exclusive. In the context of the international politics of States, the question that arises is whether they, in their capacity as sovereigns, have the obligation to obey moral criteria or other interests, in particular legal or rules, or on the contrary, act in a way that best serves their purposes and interests, governed solely by the objective of maximising power. It is, of course, two different responses to the problem of order, which fall into a certain tradition of thought in the field of International Relations; they can, however, overlap.” (FERNANDES, 2016, p. 23.) Tradução livre: “Ainda assim, eles não são

mutuamente exclusivos. No contexto da política internacional dos Estados, a questão que se coloca é se eles, na qualidade de soberanos, têm a obrigação de obedecer a critérios morais ou outros interesses, em particular legais ou regras, ou, ao contrário, agir de maneira que melhor serve aos seus propósitos e interesses, regidos unicamente pelo objetivo de maximizar o poder. É, naturalmente, duas respostas diferentes ao problema da ordem, que se enquadram em uma certa tradição de pensamento no campo das Relações Internacionais; eles podem, no entanto, se sobrepor.”

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E apresentou-se uma nova concepção de diplomacia, com a adoção de arranjos de multi-level governance que agreguem os atores sociais e econômicos à cooperação e intergovernamental.

As transformações decorrentes de todos esses processos, a despeito de quebrarem barreiras físicas e aproximarem indivíduos dotados de diferentes amplitudes de personalidade jurídica internacional, construíram obstáculos étnicos, choques culturais e tensões nacionalistas que ameaçaram a paz na Terra. Se, por um lado, qualquer pessoa se sente parte de um todo maior, por outro, cria-se uma maior necessidade de ratificar a sua própria cultura e, em certas circunstâncias, promover o isolacionismo identitário.

De qualquer forma, as relações entre quaisquer pessoas físicas ou jurídicas transformaram-nas em verdadeiros atores globais, atuantes faticamente no palco das relações internacionais, embora não lhes seja reconhecida a todas a personalidade jurídica pelos ordenamentos jurídicos aos quais se encontram vinculadas. Seriam elas sujeitos de direito internacional incompletos, o que ocasiona uma série de obstáculos ao pleno desenvolvimento das sociedades.

Utilizando “a diversidade como ponto de partida, e não como ponto de chegada” (SALDANHA, 2018, p. 18), o Cosmopolitismo busca compor valores comuns universalizáveis como forma de estimular o pluralismo, o multiculturalismo e o universalismo, em busca de um destino comum à humanidade compatível com as diferenças locais e com vistas à paz mundial.

Com base nesses conceitos, o segundo capítulo apresenta uma nova forma de praticar a diplomacia e de regular as relações entre os novos atores internacionais: a paradiplomacia, que consiste na diplomacia feita pelos entes que compõem uma nação, em complementação à diplomacia clássica. Apontaram-se os problemas que tal prática enfrenta na atualidade, bem como se fez um estudo comparado da sua aplicação em alguns países.

Por fim, demonstrou-se a atuação paradiplomática do Estado do Rio Grande do Sul, ente componente da República Federativa do Brasil, que, embora desprovido de reconhecimento amplo e irrestrito da personalidade jurídica de direito internacional, vem atuando no cenário global como verdadeiro ator global, do que resultam vantagens econômicas, políticas e sociais, beneficiando a população gaúcha.

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Com a análise dos últimos acontecimentos ocorridos na Sociedade Internacional e levando-se em consideração a atuação fática dos entes subnacionais no palco das relações internacionais, é patente a importância da ampliação do rol de atores internacionais para a efetivação dos direitos humanos em todas as localidades do mundo, porquanto não há nada mais efetivo que dar voz e poder àqueles cujos direitos humanos estão sendo violados.

Imprescindível a ressalva quanto à delimitação da pesquisa no campo do Direito Internacional Público, de forma que nenhum dos tópicos compromete-se a abranger as consequências dos assuntos ora tratados no âmbito das relações internacionais privadas.

Em termos de relevância científica, o estudo justifica-se na medida em que os acontecimentos contemporâneos advindos do processo de globalização exigem respostas que, além de céleres e eficazes, sejam inéditas em face da originalidade das questões que se apresentam no mundo. É cada vez mais frequente a atuação global dos entes subnacionais, de forma que a regulação de tais relações é tema premente nos estudos de Direito Internacional Público.

No que diz respeito às premissas previamente levantadas, o estudo trabalha com duas hipóteses preliminares. A primeira delas consiste na necessidade de alterar-se o texto constitucional brasileiro para que alterar-se dê aos entes nacionais maior liberdade de atuação no cenário global, eliminando a exclusividade da União quanto à manutenção de relações internacionais e à celebração de tratados internacionais com outras nações. A segunda, menos alentadora, refere-se à manutenção do tratamento nacional dado aos entes infranacionais no que tange à sua atuação global, direcionando-se os esforços para a melhoria da estrutura estatal, com vistas a uma maior comunicação entre os entes federados tanto para que participem indiretamente nas relações internacionais que lhes digam respeito, quanto para que haja uma distribuição de responsabilidades internas em caso de violação de direito internacional por um dos entes.

Como metodologia do presente estudo optou-se pelo método hipotético-dedutivo, a partir de referências teórico-científicas e empíricas, buscando ampliar conceitos e demonstrar seu sentido prático, com foco nos direitos humanos e na sua relação com as atribuições desenvolvidas pelo Estado ao longo do tempo e atualmente. Aliou-se ao referido método o procedimento monográfico, tendo em vista

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que não se pretendeu um estudo enciclopédico, mas uma pesquisa voltada a uma temática bem delimitada.

Embasou-se teoricamente a pesquisa na bibliografia atual brasileira e estrangeira, principalmente em obras acessadas nas Bibliotecas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e na Peace Palace Library, uma das mais antigas bibliotecas especializadas em direito internacional e vinculada à Corte Internacional de Justiça, na Haia/Holanda. Foram também utilizados os conhecimentos adquiridos no Public International Law Summer Course, realizado na The Hague Academy of International Law no ano de 2016.

