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2.2 INFLUXOS DA NOVA SOCIEDADE INTERNACIONAL NO ÂMBITO INTERNO

2.2.1 A soberania em crise

Foi com o Tratado de Westfália, em 1648, que se estabeleceram as bases teóricas do Estado, apresentando-se princípios clássicos de soberania e autonomia dentro de um território. Assim, o sistema de normas codificado em Westfália iniciou uma trajetória normativa no direito internacional, que apenas consolidou-se completamente no fim do século XVIII e início do século XIX. Nesse período, surgiram os princípios nucleares da ordem internacional moderna, quais sejam: a soberania territorial, a igualdade formal entre os Estados, a não intervenção nos assuntos

internos de outros Estados reconhecidos e a importância do consentimento do Estado para a formação de acordos jurídicos internacionais. (HELD; MCGREW, 2001, p. 27)

Portanto, o papel abrangente que hoje os Estados modernos possuem no cenário global é relativamente recente na história da humanidade, tendo ocorrido na Europa ocidental – e nos territórios coloniais – durante os séculos XVIII e XIX, embora as origens mais remotas dos Estados apontam para o fim do século XVI. Mais tarde, passou a consolidar-se como uma forma de dominação política que utiliza um processo simétrico entre a soberania, o território e a legitimidade. (HELD; MCGREW, 2001, p. 25)

A própria noção de soberania criada simbolicamente em 1648 talvez nem tenha existido da forma como se pretendia, em que o Estado detinha a exclusiva autoridade dentro das linhas de suas fronteiras geográficas: “o corpo soberano do Estado talvez nunca tenha existido, mas de alguma maneira justificava ações de Estados, principalmente relacionados a Guerras e a movimentos colonizadores.” (LUZ, 2007, p. 230)

O moderno conceito de soberania, como todos os institutos jurídicos e políticos de uma sociedade, foi sendo por esta construído ao longo do tempo, de forma que preponderou, conforme a época, cada um dos seus elementos constitutivos e caracterizadores, além de ter ocorrido o seu desenvolvimento de formas diversas nas diferentes partes do mundo.

Bedin explica que tal conceito, por exemplo, era associado à imagem do Monarca pelo teórico político inglês Thomas Hobbes (1588-1679), famoso defensor do Estado soberano absolutista. Já para o jurista francês Jean Bodin (1530-1596), a soberania estava relacionada com o poder do Estado de legislar, característica que compunha o conceito de Hobbes, mas de forma subsidiária e decorrente do monopólio do uso legítimo da força como ferramenta da sua manutenção. (BEDIN, 2001)

Para Jean Bodin, cuja principal contribuição foi justamente a definição e as implicações do conceito de soberania, esta poderia ser definida como o poder absoluto, ilimitado e perpétuo de uma república. A soberania, para ele, detinha em seu conceito os seguintes atributos intrínsecos:

a) direito de dar leis a todos em geral e a cada um em particular; b) direito de declarar a guerra ou de negociar a paz; c) direito de nomear os principais oficiais; d) direito de julgamento em última instância; e) direito de conceder graças aos condenados; f) direito de exigir respeito à fé; g) direito de instituir

uma moeda; h) direito de estabelecer pesos e medidas; e i) direito de instituir e de cobrar impostos. (BEDIN, 2013, p. 112)

Depreende-se que a soberania acaba sendo uma força de coesão e de união da comunidade política, estabelecendo uma relação de comando e obediência na sociedade em que é aplicada. Por essa razão, segundo Bedin, a contribuição mais significativa de Jean Bodin para a construção do Estado moderno é a formação sólida do conceito de soberania como sua característica fundamental e seu elemento institucional diferenciador das outras entidades políticas. (BEDIN, 2013, p. 112)

Soberania seria, então, em linhas gerais, o poder de autodeterminação plena, de forma a não estar condicionado a nenhum outro poder, seja externo, seja interno (MENDES, 2012, p. 856). Para Miguel Reale (2000, p. 140), “soberania é o poder que tem uma Nação de organizar-se livremente e de fazer valer dentro do seu território a universalidade de suas decisões para a realização do bem comum.”

Já para Brownlie (2003, p. 289), em geral, “a ‘soberania’ caracteriza poderes e privilégios baseados no direito consuetudinário e independentes do consentimento particular de outro estado",21 vale dizer, a “a soberania também é usada para descrever a competência legal que os estados têm em geral para se referir a uma função específica desta competência, ou para fornecer uma justificativa para um aspecto particular da competência”22.

