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2. Análise em sede comparada da descentralização, (recentralização, redescentração) e

2.1 Autonomia das Escolas na Europa 39

O estudo teve por objectivo a análise comparativa da forma como a autonomia das escolas está a ser posta em prática, conhecer os processos que conduziram à transferência para as escolas dos poderes de decisão e, da forma como as escolas prestam contas das suas responsabilidades perante as instâncias superiores de educação. O estudo abrangeu 30 países da rede Eurydice, reporta-se aos anos de 2006 e 2007, e incidiu sobre as escolas do sector público da educação, excepcionando a Bélgica, Irlanda e Países Baixos, na medida em que, nestes países, as escolas do sector privado são beneficiárias de fundos públicos, e nos Países Baixos consagra-se a igualdade de tratamento e financiamento no ensino público e privado.

Neste estudo, o conceito de “autonomia das escolas” refere-se aos vários e diferentes aspectos da gestão escolar, com especial destaque o do financiamento e na gestão de recursos humanos. O conceito de “escola” foi entendido como correspondendo a

um estabelecimento de ensino com uma identidade e uma gestão próprias, normalmente num local único (Eurydice, a Rede de Informação sobre Educação na Europa, 2007, p.5).

Reportando-nos ao estudo realizado, nele é afirmado que existem diversos graus de autonomia no domínio dos poderes de gestão. Assim, foram consideradas totalmente autónomas ou escolas detentoras de alto grau de autonomia, as que dispõem de total responsabilidade pelas suas decisões, embora limitadas pelo quadro da lei geral respeitante à educação, bem como à legislação em geral. As escolas parcialmente autónomas são as que tomam decisões dentro de um conjunto de opções pré-determinadas ou que tenham de submeter as suas decisões à autoridade educativa que as tutela. Em alguns países, os poderes de decisão são detidos pelas autoridades educativas locais que têm a prerrogativa de os delegar ou não na escola.

Actualmente, é aceite em quase toda a Europa o princípio de que as escolas devem ser autónomas em pelo menos algumas áreas da sua gestão.

O “movimento” ou a aspiração a, ou, por escolas mais autónomas teve o seu início na década de 80 do século XX e ocorre até aos dias de hoje, tendo por base diferentes teorias a impulsioná-la, com os argumentos, quer da necessidade de uma participação mais democrática, quer de uma gestão pública mais eficiente e, por último, com a preocupação na melhoria da qualidade de ensino. Estas pretensões teriam como resultado a atribuição e dotação de mais responsabilidades e poderes de decisão às escolas. É pacífica a aceitação de que este processo foi imposto do topo para a base, através da criação de um corpo de leis elaboradas pelos órgãos de soberania. Na maioria dos países foram os governos centrais que atribuíram novas responsabilidades às escolas, de modo que, não foram as escolas a “força motriz” do processo, nem participaram na elaboração da legislação, tendo o seu papel ficado confinado à tradicional função consultiva quando se tem em vista reformas educativas.

Na Europa a autonomia das escolas não faz parte da tradição, nem dos países de governo centralizado, nem de países de governo federal. Na década de 80 só alguns países encetaram este tipo de gestão escolar que proliferou na década de 90, assistindo-se nos dias de hoje, nos países pioneiros, a um aumento do volume de responsabilidades detidas pelas escolas.

Os modelos tradicionais de organização de educação na Europa são bastante diversificados. A Alemanha tem um sistema federal e países como a Espanha, a França e Itália, são apontados como sistemas centralizados. A Bélgica e os Países Baixos são países com grande tradição em sede de autonomia das escolas, que se desenvolveu enquanto reflexo da liberdade de ensino e foi legitimada por considerações de ordem religiosa e filosófica. Em Espanha a Lei Orgânica do Direito à Educação estabeleceu os fundamentos da autonomia das escolas em 1985. A França, no âmbito de um programa de descentralização, aprovou um regulamento em 1985 que estabeleceu o teor de uma autonomia sob uma forma restrita. Também a Inglaterra e o País de Gales, na sequência da aprovação, em 1988, da Lei da Reforma Educativa, registaram um aumento da autonomia das escolas através da transferência de responsabilidade para a escola na gestão de recursos financeiros e humanos que, até aí, pertenciam às autoridades locais.

Nos anos 80 as reformas em matéria de autonomia das escolas estavam associadas com a questão da participação democrática, e realçavam a necessidade de as escolas se abrirem mais às respectivas comunidades locais.

Na década de 90 assistiu-se a um incremento da política de autonomia das escolas. Nos países nórdicos adoptaram um sistema onde associaram a descentralização política à autonomia das escolas. A Itália adoptou uma política de autonomia das escolas no ano de 1997. No caso da Alemanha, só na primeira década do séc. XXI, em 2004, é que levaram a cabo algumas experiências de autonomia das escolas em vários Länder. Iniciaram o processo de autonomia das escolas, em 2003, a Lituânia, em 2004, o Luxemburgo, e em 2006, a Roménia.