Para a coleta de dados foram acessadas as fontes oficiais do Governo do Rio Grande do Sul, cujos documentos compuseram uma importante fonte de pesquisa sobre a atividade paradiplomática do Estado. Por fim, foram realizadas entrevistas com políticos ligados às atividades internacionais exercidas pelo Estado do Rio Grande do Sul na atualidade, concernentes à embrionária, crescente e promissora atividade paradiplomática desenvolvida em solo gaúcho.

Importa referir, ainda, que a temática elegida está afinada com a linha de pesquisa da qual a pesquisadora faz parte – “Democracia, Novos Direitos e Desenvolvimento” –, na medida em que aborda a evolução do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o seu estreito contato com os valores da Democracia e o surgimento de novas relações jurídicas internacionais, as quais possuem relação intrínseca com o desenvolvimento da Sociedade Internacional como um todo.

Com este estudo, procura-se atestar que a teoria clássica do direito internacional, que ainda atribui aos Estados soberanos o protagonismo na arena global, vem sendo revista em face da prática contemporânea de intensa atuação dos entes subnacionais, dentre outros novos atores, cujas limitações à sua personalidade jurídica devem ser, inevitável e rapidamente, superadas, a fim de atingir-se a sociedade internacional plural e inclusiva com vistas ao alcance da participação de todos em busca da harmonia mundial.

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2 A SOCIEDADE INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEA EM TRANSFORMAÇÃO

Tudo depende do tipo de lente que você utiliza para ver as coisas.

O Mundo de Sofia

O mundo já não trabalha com a mesma lógica descrita e estudada nos livros do último século. A emergência de novas configurações de relações internacionais e suas implicações reivindica uma nova forma de pensar a coexistência, fazendo com que a convivência seja cada vez mais intensa e provocadora.

O compartilhamento de um mundo espacialmente definido, com infinitas possibilidades e recursos limitados, provoca a necessidade de se pensar o outro, levando-o em consideração para qualquer escolha individual. Há inevitabilidade de contato, seja físico ou remoto, gerando diversas formas distintas de sociabilidade e conflito.

O próprio termo sociedade internacional pode ser questionado, uma vez que a nova formatação global desafia aqueles que se debruçam sobre o tema a estabelecerem uma interpretação homogênea dos fenômenos globalizados, bem como a criarem novos critérios para a elaboração de soluções aos problemas que estreiam no mundo. Há quem prefira utilizar a expressão comunidade internacional, que pressupõe colaboração mútua, estabelecimento de padrão de conduta, formação de coletividade.

Não obstante, a maior parte da doutrina compartilha o entendimento de que, em escala universal, apenas o conceito de sociedade internacional é concebível, porque há mais elementos de separação entre os seus membros que elementos de agregação. Os Estados unem-se uns aos outros por força de interesses próprios, sem que se perceba qualquer laço subjetivo que os conduza a esse agrupamento. Obviamente que, por vezes, existe objetivo comum entre eles, como no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) - manutenção da paz e da segurança internacionais -, mas as divergências existentes entre seus membros são superiores a esse valor que partilham (BAUMAN, 2003).

Segundo a doutrina majoritária de Relações Internacionais,2 fazem parte da sociedade internacional todos os que sejam sujeitos ativos ou passivos das normas

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de Direito Internacional ou que, de alguma forma, participem da rotina da sociedade internacional, mesmo que não sejam sujeitos de Direito Internacional. E, portanto, por partir-se do pressuposto de que o mundo é formado por sujeitos, entes, organismos e organizações que possuem semelhanças e diferenças entre si, bem como por entender-se que não apenas a identidade, mas também a divergência, são importantes para o desenvolvimento do Planeta, adotar-se-á, neste trabalho, o termo sociedade internacional para referir-se a todos os sujeitos que participam, de alguma forma, como sujeitos passivos ou ativos das relações internacionais, bem como porque melhor traduz o cenário complexo da atualidade.

De fato, a nova conformação do mundo atual exige uma revalorização dos direitos humanos como forma de proteção universal da humanidade e de desenvolvimento das potencialidades regionais de cada cultura, transpondo as dificuldades que os conflitos intensos atuais têm ocasionado e a inefetividade das soluções trazidas isoladamente pelas nações aos problemas internacionais.

2.1 OS INFLUXOS DO SÉCULO XX NA NOVA ORDEM GLOBAL

2.1.1 A crescente importância dos direitos humanos

Uma vez que esta pesquisa brotou no campo dos direitos humanos, buscando-se adubar o buscando-seu contínuo florescimento com as ideias aqui plantadas, impõe-buscando-se esclarecer que a noção de direitos humanos sempre foi objeto de controvérsia. Não apenas influenciada por opiniões ideologicamente diversas, como se vê hoje, mas também por questões de cunho político e cultural.

Há certo consenso de que os direitos humanos estão intimamente ligados à condição do ser humano e de sua realização como pessoa. Ou seja, cuida-se daqueles direitos essenciais para que o ser humano seja tratado com a dignidade que fazem jus todos os seres da espécie humana. Não há, contudo, conformidade quanto ao seu exato conteúdo, até porque não é uníssono o entendimento do que estaria abrangido pelo conceito de dignidade humana.