O aperfeiçoamento do conceito de soberania promoveu legitimidade ao Estado, encerrando um direito especial ao exercício legítimo do poder político num reino circunscrito. (HELD; MCGREW, 2001, p. 25)

Os Estados modernos desenvolveram-se como Estados-nação – corpos políticos separados de governantes e governados, com jurisdição suprema sobre uma área territorial demarcada, respaldados pelo direito ao monopólio da força coercitiva e gozando de legitimidade em decorrência da lealdade ou do consentimento de seus cidadãos. As grandes inovações do Estado-nação moderno – a territorialidade que fixa fronteiras exatas, o controle monopolista da violência, a estrutura impessoal do poder político e a afirmação singular da legitimidade, com base na representação e na responsabilização – marcaram seus traços definidores (e, às vezes, frágeis). (HELD; MCGREW, 2001, p. 25)

21 No original: “in general ‘sovereignty’ characterizes powers and privileges resting on customary law and independent of the particular consent of another state”. [Tradução livre da autora]

22 No original: “sovereignty is also used to describe the legal competence which states have in general, to refer to a particular function of this competence, or to provide a rationale for a particular aspect of the competence” [Tradução livre da autora]

Como característica marcante desses novos Estados destaca-se o poder regulador, cujos elementos definidores podem ser sintetizadas no seguinte rol: sistemas de governo unificado nos territórios demarcados; administração centralizada; mecanismos concentrados e mais eficientes de administração fiscal e distribuição dos recursos; novos tipos de formulação e imposição das leis, exércitos profissionais permanentes; capacidade bélica concentrada, a despeito da existência constante de relações diplomáticas formais e complexas entre Estados. (HELD; MCGREW, 2001, p. 26)

Ocorre que, se os Estados foram criados pelos seres humanos com o fim de protegê-los, para que possam exercer a sua liberdade, ilógico seria permitir-se ao Estado oprimi-los, porquanto é a total inversão de sua real finalidade. Os Estados têm obrigação de salvaguardar a integridade dos indivíduos contra qualquer forma de violência, protegendo e promovendo os direitos humanos com base no princípio da humanidade. (CANÇADO TRINDADE; CANÇADO TRINDADE, 2016, p. 110)

Assim, no momento em que verificada a ineficiência deste Estado para a consecução de seu escopo primordial, deve ele mesmo criar mecanismos visando à solução dessas questões e à manutenção dos interesses dos indivíduos que representa – cujo bem-estar configura o seu fim último –, mesmo que isso signifique abrir mão da exclusividade em determinados assuntos, para, unindo-se a outras entidades ou dando voz aos próprios cidadãos, manter a paz e a liberdade em seu território.

As ideias de soberania e de exclusividade de atuação em âmbito internacional perduraram até o século XX, quando, então, em suas últimas décadas, o reconhecimento de novos atores fez com que os Estados deixassem de estar solitários no contexto internacional:

O vínculo exclusivo entre o território e o poder político rompeu-se. A era contemporânea tem assistido a um espraiamento das camadas de gestão governamental dentro e através das fronteiras políticas. Novas instituições internacionais e transnacionais têm vinculado Estados soberanos e transformado a soberania num exercício compartilhado do poder. Desenvolveu-se um conjunto de leis regionais e internacionais que sustenta um sistema emergente de governança global, tanto formal quanto informal. (HELD; MCGREW, 2001, p. 31)

Além das consequências já enumeradas e sobre as quais se discorreu acima, a globalização produziu um abalo na autoridade suprema do poder público sobre o

seu território, poder esse que advém do povo e que define o que se conhece por soberania.

