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Avançando mais velozes por palcos em chamas

“Ao escrevermos, como evitar que escrevamos sobre aquilo que não sabemos ou que sabemos mal? É necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer. Só escrevemos na extremidade de nosso próprio saber, nesta ponta extrema que separa nosso saber e nossa ignorância e que transforma um no outro.” Gilles Deleuze No terreno da história da literatura, da arte e da cultura, a investigação da formação estética da modernidade sinaliza alguns procedimentos e diversas implicações historiográficas nos quais esbarram a produção literária e as criações plástico-visuais no contexto acadêmico multifacetado da contemporaneidade. Embora possa ser compreendida para além do prolongamento historicamente construído — o qual assinala os movimentos vanguardistas como demiúrgicos de uma ruptura e como prossecução orgânica da história da arte no interstício entre o século XIX e o XX —, as vanguardas adquiriram uma noção de experimentalismo transgressor dos limiares disciplinares da política, da arte e da cultura e, em releitura, circunscreveram-se reconhecidamente à postura de anti-academicismo. O que defendia Marinetti, por exemplo, no ponto nove do seu manifesto de proposição futurista, publicado em 1909, era a destruição de museus, bibliotecas e acadêmicas de toda espécie, com o intuito de combater o moralismo e todas as “utilitárias covardias”, demarcando seu lance artístico de radicalização transformadora. Anteriormente a isso, por outro lado, foi com a crise dos ideais renascentistas que se instauraram as academias, instituições aplicadas à formação do artista em detrimento das corporações informais e dos circuitos alternativos de arte comuns na Renascença Italiana. Na medida que foi ficando cada vez mais clara uma radical alteração de status do artista nesse contexto espaço-temporal, a saber, os artesãos e as associações não normativas formadas por artistas perdem prestígio diante daqueles que são considerados, a partir da instituição acadêmica, também como teóricos e intelectuais22.

Ao observamos hoje o grande contingente de Bienais de Arte, nacionais e internacionais – as quais parecem vir fundamentando suas propostas de experimentação artística na inespecificidade das formas – assistimos nesses espaços a um prolongamento da estratégia política que reivindica a academia (e a crítica produzida dela) como lugar de pensamento, afirmação e legitimação da obra, constituindo um circuito artístico onde as variadas formas de expressão tem garantida sua conservação. Entretanto, faço uma rápida interrupção, ou, aliás, um pequeno desvio para refletir acerca da ambivalência das famosas bienais de arte na contemporaneidade, o que talvez, de certo modo, se estenda ao aparelho universitário hoje. Os modos de mediação das obras parece atestar uma radical alteração no paradigma dos séculos XIX e XX — e também na virada para o século vigente — tendo em vista que a chamada “era das vanguardas” construiu-se a partir de uma estruturação dialética a qual, ao incluir radicais e díspares propostas inventivas sob égide de arte vanguardista, colocava-os também como diversidade conflitual. Tomando brevemente a história da arte como ponto de reflexão, o que quero apontar aqui, ao fim e ao cabo, na era do pós-tudo, são duas questões específicas: o primeiro é que embora o Manifesto do Futurismo — adaptável genericamente ao Expressionismo ou ao Dadaísmo — seja claro e específico em relação

a sua proposta antiacademicista, o Impressionismo, cujo marco inicial é anterior e se pontua em 1874 com a exposição pictórica no ateliê do fotógrafo Maurice Nadar, já se erguia a partir da concepção de um conjunto de uma geração de jovens artistas que convertiam o eixo da doutrina acadêmica, guinando para uma espécie de arte opositiva em tensão com as demais. Isso, para mim, alude, ainda que sutilmente, à atual relação entre a pesquisas artístico-inventivas com enfoque no processo criativo e no papel regulador da universidade ante essas propostas que instauram novas poéticas e plasticidades na contramão de uma cultura utilitarista e, sobretudo, mercadológica que funda as bases do capitalismo.