Isso porque o princípio da dignidade da pessoa humana traz em seu bojo um conceito que é definido a partir de paradigmas valorativos construídos historicamente, que evoluem conforme as mudanças que a sociedade enfrenta e os seus inconstantes

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e discordantes anseios. Trata-se de uma norma axiológica aberta, não podendo ser ela conceituada de forma universal e fixista, em razão, principalmente, do pluralismo de valores existente na sociedade:

Neste contexto, costuma-se apontar corretamente para a circunstância de que a dignidade da pessoa humana (por tratar-se, à evidência – e nisto não diverge de outros valores e princípios jurídicos – de categoria axiológica aberta) não poderá ser conceituada de maneira fixista, ainda mais quando se verifica que uma definição desta natureza não harmoniza com o pluralismo e a diversidade de valores que se manifestam nas sociedades democráticas contemporâneas. (SARLET, 2011, p. 63)

Por estarem os conceitos intimamente ligados, não surgem, também, os direitos humanos a um só tempo, tampouco são formulados para serem imutáveis e numerus clausus; ao contrário: vão surgindo gradualmente e desenvolvendo-se juntamente com os anseios da sociedade. Nesse sentido são os ensinamentos de Bobbio:

Do ponto de vista teórico, sempre defendi - e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos - que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (BOBBIO, 2004, p. 9)

São os direitos humanos produtos culturais, o que se evidencia, inclusive, da comparação dos anseios das sociedades islâmicas e ocidentais, que traduzem proteções de direitos baseadas em valores distintos. Seguindo a linha acadêmica de Herrera Flores (2009, p. 100), os direitos humanos são construídos, e não naturais, haja vista que os seres humanos não nascem em qualquer lugar do globo terrestre com direitos humanos prontos e garantidos; são esses direitos edificados conforme as necessidades da sociedade em que estão os seres inseridos.

Com base nas obras de Norberto Bobbio e de Hannah Arendt, Piovesan pontifica que os direitos humanos são reivindicações morais que nascem quando devem e podem nascer, não nascendo todos juntos e de forma acabada. Antes de ser um dado, são um construído, uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução (PIOVESAN, 2009, p. 110).

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Costuma-se relacionar a origem dos direitos humanos com o surgimento do Estado de Direito. A noção de que todos os seres humanos do Planeta são detentores de certos direitos mínimos e uniformes é de elaboração recente na História, defende Comparato, ao relatar o sentimento de pertença dos povos por volta de VIII a.C.:

[...] nos povos que vivem à margem do que se convencionou classificar como civilização, não existe palavra que exprima o conceito de ser humano: os integrantes do grupo são chamados “homens”, mas os estranhos ao grupo são designados por outra denominação, a significar que se trata e indivíduos de uma espécie animal diferente.

Foi durante o período axial da História, como se acaba de assinalar, que despontou a ideia de uma igualdade essencial entre todos os homens. Mas foram necessários vinte e cinco séculos para que a primeira organização internacional a englobar a quase-totalidade dos povos da Terra proclamasse, na abertura de uma Declaração Universal de Direitos Humanos, que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. (COMPARATO, 2004, p. 12)

Aponta-se também que a ideia de que todos os seres humanos devem ser igualmente respeitados nasceu vinculada a uma instituição social de suma importância: a lei escrita, que se tornou, em Atenas, na Grécia, pela primeira vez, o fundamento da sociedade política. Segundo Comparato (2004, p. 12), a autoridade e a força moral das leis escritas suplantaram, de pronto, a soberania do indivíduo ou do grupo social: “a lei escrita é o grande antídoto contra o arbítrio governamental”.

Contrariamente à afirmação de que a história dos Direitos Humanos teria começado com o balizamento do poder do Estado pela lei, muitos historiadores concordam que as origens mais antigas dos direitos humanos encontram-se nos primórdios da civilização, remontando às concepções criadas pelo povo hebreu, pelo povo romano e pelo cristianismo. (LEAL, 1997, p. 20)

Herkenhoff pontua que essa vinculação dos direitos humanos ao poder do Estado obscurece o legado de povos que, em que pese não terem conhecido a técnica de limitação do poder, privilegiaram enormemente a pessoa humana nos seus costumes e nas suas instituições sociais:

Num sentido próprio, em que se conceituem como “direitos humanos”, quaisquer direitos atribuídos a seres humanos, como tais, pode ser assinalado o reconhecimento de tais direitos na Antiguidade: no Código de Hamurabi (Babilôni, século XVIII antes de Cristo), no pensamento de Amenófis IV (Egito, século XIV a. C). na filosofia de Mêncio (China, século IV a. C), na República de Platão (Grécia, século IV a. C.), no Direito Romano e

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em inúmeras civilizações e culturas ancestrais, como vimos no capítulo anterior e como ainda veremos no curso desta obra. (HERKENHOFF, 1994)

Com o surgimento da filosofia estoica, fundada por Zenão de Cíntio, no início do século III a.C., discutiu-se profundamente a oposição entre a máscara teatral e a essência individual de cada ser humano – personalidade –, organizando algumas ideias centrais de unidade moral do ser humano e de dignidade do homem, que serviram como alicerce para a construção do conceito de direitos humanos. (COMPARATO, 2004, p. 12)

Não obstante todo o legado da filosofia helenística, muita desigualdade foi vista nos séculos seguintes, em que se assistiu ao Cristianismo admitir a legitimidade da escravidão, a inferioridade natural da mulher em relação ao homem, bem com a dos povos colonizados em relação aos colonizadores europeus. Foi, portanto, sob a concepção medieval de pessoa que o princípio da igualdade essencial de todo e qualquer ser humano foi fortalecido, igualdade essa que formaria o núcleo de um pretenso conceito universal de direitos humanos. (COMPARATO, 2004, p. 16)

A Magna Carta da Inglaterra do século XIII é apontada, por parte da doutrina, como precursora da positivação dos direitos humanos, tendo influenciado as futuras declarações de direitos humanos, embora não os tenha afirmado. O mérito do referido documento político foi restringir o poder absoluto do monarca, por meio da concessão de alguns direitos à parcela da população. Nesse aspecto, explica Sarlet:

(...) é o mais correto verificar a sua origem na Inglaterra, pois na verdade, a Magna Carta de 1215, como seu próprio nome indica foi à primeira declaração histórica dos direitos, embora incompleta. Mais tarde surgiram a Petição de Direitos de 1629 e a Lei de Hábeas Corpus de 1679, isto determinando a proteção contra as prisões arbitrárias e o direito de ser ouvido pelo juiz. (SARLET, 2001, p. 43)

Hansen (2007, p. 29) entende que tal precedente é bastante significativo, principalmente, por dois grandes motivos: o emprego da expressão “qualquer homem livre”, em vez de “qualquer barão”, ajudou a ampliar as proteções da Carta, abrangendo todos os ingleses, embora havendo poucos “homens livres”, já que a maioria era formada por servos que não se envolviam na política, tampouco eram protegidos pela lei; e o fato de que, com a referida Carta, surgiu na Inglaterra a tradição de consulta do monarca a seus súditos em questões importantes, o que caracterizou os primórdios de um governo constitucional que restringia a autoridade real.