O que define a sociedade é a interdependência dos diversos setores da atividade coletiva em uma mesma unidade territorial. Porém, com a mundialização da economia, vê-se o declínio do Estado nacional e, consequentemente, a desregulamentação cada vez mais maciça da economia. Nas palavras de Tércio Ferraz Junior:

[...] Com isso, a globalização é vista como um fenômeno em que o mundo passa a ser visto como uma comunidade de informação. É nessa comunidade que as estruturas de exclusão/inclusão se organizam, ao mesmo tempo que dão ao desenvolvimento um sentido funcional de participação. E, reciprocamente, nas comunidades regionais, as estruturas funcionais ganham significado, dando ao desenvolvimento um sentido de participação segmentária e desequilibrada. (FERRAZ JUNIOR, 2003, p. 286)

O poder dos governos nacionais acaba sendo sobrepujado pelas soluções advindas de relações transnacionais e transgovernamentais; decisões geopolíticas e de grande peso econômico são alcançadas através de mecanismos e atores que compõem uma política global, afetando não apenas os seus participantes, como também o mundo todo. (DUPAS, 2005, p. 229)

A cooperação internacional e a coordenação de políticas nacionais tornaram- se indispensáveis para lidar com questões globais recorrentes, que afetam diretamente os Estados e os indivíduos das comunidades que o compõem. As preocupações da política regional e global ultrapassaram a mera preocupação com a geopolítica tradicional, principalmente em razão do surgimento de questões como os fluxos de capitais, o tráfico de drogas e de pessoas, a atividade de pedofilia, o terrorismo, a imigração ilegal, as questões climáticas. Trata-se de ações e fatos que desconhecem barreiras e fronteiras, cujas soluções necessitam de medidas políticas globais destinadas ao seu controle efetivo. (HELD; MCGREW, 2001, p. 33)

Assim, o pós-segunda guerra, juntamente com o fenômeno da globalização, na segunda metade do século XX, colocaram em crise o modelo westfaliano e deslegitimaram a estrutura do Estado-providência.

Hobsbawm elucida o processo de declínio do Estado-nação asseverando que:

Quando a economia transnacional estabeleceu o seu domínio sobre o mundo, solapou uma grande instituição, até 1945 praticamente universal: o Estado-

nação territorial, pois um Estado assim já não poderia controlar mais que uma parte cada vez menor dos seus assuntos. Organizações cujo campo de ação era efetivamente limitado pelas fronteiras de seu território, como sindicatos, parlamentos e sistemas públicos de rádio e televisão nacionais, saíram portanto perdendo, enquanto organizações não limitadas desse jeito, como empresas transnacionais, o mercado de moeda internacional e os meios de comunicação da era do satélite, saíram ganhando. O desaparecimento das superpotências, que podiam de qualquer modo controlar os Estados- satélites, iria reforçar essa tendência. Mesmo a mais insubstituível função que os Estados-nações haviam desenvolvido durante o século, a de redistribuir sua renda entre suas populações através das ´tendências sociais´ dos serviços de previdência, educação e saúde, e outras alocações de fundos, não mais podia ser territorialmente auto-suficiente em teoria, embora a maior parte tivesse de continuar sendo na prática, a não ser onde entidades supranacionais como a Comunidade ou União Européia a complementasse em alguns aspectos. Durante o auge dos teólogos do livre mercado, o Estado foi solapado mais ainda pela tendência de desmontar as atividades então exercidas, em princípio, por órgãos públicos deixando-as entregues ao “mercado”. (HOBSBAWM, 2016, p. 413-414)

Isso não significa, obviamente, o abandono total da ideia de Estado e o esvaziamento amplo e irrestrito de suas funções.

Bobbio (2000, p. 134) explica que o Estado pode renunciar a alguns de seus poderes, tal como ocorreu quando de sua separação da Igreja, momento em que renunciou ao monopólio do seu poder ideológico; bem como ao ter sua liberdade de empreendimento econômico restringida com a formação do Estado liberal do laissez- faire, quanto então renunciou ao monopólio do seu poder econômico, para citar dois exemplos. Todavia, o mestre italiano alerta que o Estado não poderá jamais renunciar ao monopólio da força; se o fizer, descaracterizar-se-ia, deixando de ser Estado.

Segundo Weber, com o escopo de regrar a sociedade, o Estado moderno manteve para si o monopólio da legitimidade da “coação física”:

Hoje, o Estado é aquela comunidade humana que, dentro de determinado território — este, o ‘território’, faz parte da qualidade característica —, reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima, pois o específico da atualidade é que a todas as demais associações ou pessoas individuais somente se atribui o direito de exercer coação física na medida em que o Estado permita. Este é considerado a única fonte do “direito” de exercer coação. (WEBER, 2004, p. 526)

Ao tentar conceituar, sociologicamente, os agrupamentos políticos que hoje chamamos de Estados, Weber (1968, p. 56) explica que estes não se deixam definir a não ser pelo específico meio que lhes é peculiar: o uso da coação física. Alerta que, sem qualquer dúvida, a violência não é o seu único instrumento, mas é o seu

instrumento específico, o que o caracteriza: “o Estado se transforma, portanto, na única fonte do direito à violência”.