Tornou-se imperativo, nesta altura, proceder a um estudo aprofundado do conceito de autonomia das escolas, que levou a que se estabelecesse uma distinção clara entre autonomia das escolas, enquanto governação, e autonomia das escolas, enquanto gestão. Também teve lugar um debate acerca dos órgãos de gestão envolvidos nestas novas liberdades atribuídas às escolas, no sentido de saber se deviam ser vistos como agentes de governação, abertos à representação dos encarregados de educação e da comunidade, ou como agentes de gestão, acolhendo apenas participantes ligados à vida interna da escola. Questionou-se igualmente a predominância dos professores no processo de decisão, bem como os poderes que lhes eram concedidos.

A concessão de novas liberdades aos participantes locais continuou a ser, nos anos 90, uma questão em aberto, à qual se veio juntar a preocupação da gestão eficiente dos fundos públicos. As reformas relativas à autonomia das escolas passaram a estar fortemente ligadas a um movimento em duas direcções, a saber, a descentralização política e a aplicação da agenda da “Nova Gestão Pública”. A Nova Gestão Pública tem por objectivo aplicar os princípios do sector privado à gestão dos serviços públicos, tendo por referencial cinco “máximas”. A primeira, consiste em colocar o cliente/utente no centro das actividades do Estado, com a intenção de alterar gradualmente a mentalidade do sector público. A segunda, consiste em descentralizar as responsabilidades até ao nível mais próximo do campo de acção. A terceira, consiste em tornar os funcionários públicos responsáveis perante a comunidade. A quarta, consiste em aumentar a qualidade dos serviços e a eficiência dos organismos públicos. A quinta, pretende substituir os tradicionais procedimentos de controlo pela avaliação por resultados (Hood, 2001).

Deste modo, a descentralização das responsabilidades para as comunidades locais e a autonomia das escolas interligam-se para aumentar a eficiência da gestão das escolas, dando-se como certo que as decisões tomadas ao nível mais próximo do campo de acção garantem uma melhor utilização dos recursos públicos. Foi com base nesta teoria que se impulsionaram as reformas adoptadas na República Checa, Polónia, Eslováquia e nos Estados Bálticos. Nos países nórdicos, a autonomia das escolas esteve também ligada ao processo de descentralização política, que converteu as autarquias locais em actores importantes da gestão escolar. “A autonomia das escolas inscreve-se, amiúde, no mesmo quadro legislativo da descentralização política – como duas caixas sobrepostas –, visto que as autarquias locais contempladas com novas responsabilidades podem, por sua vez, delegar novas obrigações nas escolas que tutelam” (Eurydice, a Rede de Informação sobre Educação na Europa, 2007, p.9).

A visão da autonomia das escolas pouco evoluiu na década actual, pois a transferência de novas responsabilidades para as escolas deixou de estar integrada num processo global de reforma estrutural política e administrativa. Na maior parte dos países, a autonomia das escolas é agora amplamente encarada como uma ferramenta a utilizar para melhorar a qualidade do ensino. Quer se trate de um país que esteja a relançar um processo já iniciado nas últimas décadas, como a Bulgária, a República Checa ou Portugal, quer de um país que esteja a dar os primeiros passos no sentido da autonomia das escolas, como a Alemanha, o Luxemburgo ou a Roménia, a questão centra-se agora numa análise atenta

das responsabilidades a transferir. É dada uma maior atenção à autonomia pedagógica, que parece estar mais estreitamente ligada à melhoria dos resultados escolares.

Este interesse renovado na autonomia das escolas caracteriza-se por um maior número de experiências, destinadas a estudar a forma como as escolas estão a fazer uso dos seus novos poderes e a melhor compreender os efeitos da autonomia das escolas. Nas décadas anteriores, à excepção de alguns países nórdicos e de outras experiências muito limitadas, a autonomia das escolas foi aplicada sem qualquer período de transição ou experimentação. Contudo, na corrente década, assistiu-se a uma abordagem experimental mais pragmática. Por exemplo, desde 2004, a maioria dos Länder alemães têm vindo a realizar experiências que são analisadas de perto com vista à compreensão dos processos em curso. De igual modo, na República Checa e no Luxemburgo a partir de 2004. Em Portugal, a nova política contratual foi testada em 24 escolas escolhidas de entre um conjunto de escolas voluntárias que tinham realizado auto-avaliações.

A autonomia está a ser desenvolvida gradualmente, em áreas que vão do ensino, currículo, aos recursos humanos, serviços sociais e gestão patrimonial e financeira.

O século XXI parece ter desencadeado uma segunda vaga de reformas no sentido da autonomia das escolas. Em Espanha, em 2006, a nova Lei Orgânica do Direito à Educação reforçou o princípio da autonomia das escolas nas áreas do planeamento, da gestão e da organização, em que as escolas passaram a ser responsáveis pela elaboração e execução de planos de ensino e de gestão, sob a supervisão das respectivas autoridades educativas. Em 2006, também a Letónia aprovou novas leis que pretendem limitar o controlo externo das escolas. No âmbito da sua mudança no sentido da descentralização política, a Eslovénia intensificou também, desde 2001, a transferência de responsabilidades para as escolas. O novo Governo francês, em 2007, está também a ponderar o alargamento da autonomia das escolas, de forma a reforçar as medidas tomadas nos anos 80.

2.2 Autonomia das escolas: uma política do topo para a base imposta às