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Foi, definitivamente, o primeiro passo na delimitação dos poderes da monarquia britânica, abrindo caminho para que os direitos humanos se desenvolvessem muito nos séculos seguintes.

Influenciado por essa virada histórica contra os abusos da Coroa e devido à enorme insatisfação com as políticas fiscais do rei Carlos I, séculos depois, em 1628, o Parlamento inglês deu um segundo grande passo para a evolução dos direitos humanos: elaborou a Petição de Direito, entendida como uma declaração de liberdades civis e composta por importantes princípios: (i) nenhum tributo poderia ser imposto aos súditos sem o consentimento do Parlamento; (ii) ninguém poderia ser encarcerado pelo motivo do não pagamento de tributo ou sem justa causa; (iii) nenhum soldado poderia ser alojado nas casas dos cidadãos para economizar o dinheiro da Coroa; e (iv) a Lei Marcial não poderia ser aplicada em tempo de paz. (HANSEN, 2007, p. 30)

A importância do período para o desenvolvimento dos direitos humanos modernos é enorme, tendo sido o início do refreamento do poder absoluto dos monarcas e o surgimento das bases para a formação de um futuro corpo parlamentar. Com a Revolução Gloriosa de 1688 e a consequente Declaração de Direitos de 1689, o poder absoluto do monarca na Inglaterra foi finalmente derrubado. (HANSEN, 2007, p. 32)

Durante os séculos XVII e XVIII, alguns filósofos destacaram-se pelo profundo impacto que os seus trabalhos exerceram sobre os conceitos europeus de direitos naturais da pessoa e de contrato social que cada cidadão estabelecera com o Estado, alterando-se a concepção de lei natural como “dever” para lei natural como “direito” dos indivíduos. Destacam-se nesse período pelas contribuições profundas a essa transformação os contratualistas John Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, para os quais todos os indivíduos são titulares de direitos naturais, fortalecendo os conceitos liberais que influenciariam o Iluminismo e as posteriores Revoluções Liberais do século XIX.

Após o impulso inicial da Inglaterra, a América do Norte fez florescer o conceito moderno de direitos humanos. Sob influência das ideias iluministas, os Estados Unidos da América proclamaram a Declaração de Direitos de 1776, a qual afirmava que “todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes” (STATE OF VIRGINIA, 1778), seguida da sua Declaração da Independência, que carimbou na

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história a célebre frase: “Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes são vida, liberdade e busca da felicidade.” (UNITED STATES OF AMERICA, 1776)3

A Declaração de Independência Americana asseverou direitos universais aplicáveis à população em geral, afirmando que os americanos possuíam “direitos inalienáveis” e estabelecendo padrões de avaliação da legitimidade dos atos do Estado, o que conferia ao povo o direito de rebelar-se caso os governos violassem os direitos inalienáveis à vida, à liberdade e à busca da felicidade (HANSEN, 2007, p. 45). A tais documentos seguiram-se a Constituição dos Estados Unidos de 1787, cujo preâmbulo garantia ao povo a autoridade suprema do governo, e o Bill of Rights de 1791, que a complementou.

A Revolução Americana teve o significativo papel de eliminar as instituições ineficientes e substituí-las por uma nova prática governamental baseada na razão. Pouco tempo depois da vitoriosa Revolução Americana, o exemplo americano inflamou a revolução Francesa. (HANSEN, 2007, p. 46)

A célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão francesa, inspirada nos ideais iluministas e humanistas, fixou definitivamente as bases para o alargamento do campo dos direitos humanos, muito embora tenha sido originária de um Estado Liberal que não supriu as necessidades da população e, por isso, fracassou. Assim, a Assembleia Nacional, que promoveu a Revolução Popular de 1789 na França e representava a vontade da maioria, proclamou imediatamente a referida declaração, encimada pelo seguinte preâmbulo e iniciada pela seguinte constatação:

Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos, resolveram expor, numa declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis, e sagrados do homem [...].

Os homens nascem e ficam iguais em direitos. As distinções sociais só podem ser fundamentadas na utilidade comum. (DECLARATION OF HUMAN AND CIVIC RIGHTS, 1789)4

3 No original: “We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness.” [tradução livre da autora]

4 Original: “The representatives of the French people, organized as a National Assembly, believing that the ignorance, neglect, or contempt of the rights of man are the sole cause of public calamities and of the corruption of governments, have determined to set forth in a solemn declaration the natural,

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Com efeito, além dos direitos de liberdade que embasaram tais documentos arduamente conquistados, o princípio da igualdade, em seu sentido formal, ou seja, como igualdade jurídica que lhe deu o liberalismo nos séculos XVIII e XIX, foi-se paulatinamente enraizando nas exigências da população mais esclarecida, consistindo em um mecanismo de barrar a ação estatal no que tange à concessão de privilégios a algumas classes sociais, à escravidão ou a qualquer outra restrição de direitos que assegurem o alcance da dignidade da pessoa humana, à discriminação ou à diferenciação de raças, religiões ou ideologias, à criação de tribunais de exceção, à restrição dos direitos de liberdade por razões de ordem pessoal etc. (MALUF, 1999, p. 286-287)

Posteriormente, no século XX, surgiram a Constituição Mexicana, de 1º de maio de 1917, e a Constituição da República de Weimar (GERMAN REICH, 1919), de 11 de agosto de 1919, tendo esta destacado os direitos sociais, dando ao princípio da igualdade um viés material e servindo de base para o futuro reconhecimento dos direitos fundamentais.

