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A opção pelo modo centralizado ou descentralizado é sobretudo o reflexo do modelo político existente na sociedade (Formosinho, 1986; citado por Formosinho e Machado, 2000b, p. 45):

“A descentralização, antes de ser um problema técnico, é um problema político e é para o terreno político que remetem as suas vantagens, como a participação substantiva dos cidadãos na vida local, para além da maior celeridade de processos devida à aproximação dos órgãos decisores do local onde surgem os problemas, à semelhança da desconcentração, mas, contrariamente a esta, de uma forma definitiva, já que ao estado compete apenas a fiscalização da legalidade dos actos dos órgãos locais.”

Sarmento (1999), em nota de apresentação refere que a descentralização e a autonomia “têm estado na ordem do dia das políticas educativas, não apenas em Portugal, mas também num considerável número de países”. Para a compreensão deste movimento é importante proceder a uma análise comparativa para apreender quais as lógicas políticas que lhe subjazem, já que este movimento consiste “num complexo e multivariado processo de reconstituição da escola pública” (Ibidem) nos dias de hoje. Para Sarmento, as políticas 52

autonómicas surgiram no seio de um quadro de orientações neoliberais de política educativa, que procuraram retirar à educação escolar o seu sentido cívico originário, com recurso à privatização de segmentos do sistema educativo e de inculcação da lógica de mercado no interior da escola pública”(Ibidem). Refere, ainda (Ibidem) que isto surgiu, sobretudo, nos países anglo-saxónicos.

Considera, o que atrás referiu, como o aspecto mais determinante e decisivo na “génese e na configuração do processo político “descentralizador” e “autonomizador” (Ibidem), acrescentando-lhe factores simbólicos, ideológicos, bem como a apropriação que os actores educativos, nas escolas e instituições de educação e de ensino, fazem das políticas educativas.

Weiler (1999), a propósito das dinâmicas políticas em torno do debate sobre descentralização da gestão dos sistemas educativos, relaciona-os com o contexto histórico do exercício do poder por parte do Estado, considerando o controlo, o conflito e a legitimidade como categorias conceptuais-chave. Para este autor o Estado, no exercício do poder, tem um duplo interesse, por um lado pretende “manter o controlo, assegurando a sua efectividade” (p. 95), por outro e ao mesmo tempo “melhora e sustenta a base normativa da sua autoridade (legitimidade)” (Ibidem). Ora, parece existir uma contradição e conflito entre estes dois interesses, já que “muitas das estratégias eficazes para manter o controlo tendem a ir em detrimento da legitimidade do Estado; e medidas para melhorar a legitimidade deste último tendem a ser usadas a expensas da manutenção do controlo” (Ibidem). É assim que, segundo Weiler, se o interesse do Estado, na convicção de manter um controlo efectivo sobre as políticas, se realiza melhor fazendo uso de formas centralistas de governo, a descentralização deverá utilizar, como duplo atractivo, os mecanismos de se apresentar como instrumento de gestão para resolver conflitos e, também, como uma forma de “legitimação compensatória” (Ibidem).

Para Barroso (1999, p.132) “desde os finais da década de 80 que se tem assistido em vários países a uma alteração significativa do papel do estado nos processos de decisão política e de administração da educação”. Segundo este autor, essa alteração parece ir no sentido de transferir poderes e funções do nível nacional e regional para o nível local e, neste, a escola poder ser reconhecida como um lugar central e privilegiado de gestão, em que a comunidade local, sobretudo os pais dos alunos, seriam parceiros na tomada de decisões. Reconhece, que esta alteração afecta países que têm diferentes sistemas políticos

e administrativos mas que, a despeito dessa diversidade de sistemas políticos e administrativos, têm “no reforço da autonomia da escola uma das expressões mais significativa” (Ibidem).

Da análise das medidas tomadas em diversos países tendentes “à transformação do processo de administração da educação” (Ibidem), considera como principais tendências neste movimento os seguintes aspectos:

A gestão local da educação e o reforço da autonomia das escolas surgem normalmente integrados em processos mais vastos de reforma da administração pública. Justifica o autor que essas reformas se inscrevem num cenário de crise económica geral que se repercutiu nas finanças públicas, por um lado, e devido a “uma perda de confiança na legitimidade e na capacidade do Estado gerir os bens e os serviços públicos” (Idem, Ibidem, pp.135-136), por outro. Estas medidas são justificadas, por quem as toma, com o argumento da necessidade de reduzir a despesa pública, “melhorar a qualidade dos serviços prestados e aproximar a tomada de decisão do utilizador desses serviços” (Ibidem, p. 136). Prossegue o mesmo autor afirmando que, apesar da tendência comum de reforma da administração pública, “as políticas de gestão local da educação e de reforço da autonomia das escolas divergem em muitos aspectos, de acordo com o contexto político em que surgem e com a situação de onde partem” (Ibidem). É assim que identifica o que apelida de políticas de “autonomia dura”, e políticas de “autonomia mole”. As primeiras, são promovidas por governos conservadores, com intuito ou objectivo expresso de introduzir a lógica do mercado na organização e funcionamento da escola pública. (Ibidem). As segundas, isto é, as políticas de “autonomia mole”, são tomadas sectorialmente e estão estritamente limitadas ao que é absolutamente necessário para “aliviar a pressão sobre o Estado, preservando o seu poder, organização e controlo” (Ibidem). Considera ainda que entre estas duas políticas existem outras que tentam “conciliar o papel tradicional do Estado, com algumas das vantagens do funcionamento do mercado” (Ibidem). Adianta, também, que os processos tradicionais de distribuição de competências na administração pública foram alterados com o reforço da autonomia das escolas na medida em que introduziu “um terceiro elemento na partilha do poder” (Ibidem). Para Barroso (1999) assiste-se “nos países inicialmente descentralizados”, a dois movimentos simultâneos, de recentralização e de redescentralização. No primeiro, o poder das autoridades locais, a nível do currículo, financiamento e controlo, é-lhe retirado e é transferido para o Centro, ao passo que no segundo, redescentração, transfere-se, das autoridades locais para os órgãos 54

de governo da escola, todo o poder de decisão sobre todos os aspectos que digam respeito à escola ao nível da sua gestão interna.