Com isso, conforme será posteriormente aprofundado, as novas entidades internacionais não-estatais vêm praticando o que se denomina de low politics, em oposição a high politics, exclusiva do Estado, que diz respeito à segurança nacional, à defesa do território, aos tratados de livre comércio, à celebração de alianças etc., ou seja, são definidas como alta política ou política de primeiro nível. A baixa política, ou política de segundo nível, que estaria sendo praticada pelos novos atores globais, abrangeria temas não ligados a interesses estratégicos da nação, como a proteção do meio ambiente, o turismo, os direitos humanos, as desigualdades sociais etc. Esta é considerada uma parte da agenda mais democrática e com maior capacidade de formação de regimes internacionais.

Não obstante a divisão exposta linhas acima, percebe-se que, paradoxalmente, a globalização vem revertendo inclusive essa lógica da segurança nacional como assunto exclusivo do Estado-nação. Isso porque a violência passou a ser global, multilateral, exigindo uma contrapartida conjunta de todos os entes envolvidos e atingidos:

Pela primeira vez na história, aquilo que mais contribuiu para dar foco e objetivo aos modernos Estados-nação, e que sempre esteve em no cerne da existência do Estado, só pode realizar-se eficazmente se as nações se reunirem e juntarem recursos, tecnologia, informações, poder e autoridade. (HELD; MCGREW, 2001, p. 34)

Nesse contexto, muitas questões enfrentadas tradicionalmente pelos Estados, de forma exclusiva, direta e eficaz, não podem mais ser atendidas sem a institucionalização de formas multilaterais de colaboração (defesa, administração econômica, saúde e segurança são alguns exemplos citados pelos autores supramencionados) (HELD; MCGREW, 2001, p. 35). O nacionalismo, em que pese ter sido essencial para a consolidação e para o desenvolvimento do Estado moderno, passou a destoar de um mundo em que as forças econômicas, sociais e políticas escapam à jurisdição do Estado-nação. (HELD; MCGREW, 2001, p. 43)

Fato é que a economia, desde o início do século XXI, transformou-se, passando a não mais fazer sentido estudar a economia nacional sem ter os olhos na economia global. A economia foi, definitiva e cabalmente, globalizada. Em contrapartida, a política permanece territorial, mantendo as suas características nacionais e definindo-

se de forma distanciada da política global (DUPAS, 2005, p. 168), embora sendo por esta esmagada.

Nesse novo jogo de poder global, o Estado, em seus moldes tradicionais, vem, paulatinamente, perdendo substância, isolando-se politicamente. Os “novos príncipes” desse novo mundo seriam os grandes grupos metaglobais; os “pequenos guerreiros”, as ONGs internacionais (DUPAS, 2005, p. 221), grupo no qual poder-se- iam incluir os movimentos sociais, os grupos terroristas, os partidos políticos, os regimes internacionais, os organismos multilaterais, as redes de advocacy, os governos locais, a sociedade civil, a opinião pública internacional... Tudo para suprir o Estado apagado e desorientado nesse novo mundo para o qual não foi criado e pensado.

Consoante Boaventura de Sousa Santos, esse enfraquecimento da soberania estatal não foi substituído por qualquer esfera transnacional que conseguisse suprir os problemas globais de forma eficaz:

A perda da centralidade institucional e de eficácia reguladora dos Estados nacionais, por todos reconhecida, é hoje um dos obstáculos mais resistentes à busca de soluções globais. É que a erosão do poder dos Estados nacionais não foi compensada pelo aumento de poder de qualquer instância transnacional com capacidade, vocação e cultura institucional voltadas para a resolução solidária dos problemas globais. De fato, o caráter dilemático da atuação reside precisamente no fato da perda de eficácia dos Estados nacionais se manifestar antes nas incapacidades destes para construírem instituições internacionais que colmatem e compensem essa perda de eficácia. (SANTOS, B., 2003a, p. 300)

Tratando dessa grande mudança histórica da trajetória da humanidade no último século, Bedin (2001b, p. 331) destaca as consequências do fenômeno da globalização no mundo, caracterizada “por uma maior interdependência global, em que o centro da articulação da sociedade internacional desloca-se, em boa parte, dos Estados modernos para novos atores das relações internacionais, e passa a se constituir a partir de novos canais de comunicação e de novas referências significativas, não mais nacionais e sim mundiais”.