Muito além da relação do povo com o seu governante, houve a necessidade, principalmente com as Grandes Guerras Mundiais, de assegurar-se um convívio harmonioso também entre os diferentes povos e nações do mundo, ampliando-se a abrangência dos direitos humanos já então conquistados e positivados.

Foi, finalmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948), adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro 1948, que teve a louvável incumbência de propiciar a proteção dos direitos humanos em âmbito global e, com ela, promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, bem como a liberdade, a justiça e a paz no mundo.

Em âmbito nacional, após a promulgação da atual Constituição da República, em 1988, o Brasil passou a assumir uma série de compromissos internacionais em respeito aos direitos humanos. No ano de 1992, ratifica o Pacto de Direitos Civis e Políticos (1966) e o Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1966), bem como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa

unalienable, and sacred rights of man […] Men are born and remain free and equal in rights. Social distinctions may be founded only upon the general good.” [tradução livre da autora]

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Rica – 1969), tratado que institui o Sistema Interamericano de Direitos Humanos; e, em 1998, aceita a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para julgar casos de violação aos direitos previstos na Convenção.

No decorrer da década de 1990, inúmeros outros tratados de direitos humanos são ratificados pelo Estado brasileiro, dentre os quais se destacam: o Protocolo Adicional à Convenção Interamericana de Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), ratificado em 1996; Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos referentes à abolição da pena de morte (1990), ratificado em 1996; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994), ratificada em 1995; Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores (1994), ratificada em 1997; e Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999), ratificada em 2001.

Assim, uma vez que consta, expressamente, no art. 5º, §2º, da Carta Política, que os direitos fundamentais previstos na constituição não excluem outros decorrentes dos tratados de direitos humanos, dando-lhes, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, status supralegal e constitucional, se passarem pelo procedimento análogo ao de Emenda Constitucional previsto no seu art. 5º, §3º, deixou-se de conceber o tratamento do Estado para com os seus nacionais como um problema de jurisdição doméstica decorrente de sua soberania.

Como bem colocou Flávia Piovesan: “Prenuncia-se, deste modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica decorrente de sua soberania” (PIOVESAN, 2009, p. 110). Luigi Ferrajoli (2003, p. 27) acresce: é essencial que o Estado de Direito se tenha tornado um Estado Internacional de Direito, o que significa que o estado deve adequar sua atividade também aos tratados de direitos humanos, como, por exemplo, ao Pacto de São José da Costa Rica.

No momento em que o Estado ratifica um tratado, ele assume o compromisso de cumpri-lo dentro do seu território, devendo, deste modo, criar mecanismos necessários para a sua observância, seja na elaboração de normas, seja na execução do seu conteúdo. Assim, os tratados de direitos humanos refletir-se-ão nas ações estatais, e as efetivações dos direitos enunciados nesses pactos passam a ser

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exigidas não só pela sociedade civil, mas também por organismos internacionais e pelos demais Estados que fazem parte desses acordos.

Um olhar acurado sobre a realidade permite identificar que, a despeito de ser um dos eixos norteadores da atividade estatal brasileira, a temática dos direitos humanos não tem sido trabalhada a contento dentro da Administração Pública, embora se devam reconhecer os inúmeros avanços nos últimos anos.

Nesse contexto, a proteção dos direitos humanos está intimamente ligada com a permanência da democracia. Nas palavras da Piovesan (2015, p. 122):

Há que se endossar a ideia - tão vital à experiência europeia - da indissociabilidade entre direitos humanos, democracia e Estado de Direito. Isto é, há que se reforçar a concepção de que o respeito aos direitos humanos é condição essencial para a sustentabilidade democrática e para a capilaridade do Estado de Direito na região.

Devem os direitos humanos, dentro desse quadro, ser o eixo orientador das atividades estatais nas três esferas do Poder e em todos os entes federativos.

No Poder Executivo, um exemplo significativo do direcionamento da atividade estatal para a promoção e a proteção dos direitos humanos é observado com a 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, realizada com o objetivo de revisar o Programa Nacional de Direitos Humanos I e II, por meio de ações compartilhadas entre governo e sociedade civil. Dela resultou a aprovação, pelo Decreto 7.037/2009, do Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3), após o lançamento dos dois primeiros programas nacionais, no governo Fernando Henrique Cardoso. O referido programa orienta a atuação do poder público no âmbito dos direitos humanos em seis eixos: (1) a interação democrática entre Estado e sociedade civil; (2) desenvolvimento e direitos humanos; (3) universalização de direitos em um contexto de desigualdades; (4) segurança pública, acesso à justiça e combate à violência; (5) educação e cultura em direitos humanos e (6) direito à memória e à verdade (SANTINELLI; LOURENÇO, 2012, p. 95-109).