Pelo contrário, nos países inicialmente centralizados, verificam-se movimentos de “dupla centralização”, na medida em que tanto pode ser para as autarquias, e / ou para as escolas, podendo continuar a existir as estruturas desconcentradas ou estas deixarem, até, de existir. Em simultâneo as estruturas centrais passam por processos de reestruturação, que pode ir da diminuição de pessoal e de serviços e consequente reconversão ou em que são substituídos por “agências” centrais leves e desburocratizadas para definição de critérios e controlo.

Barroso (1999) escrevia que ainda era cedo para avaliar os resultados das políticas referidas anteriormente, devido à sua recente implementação e ainda pela falta de estudos e investigações baseadas em análises empíricas. No entanto, refere as situações mais estudadas, como sejam “as relacionadas com a política de “self managing school”, desenvolvida no Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia. (Ibidem, p. 136-137). Segundo este autor trata-se “de medidas tomadas num contexto político dominado pala corrente neo- liberal favorável à introdução de uma lógica de mercado na educação, o que não corresponde à situação existente em outros países, nomeadamente no continente europeu” (Ibidem, p.137). A título de exemplo refere, no entanto, algumas das principais conclusões obtidas num estudo sobre as escolas autónomas subvencionadas do Reino Unido, as “grant-maintained schools”, onde os princípios do “self-managing” foram levados ao extremo, segundo uma lógica de mercado (Ibidem). A pesquisa efectuada em 1992, nas primeiras 100 escolas que atingiram o estatuto de “grant-maintained schools”, deu conta da satisfação global no que concerne a vantagens financeiras, nomeadamente, por haver mais flexibilidade de gestão e ter gerado um aumento de recursos; independência em relação às autoridades escolares locais (LEA); reforço do papel do director” (Ibidem). Prossegue o autor, reportando-se a Busch, Coleman e Glover (1993), referindo que, noutras áreas os problemas são muitos e variados. Um desses problemas consiste no facto de haver órgãos na escola como o Conselho de Escola, cuja composição é dominada por uma minoria de pais ou outros administradores não docentes, que se perpetuam nos cargos e fazem com que haja pouca democraticidade. Outro dos problemas reside no modo de selecção dos alunos, baseando-se em entrevistas, relatórios, exames e ainda por critérios familiares, nomeadamente, ter irmãos a frequentar essa escola. Outro constrangimento verifica-se pela maior necessidade de intervenção do governo central chamado para corrigir os desvios,

resolver ou regular conflitos e impor padrões de resultados. Finalmente, o último problema levantado consiste no facto de o director da escola “fazer mais gestão que educação” (Ibidem).

Refere, ainda, Barroso que “nos países onde foi introduzida a competição e a livre escolha da escola pelas famílias dos alunos se chegou à conclusão que estas medidas vieram beneficiar, essencialmente, os alunos da classe média, na sua competição por credenciais profissionais”, o que evidencia a “polarização da educação” e a desigualdade de acesso em função de factores sociais, étnicos e económicos.

Face às opiniões aqui vertidas, impõe-se que procedamos ao estudo e análise conceptual de termos como a centralização, descentralização, desconcentração e autonomia, segundo alguns autores e investigadores.

Cumpre precisar os conceitos que ao longo deste trabalho vão ser utilizados com diferentes significados, dependendo do contexto/autores. Assim, a palavra educação pode ter o sentido de “instituição social, um sistema educativo”, em linguagem corrente pode significar “o de resultado de uma acção” e pode ainda referir-se “ao próprio processo que liga de uma maneira prevista ou imprevista dois ou mais seres humanos (…) em comunicação, em situação de troca e de modificações recíprocas” (Mialaret, 1980, p. 12). Consideramos ainda que a educação “é um projecto antropológico, enquanto contribui para a construção do homem na sua plenitude” (Carvalho, 1992, p. 201).

Por instituições vamos considerar “todas as formas de organização que exercem (…) funções educativas, com especial consideração para a família e o Estado, através da escola” (Carvalho, 2001, p. 83).

Por organização consideramos que:

“ é o arranjo de relações entre componentes, de onde resulta uma nova unidade com qualidades que não existiam nos seus elementos, e que pode ser de tipo funcional (quando o sistema é decomposto em subsistemas) ou de tipo hierárquico (quando o sistema é decomposto em níveis hierárquicos)” (Monteiro & Queirós, 2003, p. 179).

Cultura significa: “tudo o que, não sendo naturalmente inato, deve ser aprendida e adquirida (…) e é constituída pelo conjunto dos saberes, saber fazer,

regras, normas, crenças, ideias, valores, mitos que se transmitem de geração em geração” (Morin, 1999, p. 101)

3.2 Análise conceptual de centralização, descentralização, desconcentração,