O que ocorre, hoje, é uma reivindicação de descentralização de competências políticas do ente central para os entes periféricos, ou seja, as próprias fontes do Direito já não emanam mais de apenas um órgão estatal, pois outros atores, públicos e privados, passaram a realizar atos de natureza pública, nacional e internacional, em um processo que se pode denominar de “descentralização das fontes” (GONTIJO,

2009, p. 4693). O próprio processo de decisão do Estado passa a ser globalizado, exigindo a cooperação deste com outras instituições e organizações, públicas e privadas.

“A descentralização das fontes se origina na atribuição progressiva de competências e de capacidades dos Estados às organizações internacionais e supranacionais, permitindo inspirar, produzir, implantar e controlar o direito” (VARELLA, 2005, p. 136). E não apenas isso; conforme já sustentado, a descentralização é feita “de cima pra baixo” também, ou seja, do ente central estatal para as unidades subnacionais, as pessoas, as empresas etc. Novos atores na seara internacional exsurgem continuamente, ocorrendo uma expansão das fontes do Direito, tendo em vista que esses agentes, ao atuarem internacionalmente, criam situações jurídicas novas e contribuem para a ampliação das fontes do Direito: “na medida em que os assuntos tratados anteriormente pelo direito nacional estão sendo resolvidos pelo direito internacional, o que indica a criação de novas fontes de Direito a partir da movimentação dos atores”. (GONTIJO, 2009, p. 4693-4694)

Devido à proliferação das fontes, portanto, o monopólio do Estado é contestado, desaparecendo como figura central e passando a ocorrer a privatização da sua esfera pública. O “Estado-Nação”, expressão da soberania de uma comunidade composta por interesses convergentes, é ameaçado pela internacionalização do Direito: “O Estado já não é apenas o único comandante a bordo”. (GONTIJO, 2009, p. 4696)

Em suma, acresceu-se uma crescente complexidade à sociedade internacional, além de uma polaridade incerta nas suas relações e uma acentuada tendência à integração e à cooperação entre os participantes do cenário global. Isso decorre do fato de que “o surgimento de novos atores multiplica as possibilidades de relações no interior da sociedade internacional e diversifica os polos políticos de referência da sociedade internacional, não se restringindo mais apenas aos Estados e muito menos apenas a relações entre grandes potências” (BEDIN, 2001b, p. 332). Continua o autor:

[...] o importante é perceber que houve, com a configuração do fenômeno da globalização do mundo, uma fragilização do Estado moderno, de sua soberania, o que retirou de seu governo a capacidade de controlar e regular seus próprios assuntos domésticos de maneira absoluta, e fortaleceu os fluxos transnacionais que atravessam com facilidade as suas fronteiras e se articulam a partir de outros lugares: lugares globalizados, conectados

mundialmente e profundamente inter-relacionados com outros acontecimentos e outros centro de poder. (BEDIN, 2001b, p. 349-350)

É praticamente impossível que haja, hoje, lugar qualquer neste Planeta completamente isolado político, econômico, cultural ou socialmente; se há, raros exemplos são, e trata-se de comunidades fisicamente distantes de quaisquer outras e sem qualquer vínculo com a nação da qual se supõem fazerem parte, tais como, exemplificativamente, comunidades silvícolas remotas, que se isolam voluntariamente para manter seu estilo de vida e sua cultura.23

Não obstante, o cidadão, “embora virtualmente global, sente-se cada vez mais isolado pela ausência de uma identidade coletiva perdida com o fim das utopias. A ideia de o indivíduo formar parte de um todo esvaiu-se junto com as noções de crença, missão e nação”. (DUPAS, 2005, p. 219)

Estando todos interligados, faz-se necessária uma alteração de paradigma, transpondo-se a ideia ultrapassada de que todas as questões ou envolvem relações entre os Estados, ou envolvem questões internas de cada Estado. Tal bipartição resumida em interestatal/intraestatal acaba por não incorporar toda a gama de novas possibilidades trazidas pela globalização, que fez surgir no planeta novos atores globais, novas possibilidades, novas dimensões e novas formas de se relacionar e