No PNDH-3 também foi instituído um Comitê de Acompanhamento e Monitoramento do PNDH-3, com a finalidade de promover a articulação entre os órgãos e entidades envolvidos na implementação das suas ações programáticas, elaborar os Planos de Ação dos Direitos Humanos, estabelecer indicadores para o acompanhamento, monitoramento e avaliação dos Planos de Ação dos Direitos

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Humanos, e acompanhar a implementação das ações e recomendações. (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS)

O PNDH-3 está estruturado em seis eixos orientadores, subdivididos em 25 diretrizes, 82 objetivos estratégicos que incorporam ou refletem os 7 eixos, as 36 diretrizes e as 700 resoluções da 11ª CNDH. O Programa tem ainda, como alicerce de sua construção, as resoluções das Conferências Nacionais temáticas, os Planos e Programas do governo federal, os Tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro e as Recomendações dos Comitês de Monitoramento de Tratados da ONU e dos Relatores especiais. Avançou-se, portanto, nas perspectivas de universalidade, de indivisibilidade e de interdependência dos Direitos Humanos, gerando as bases para a formulação e fortalecimento de ações que convergem para uma Política Nacional de Direitos Humanos como política de Estado. (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS)

Recentemente, a Lei 12.986/2014 transformou o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, instituído em 1964 no Brasil, em Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH; no entanto, lamenta-se que

poderia ter avançado mais a Lei 12.986/2014 ao instituir o novo Conselho Nacional dos Direitos Humanos, adaptando-o às recomendações realizadas pela ONU nos Princípios de Paris (Resolução n. 1992/54, de 3.3.1992, da Comissão de Direitos Humanos da ONU), uma vez que o atual órgão brasileiro de direitos humanos está ainda aquém dessas recomendações internacionais. (MAZZUOLI, 2015, p. 382).

Muito já se avançou, mas há ainda muito a fazer para que os direitos humanos de todos e de cada um sejam não apenas assegurados, mas promovidos. Como bem apontado por Bobbio (2004, p. 25), “o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”.

Na seara internacional, além do sistema normativo global, representado pela Organização das Nações Unidas (ONU),5 também surgiram os sistemas regionais de proteção, internacionalizando os direitos humanos nos planos regionais, especialmente na América (Organização dos Estados Americanos - OEA),6 na Europa (Conselho da Europa – CE)7 e na África (União Africana – UA),8 além de um incipiente

5 Fundada em 24 de outubro de 1945 e composta por 193 membros ativos e 2 observadores. 6 Fundada em 5 de maio de 1948 e composta por 35 países.

7 Fundado em 5 de maio de 1949 e composto por 47 membros ativos e 8 observadores. 8 Fundada em 9 de julho de 2002 e composta por 55 países.

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sistema árabe9 e a proposta de criação de um sistema asiático. Giza-se, todavia, que estes dois últimos não se encontram, ainda, em funcionamento.10

2.1.2 A II Guerra Mundial e suas consequências para a nova ordem global

A despeito de toda a evolução na construção e no reconhecimento daqueles que seriam denominados direitos humanos, foi apenas no século XX, em face das mazelas deixadas pela destrutiva Segunda Guerra Mundial, que o mundo percebeu que a espécie humana dependeria, a partir dali, de uma robusta proteção para perpetuar-se e, além disso, para desenvolver-se em toda a sua potencialidade.

A partir da dor física e do sofrimento moral, os homens, horrorizados e temerosos, recuaram do surto de violência que tomou conta do mundo naquela época e passaram a trabalhar por uma tomada de consciência geral de exigência de novas regras para uma vida digna para todos. Deu-se início, portanto, a uma ampla conscientização acerca de que os regimes democráticos deveriam apoiar-se nos direitos humanos, a fim de proporcionar a manutenção da paz e da segurança mundiais.

No entender de Piovesan, se a Segunda Guerra significou uma grande ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra foi a sua reconstrução:

É nesse cenário que se vislumbra o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Com efeito, no momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que é cruelmente abolido o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável. A barbárie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da negação do valor da pessoa humana como valor-fonte do Direito. (PIOVESAN, 2007, p. 7)

9 O Sistema Africano de proteção aos direitos humanos não está, ainda, infelizmente, em funcionamento. Em 1994, a Liga dos Estados Árabes adotou a Carta Árabe de Direitos Humanos, que reflete a islâmica lei da Sharia e outras tradições religiosas. O sistema árabe de proteção dos direitos humanos teve sua carta ratificada por países da Liga Árabe, tanto do continente africano como asiático. Marrocos, país do norte da África, juntamente com 07 países já membros do sistema africano de proteção dos direitos humanos, a saber - Tunísia, Egito, Sudão, Líbia, Síria, Argélia e Arábia Saudita – fazem parte do sistema árabe. (OLIVEIRA, 2016, p. 19-36)

10 O Sistema Árabe de proteção aos direitos humanos não está, ainda, infelizmente, em funcionamento. A Comissão Asiática dos Direitos Humanos, fundada em 1986 por um grupo de juristas e ativistas de direitos humanos em Hong Kong, elaborou a Carta Asiática dos Direitos Humanos, descrita como “uma carta do povo”, haja vista que nenhuma carta governamental foi emitida até ao momento. (UNIDOS PELOS DIREITOS HUMANOS)

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Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro 1948, com o escopo de propiciar a proteção dos direitos humanos e, com ela, promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, bem como a liberdade, a justiça e a paz no mundo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, nas entusiásticas palavras de Sorto:

[...] é o paradigma “irrepetível” de um momento histórico particular da consciência humana, é o tratado que deveria ser e não foi, é a declaração que deveria ser escrita na Constituição Universal que não existe ainda, é o mais luminoso documento internacional do movimento que começa com a Carta das Nações Unidas, cujo brilho fulgurante ilumina todos os recantos onde os direitos são violados. Se a Declaração fosse tratado internacional não seria o que ela é atualmente, não representaria para a Humanidade o que representa. Se a Declaração fosse tratado já teria sido desrespeitada, transgredida, violada. Mas por sorte a Declaração não é norma convencional vinculante. Por essa razão não pode ser violada, nem ferida, nem tem o destino das leis caducas. Seu destino é o da imortalidade em razão da sua essencialidade histórica e da sua relevância moral e metajurídica. (SORTO, 2008, p. 33)

A necessidade de haver um rol de direitos instransponível e sólido para que os seres-humanos pudessem desenvolver-se individualmente e como sociedade fez florescer os direitos humanos historicamente construídos.