Seja como for, surge ainda, por parte da crítica, um contra-argumento o qual defende que, após toda energia modernista deslocada para executar uma descentralização da arte fora dos circuitos normativos e disciplinados, alguns pesquisadores e artistas contemporâneos realizam uma curva fechada de volta a esses lugares, ao buscar um terreno de criação na instância acadêmica ou, aliás, insistir politicamente na academia enquanto espaço de legitimação de projetos artísticos. Nesse movimento sinuoso, somado à ideia de trabalho não produtivo ao capital, o argumento atual contrário ao gesto artístico em forma de dissertações e de teses acadêmicas também se vale da ideia de que auferir o grau de mestre ou de doutor – às vezes com enfoque no próprio percurso de criação – seria um contrassenso, sobretudo diante da perspectiva de formalização de um conhecimento técnico e de qualificação docente, o que é, em teoria, aquilo que parte da universidade se propõe a produzir com as demandas da pós-graduação em áreas exatas. O risco dessa argumentação hegemônica pode ser o de aplainar a discussão em torno do papel e do potencial da universidade diante das demandas contemporâneas das políticas de arte, tensionando processos contínuos de expansão e redução da formação artística. Na esteira das provocações geradas a partir desse embate epistemológico, toda essa questão se intensifica ao tentar compreender o incômodo parcial — ou até mesmo seletivo — de alguns pesquisadores e professores diante da apresentação de trabalhos que utilizem total ou parcialmente da linguagem artística enquanto produto final acadêmico. Paradoxalmente, o domínio universitário, há bastante tempo, vem abrindo espaço para residências artísticas, com suas especificidades metodológicas e perspectivas de ação particulares, tornando o meandro acadêmico-disciplinar um espaço de formação, elaboração e disseminação de arte e pensamento crítico-artístico, um pensar-elaborar. Esses ambientes de residência são atualmente — de modo alusivo ao que as academias de arte europeias se propuseram a ser desde o século XVI — um território singular para fundamentar processos de criação, em deslocamento de circuitos, também como forma de produção específica, na qual as interfaces arte/vida e saber/criar assumem novos contornos na engrenagem acadêmica alicerçada em efeitos construídos a partir de experiências de atuação, troca, intercâmbio, agenciamento coletivo, projetos curatoriais, entre outras alternativas23. Gera-se, assim, uma sedução entre os projetos que estão inseridos nesse intensivo jogo criativo.

Embora tangencie parcialmente a argumentação aqui proposta, utilizo como rastilho crítico a discussão sobre as residências artísticas, uma vez que ela é combustível para pensar a questão da produção de arte dentro do ambiente acadêmico-universitário, tal qual uma carga explosiva. Como sintomático e alternativo no que concerne à noção de isolamento, estereótipo ainda comum ao artista, as residências artístico-literárias no 23 Cf. SPRICIGO, Vinicius Pontes. Relato de outra modernidade: contribuições para uma reflexão crítica sobre a mediação da arte no

contexto da globalização cultural. 2010. Tese (Doutorado em Ciência da Informação). Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo.

aparelho universitário assumem para si a responsabilidade de fundamentar e mediar a participativa forma de atuação, diálogo e intercâmbio entre artistas e pesquisadores, permitindo ativamentos da fruição epistemológica do artista-pesquisador. Nesse ínterim, na experiência coletiva de vida e produção — sejam nas residências para artistas, sejam nos programas de pós-graduação que acolhem pesquisas inventivo-literárias — geram-se potenciais relações de troca, o que reativa ainda mais a discussão proposta por Roland Barthes em “Como viver junto?”, na qual o crítico nos elucida acerca da vida em comum, dinâmica em que desejo e ritmo encontram solo fértil. Alimentando-se, como fez em seus variados seminários, de uma fantasia do desejo, ou a elaboração narrativa de uma vontade, o estudo de Barthes, embora enfoque na palavra em sua ação de capturar e exercitar em escrita o próprio desejo, permite o exercício intelectivo de distensão de suas proposições contidas no viver-junto para o campo expandido das artes. Para Barthes, viver junto não se trata de permanecer como uno, mas, de modo mais ampla, aposta na potência densa de estar-se sobre um mesmo conjunto de ritmos próprios, os agrupamentos idiorritimicos, nos quais conviver não se simplifica em fusão. Preservando individualidades e subjetividades singulares, viver junto é a produção de canais sensíveis e possíveis ao comunitarismo na conjunção de diferenças24. Cito como exemplo esse curso oferecido pelo filósofo no Collège

