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2 AUTONOMIA DAS VONTADES

No documento PRÁTICA PROCESSUAL NOS TRIBUNAIS SUPERIORES (páginas 103-106)

Previamente ao ingresso no assunto principal, é necessário adentrar o princípio da autonomia das vontades, princípio que irá protagonizar o argumento de validação da utilização de um método alternativo de solução de conflitos ainda não positivado e regulamentado, pela legislação brasileira, no âmbito federal.

O princípio da autonomia das vontades é um princípio contratual que estabelece que ao ser manifestada, a vontade teria o condão de concretizar o contrato, estabelecendo um vínculo obrigacional entre as partes.

O princípio basicamente consiste na liberdade que é concedida às partes contratantes que podem criar ou extinguir relações jurídicas de acordo com suas necessidades ou intenções, obedecendo todas limitações impostas em lei. De acordo com Maria Helena Diniz “O principio da autonomia da vontade se funda na liberdade contratual dos contratantes, consistindo no poder de estipular livremente, como melhor convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses,

suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica.”2 e Sílvio Rodrigues afirma que “O Princípio da Autonomia da Vontade consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que se submetam as regras impostas pela lei e que seus fins coincidam como o interesse geral, ou não o contradigam.”3

Nessa linha, resta claro a caráter multifacetado do princípio, no sentido de abordar a liberdade de contratar e não contratar, tal como quem contratar, como será a criação do contrato e o que irá compor as cláusulas contratuais, sempre obedecendo o disposto em lei. De acordo com STRENGER: “a autonomia da vontade como princípio deve ser sustentada não só como um elemento da liberdade em geral, mas como suporte também da liberdade jurídica, que é esse poder insuprimível no homem de criar por um ato de vontade uma situação jurídica, desde que esse ato tenha objeto lícito “.4

A ideia de que os contratos se tornam lei entre as partes vem do século XIX, em que os contratos possuiam a concepção de ampla liberdade de contratar e total submissão aos seus termos. Uma evolução dessa perspectiva foi a inserção da ideia da desiguaçdade nos contratos individuais. A ideia de desigualdade entra em embate com algumas vertentes basilares da sociedade atual, sendo possivel atualmente a intervenção em contratos que se tornem abusivos, de alguma maneira, com alguma das partes. O sentido de que o contrato faz lei entre as partes foi mitigado, a ideia de que as disposições são absolutas não mais tem espaço no universo jurídico atual, ao passo que o desrespeito e quebras contratuais também não são permitidos, a lei disporá em seu conteúdo as permições e limitações contratuais válidas, levando em contra o contexto ao tempo da análise.

O artigo 421 do Código Civil exprime bem essa ideia, “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.”.

2 (DINIZ, Maria Helena. Curdo de direito civil brasileiro. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. São Paulo: Saraiva, 2008, p.23).

3 (RODRIGUES, Silvio. Dos Contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2007, p.15).

4 (STRENGER, Irineu. Da autonomia da vontade: direito interno e internacional. São Paulo: LTr, 2000, p. 66.)

Objetivando sanar situações de grandes desigualdades, o legislador criou a norma constante no artigo 421 do CC para combater excessos de individualismos de modo a impedir abusividade no contexto contratual, defendendo, nesse sentido, até mesmo terceiros afetados por um contrato.

Sendo assim, pode-se dizer que o princípio da autonomia da vontade parte do pressuposto de que os contratantes se encontram em igualdade, logo, são livres para aceitar ou rejeitar as cláusulas ou termos de um contrato. Ocorre que, está máxima nem sempre é verdadeira, ao passo que uma das partes não pode fugir da necessidade de contratar, ocorrendo que a outra parte acaba levando uma vantagem sobre essa situação, podendo delimitar as regras do contrato.

Com o surgimento da questão da função social do contrato, a autonomia da vontade passou a ser limitada pela intervenção estatal e pelas novas normas de ordem pública. Sempre que a autonomia esteja em confronto direto com o interesse social, o Estado deve intervir, pois não se pode deixar de atender ao bem comum e aos fins sociais em detrimento de um acordo entre individuos, podendo incorrer em uma ameaça à própria estrutura da sociedade.

É necessário lembrar, contudo, que o princípio da autonomia de vontade não restou extinto pelo direito moderno, sendo de basilar aplicação no regime jurídico brasileiro. Entretanto, como já relatado, seu exercício será limitado ao disposto nas normas de ordem pública e aos princípios sociais do contrato.

O princípio da autonomia de vontade, portanto, não pode ser simplesmente desconsiderado, pois o contrato ainda existe para que as pessoas possam satisfazer os seus próprios interesses, devendo ser mantido o poder conferido aos contratantes, podendo os mesmo procurar atender as suas necessidades observando as limitações constantes na letra da lei. Ainda, mantem-se sendo imprescindível a observação das regras livremente estabelecidas pelas partes no contrato, sob pena de se instaurar a insegurança nas relações jurídicas.

Não obstante, o princípio da autonomia da vontade deverá suportar mitigações, e não mais ser percebido com um caráter absoluto.

Assim, pode-se definir que o princípio da autonomia de vontades consiste na prerrogativa que os indivíduos detêm de criarem relações jurídicas livremente, desde que observem se as suas pretensões estão de acordo com as regras legais previamente estabelecidas e que o objetivo do contrato não colida com o interesse coletivo.

No documento PRÁTICA PROCESSUAL NOS TRIBUNAIS SUPERIORES (páginas 103-106)