Assim, tem-se que a concepção contemporânea de direitos humanos foi introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, sendo fruto da internacionalização dos direitos humanos ocorrido no pós-guerra.

A partir desse período, inúmeros tratados de direitos humanos passaram a ser ratificados, reconhecendo a igualdade essencial de todo e qualquer ser humano em sua dignidade como pessoa, bem como atribuindo um sentido novo à relação entre as pessoas e o Estado, na qual a autoridade estatal não deve colocar-se mais em oposição aos direitos fundamentais, mas, ao contrário, deve promovê-los.

Entretanto, não se pode olvidar que o período pós-segunda guerra foi também marcado por políticas de direitos humanos adotadas a serviço dos interesses econômicos e geopolíticos dos Estados capitalistas hegemônicos. A própria Declaração Universal de 1948 é um exemplo desse discurso dominante dos direitos humanos, porquanto foi elaborada sem a participação da maioria dos povos do mundo. Hoje, vê-se milhares de organizações não-governamentais espalhadas pelo mundo lutando pelos grupos e pelas classes sociais oprimidos, vitimizados por

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Estados autoritários e por práticas econômicas excludentes ou por práticas políticas e culturais discriminatórias. (SANTOS, B., 2003b, p. 439-440)

Mas não foi apenas de grandes guerras e de destruição e reconstrução que se desenvolveu o século XX. As incríveis descobertas da Medicina, o impacto das grandes invenções científicas na sociedade, a aumento da comunicação sem fio e dos aviões, o papel da mulher na política, o movimento ecológico, a emancipação do Terceiro Mundo, as mudanças do cristianismo e do islamismo, dentre outras importantes inovações, também influenciaram não só a evolução dos direitos humanos, como o modo de vida privada e social de todos os povos do mundo. (BLAINEY, 2011, p. 5)

Comparato destaca a necessária coincidência existente entre a evolução científica e o reconhecimento dos direitos humanos pela sociedade internacional:

Além dessa chave de compreensão histórica dos direitos humanos, há outro fato que não deixa de chamar a atenção, quando se analisa a sucessão das diferentes etapas de sua afirmação: é o sincronismo entre as grandes declarações de direitos e as grandes descobertas científicas ou invenções técnicas. (COMPARATO, 2004, p. 37)

À biosfera sucede a antroposfera, ou seja, “a elevação progressiva das espécies vivas ao nível do ser humano foi seguida de um processo de convergência da humanidade sobre si mesma” (COMPARATO, 2004, p. 50), resultando na afirmação contínua dos direitos humanos na história mundial. E, com isso, questiona-se o autor:

[...] ou a humanidade cederá à pressão conjugada da força militar e do poderio econômico-financeiro, fazendo prevalecer uma coesão puramente técnica entre os diferentes povos e Estados, ou construiremos enfim a civilização da cidadania mundial, com o respeito integral aos direitos humanos, segundo o princípio da solidariedade ética. (COMPARATO, 2004, p. 57)11

Nessa senda, ao tratar sobre os três princípios da regulação social moderna ocidental, quais sejam, o Estado, o mercado e a comunidade, Boaventura de Sousa Santos (2014, p. 130) afirma que o terceiro princípio acabou sendo sempre negligenciado e concebido como coadjuvante do “capitalismo organizado” do Estado

11 O autor ensina que há dois grandes fatores de solidariedade humana: “um de ordem técnica, transformador dos meios ou instrumentos de convivência, mas indiferente aos fins; e outro de natureza ética, procurando submeter a vida social ao valor supremo da justiça” (COMPARATO, 2004, p. 38).

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e do “neoliberalismo” do mercado. E foi essa negligência que permitiu ao princípio da comunidade evoluir livremente, de uma forma muito menos monocultural e monolítica, fora dos limites da burocracia e da estandardização mercantil. O princípio da comunidade cresceu, portanto, muito mais aberto à diversidade e à interculturalidade. O que se tenta demonstrar é que a solidariedade é de vital importância para o desenvolvimento de uma sociedade, e esta cresce e se desenvolve na medida do desenvolvimento técnico-científico e em conjunto com a proteção dos direitos humanos. Trata-se de duas formas de solidariedade: a solidariedade técnica e a solidariedade ética, assim explicadas:

Na história moderna, esse movimento unificador tem sido claramente impulsionado, de um lado, pelas invenções técnico-científicas e, de outro lado, pela afirmação dos direitos humanos. São os dois grandes fatores de solidariedade humana: um de ordem técnica, transformador dos meios ou instrumentos de convivência, mas indiferente aos fins; e outro de natureza ética, procurando submeter a vida social ao valor supremo da justiça. A solidariedade técnica traduz-se pela padronização de costumes e modos de vida, pela homogeneização universal das formas de trabalho, de produção e troca de bens, pela globalização dos meios de transporte e de comunicação. Paralelamente, a solidariedade ética, fundada sobre o respeito aos direitos humanos, estabelece as bases para a construção de uma cidadania mundial, onde já não há relações de dominação, individual ou coletiva. (COMPARATO, 2004, p. 51)

Ainda é importante pincelar que, o trágico e contraditório século XX projetou e retomou, com força, o legado deixado pelo estoicismo com relação ao cosmopolitismo, em pronta reação às atrocidades da época (CANÇADO TRINDADE; CANÇADO TRINDADE, 2016, p. 103). O pensamento cosmopolita será retomado neste trabalho, adiantando-se, por ora, ser um caminho para estudar-se a nova sociedade global e as suas vicissitudes, a fim de melhor compreender e proteger, de forma clara e fraternal, toda a humanidade.

Com abrigo em todo esse arsenal de conquistas obtidas e, mormente, face à nova engrenagem trazida pelo fenômeno da globalização, muito já se construiu e muito ainda está por vir para que essa ainda utópica cidadania mundial calcada nos direitos humanos seja erguida e, principalmente, mantida.

2.1.3 O fenômeno da globalização e o aumento da interdependência global

A Revolução Industrial e o desenvolvimento científico do mundo possibilitaram a aproximação dos Estados, das pessoas e das ideias. O planeta ficou menor e os

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laços mais estreitos, ocasionando uma maior troca de informações, culturas, bens e pessoas entre as nações.

A despeito dessas mudanças, foi apenas no final do século XX que o processo de globalização originou-se, facilitando sobremaneira a comunicação e o acesso entre os países e consistindo em um aprofundamento internacional da integração econômica, social, cultural e política entre os diferentes povos do planeta.12

Inúmeros conceitos de globalização foram formulados, divergindo entre si apenas quanto à ênfase a ser dada a cada um dos aspetos que formam o conceito: aspectos materiais, espaço-temporais e cognitivos. Analisando-se algumas dessas definições, Giddens (2000, p. 38) explica que a Globalização poderia ser a “intensificação de relações sociais em escala mundial que ligam localidades distantes de tal maneira, que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorridos a muitas milhas de distância e vice-versa”.

Para Teixeira e Diz (2005, p. 91), o termo Globalização poderia er conceituado como o “resultado de um processo de internacionalização que passa de uma estratégia multidoméstica diversificada para uma estratégia única para todos os países, os quais são vistos como constituindo um único mercado”.

Ainda, Boaventura de Sousa Santos (2003b, 433-438) entende que a globalização “é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de considerar como sendo local outra condição social ou entidade rival”. Sustenta, portanto, que aquilo que chamamos de globalização nada mais é do que a globalização bem-sucedida de determinado localismo, ou seja, não existiria condição global sem sua correspondente raiz local. Em última análise, a globalização pressuporia a localização. Por essa razão, a tentativa de universalização dos direitos humanos é deveras complexa, haja vista a diversidade de direitos locais e a força de algumas sociedades em impor os seus direitos às demais, em detrimento de outras sociedades que não possuem poder bastante para globalizar os seus localismos.

12 Importa referir que há autores, a exemplo de Meirelle Delmas-Marty, que diferenciam globalização de mundialização. Aquela teria natureza econômica, enquanto esta, jurídica, desafiando a racionalidade jurídica em relação ao espaço, ao tempo e à ordem. Há, ainda, autores que atribuem o termo planetarização para os aspectos políticos e o termo mundialização para os aspectos culturais (BEDIN, 2001a, p. 292, nota de rodapé n. 989). Preferir-se-á utilizar o termo “globalização” no presente trabalho em razão da impossibilidade espacial de adentrar-se em tal discussão.

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Santos entende ser bastante delicada a utilização dos direitos humanos como forma de “localismo globalizado”, ou seja, como forma de globalização hegemônica, principalmente pela cultura ocidental. Explica o autor que o conceito de direitos humanos é baseado em um conjunto de pressupostos tipicamente ocidentais13, cuja tentativa de universalização sociológica sobrepôs-se à universalização filosófica:

[...] enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica. Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalização contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser reconceitualizados como multiculturais. Concebidos como direitos universais, como tem acontecido, os direitos humanos tenderão sempre a ser um instrumento do “choque de civilizações” como o concebe Samuel Huntington (1993), ou seja, como arma do Ocidente contra o resto do mundo (“the West against the rest”). (SANTOS, B., 2003b, p. 438)

Aprofundando e dissecando os elementos que compõem a globalização, bem como a sua formação e os seus efeitos, Boaventura de Sousa Santos (2003b, p. 435-437) divide a sua análise em quatro subespécies de globalização: localismo globalizado14 e globalismo localizado15 – que seriam as globalizações “de-cima-para-baixo” – e o cosmopolitismo16 e o patrimônio comum da humanidade17 – que seriam as globalizações “de-baixo-para-cima”.

13 São eles: “existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente; a natureza humana é essencialmente diferente e superior à restante realidade; o indivíduo possui uma dignidade absoluta e irredutível que tem de ser defendida da sociedade ou do Estado; a autonomiado indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não hierárquica, como soma de indivíduos livres. (SANTOS, B., 2003b, p. 439)

14 Consistiria no processo segundo o qual determinado fenômeno local é globalizado com sucesso. Como exemplos, o autor cita a língua inglesa, o fast food americano, a atividade das multinacionais e músicas populares de países hegemônicos. Tal fenômeno seria mais frequente nos países centrais. (SANTOS, B., 2003b, p. 435)

15 Este seria o processo de impacto específico de práticas transnacionais na seara local, a qual acaba sendo desestruturada e reestruturada de modo a responder a esses imperativos transnacionais. Exemplos citados no livro são: desmatamento e destruição do meio-ambiente para pagamento da dívida externa, patrimônios da humanidade postos à disposição da indústria global do turismo, dumping ecológico, conversão da agricultura de subsistência em agricultura para exportação como ajuste estrutural, dentre outros. Tais fenômenos, por outro lado, seriam mais frequentes nos países periféricos, pois somente lhes cabe a escolha entre as várias alternativas de globalismos localizados. (SANTOS, B., 2003b, p. 435)

16 Boaventura de Sousa Santos utiliza o cosmopolitismo em um sentido pouco convencional e diferente de outros autores. Para ele, “cosmopolitismo é a solidariedade transnacional entre grupos explorados, oprimidos ou excluídos pela globalização hegemônica”. Em suma, seria a luta do subalterno contra a sua subalternização. (SANTOS, B., 2003b, p. 436-437)

17 Patrimônio Comum da Humanidade englobaria, para Santos, temas que somente fazem sentido em relação ao globo em sua totalidade, tais como: a sustentabilidade da vida humana no Planeta Terra, temas ambientas como a preservação da biodiversidade, da camada de ozônio, da Antártida, a exploração do universo e seus planetas e astros. Em suma, seriam temas de interesse das gerações presentes e futuras. (SANTOS, B., 2003b, p. 437)

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