de France em 1977 porque ele fora escolhido pelo conselho curatorial da Fundação Bienal de São Paulo para nortear a 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, de curadoria de Lisette Lagnado, em parecia com o curador convidado Jochen Volz, e co-curadoria de Adriano Pedrosa, Cristina Freire, José Roca e Rosa Martinez25.

Do exercício crítico e artístico de viver junto e das reconfigurações da noção de comunidade, realizados na emblemática e aguda 27ª Bienal de São Paulo, consolidou-se a articulação entre a Fundação Bienal e a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), proporcionando a implantação efetiva da residência artística na fundação. Abrigando em suas dependências físicas, pela primeira vez, dez artistas-residentes selecionados durante a Bienal de 2006, o projeto de residência da FAAP objetivou, nesse ano, ações que, em consonância com a perspectiva de Barthes, buscaram produzir práticas de pensamento e de criação artística que visassem ao estabelecimento de vínculos. A ideia era proporcionar significações a partir do intercâmbio entre pensamento crítico e criação artística em espaços institucionalizados, no movimento pendular entre refletir a criação enquanto a exercita. Já no espaço institucionalizado da universidade, a título de exemplo, os apelos para realização de residências têm despontado nos últimos anos. Incluo aqui, a saber, o convite recebido pela cantora e compositora Adriana Calcanhotto, em 2015, para realizar uma residência artística na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde, por dois anos, ministrou aulas de composição e desenvolveu intensas atividades, como cursos não conferentes de grau. Como consequência do seu deslocamento para Portugal, a 24 Em “Como viver junto” (1977), Roland Barthes vai apontar para a noção de que a estruturação de cada vivente é volúvel e suscetível a

mudanças acidentais, o que implica compreender que os estados de ânimo oscilam em um contínuo irreprimível. Assim, a possibilidade de rompimento do gesto de permacer lado a lado deve ser entendida também como movimento saudável de distanciamento e cinesia do sujeito – afastamento e movimentação constante. Essa ideia, no entanto, nas palavras de Barthes, abre espaço para noção de um compartilhamento das distâncias, no qual a individualidade estaria resguardada nos ritmos próprios ao viver junto. Nessa abertura proposta pelo crítico, viver junto torna-se “uma fantasia de vida, de regime, de gênero de vida. Nem dual, nem plural. Algo como uma solidão interrompida de modo regrado: o paradoxo de uma partilha das distâncias”. BARTHES, Roland. Como viver junto: simulações romanescas de alguns espaços cotidianos. [Texto estabelecido, anotado e apresentado por Claude Coste]. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. 13.

25 Cf. MORAES, Marcos José Santos de. Residência artística: ambientes de formação, criação e difusão. 151 f. 2009. Tese (Doutorado

artista desenvolveu reflexões sobre a cultura brasileira, o movimento modernista brasileiro e o consumo de arte na contemporaneidade, o que culminou, em 2018, numa espécie de “concerto-tese” antropofágico intitulado “A Mulher do Pau Brasil”, como um trabalho final da residência em Portugal. Nesse sentido, embora apresentem dinâmicas metodológicas e formativas distintas, sobremodo no que concerne à diplomação, a residência artística e a construção criativa na pós-graduação continuam fixadas em um terreno de conflitos permanentes e redes de vigilância. Isso tudo se coloca como aguda pauta hoje, tendo em vista, ainda, a predominância do saber que se estabelece cientificamente entre um sujeito indagativo e um objeto científico, voltados unicamente às práticas das ciências ligadas à produção e à expansão de capital. Cito a reflexão de Raul Antelo:

A pesquisa, em nossa tradição acadêmica, altamente pragmática, torna-se, assim, uma mera variável de ajuste, é o que sobra das aulas, das orientações, do funcionalismo. Mas, ao mesmo tempo, todos os professores se definem como pesquisadores, para além de produtividades ou competências, dedicações ou habilidades. O sistema, por sua vez, tende a universalizar, e consequentemente a homogeneizar, nunca a singularizar. A política — a política de ascensão funcional, a política de bolsas, a política científica — nada mais é, então, do que uma autogestão da ecotécnica, em que a autonomia já não dispõe das formas tradicionais da política: não há soberania auto-fundadora (não há nada para ser fundado e talvez nem mesmo haja muito para ser tombado); não há discussão sobre a justiça da polis acadêmica (porque já não há polis nem mesmo politesse, só polícia e, mesmo assim, só para cuidar dos homens-livres). Nem vida como forma-de-vida, nem política como forma- de-coexistência regulam já a ecotécnica do sistema.26

Venho pensando continuamente, desde 2015, na hipótese de que a diferença de métodos de pesquisa e criação acadêmica – se é que devo usar aqui a palavra “método” – é provocada pela teia de significações que se dá na coexistência de idiorritmos, aspecto apontado por Barthes. Não estaria nessa direção a próprio sentido de harmonia estabelecido pelo estar junto – como caminho para o comunitarismo – sem apaziguar quaisquer tensões da coexistência? Encontros são capazes de ocorrer à distância. Sigo em frente com a pergunta para dar mais uns passos. A emenda que posso fazer aqui evidencia que as condições das fraturas subjetivas de produção que rondam o aparelho acadêmico nas últimas décadas conduzem inevitavelmente o pensamento para a ideia de comunitarismo. E a linha se expande para dar outro nó a esta imbricação de pensamento novamente as ideias de Giorgio Agamben. Para o filósofo, na medida em que o exercício de comunidade tornou-se inoperante, essa noção se mantém paradoxalmente a pleno funcionamento em diferentes espaços institucionais, dada a aglomeração de pesquisadores que acabam sistemática e inevitavelmente inseridos numa lógica de disputa e concorrência. Frente a esse estranho contexto de ser-junto no esfacelamento da comunidade, para além das residências artísticas e do estudo das poéticas visuais na universidade, no campo dos estudos literários há outra série de embates práticos que geram agudos impasses: a ficcionalidade tem servido como dispositivo produtor de alternativas a alguns escritores que acolhem seus desejos de escrita artístico-literária no interior do aparelho acadêmico. Lançando mão de um ensaio teórico-crítico pré ou posfácio em contingência à elaboração de obras auto ou metaficcionais, pesquisadores encontram na produção do gênero acadêmico dissertação ou tese uma forma de elaboração discursiva criativa, ultrapassando o rigor científico sui generis, muitas vezes a partir do 26 ANTELO, Raul. A pesquisa como desejo de vazio. In: Anais do I Seminário dos alunos da pós-graduação em literatura da Universidade Federal de Santa Catarina. Conferência de abertura. Florianópolis, SC, 2011. p. 9.

contato com as elucubrações de seus pares, para ampliar o escopo daquilo que se propõem construir. Ao intensificar esse imbróglio, a autoficção despontou, principalmente nos últimos anos, como mecanismo de escrita performática do pesquisador na busca por flexibilização dos gêneros acadêmicos nos cursos de Letras. Questiono: não seriam todas as escritas autoficcinais, sobremaneira aquelas que aparentemente não são? É claro, o uso da escrita ficcional como texto acadêmico – em destaque a autoficcional – representaria, em tese, a dobra entre a realidade e a sua representação, uma nova forma de habitar o real, o que pode ser reterritorializado para problematizar o caráter histórico, teórico e crítico atribuído aos textos acadêmicos de conclusão de graduação e pós-graduação nesse novo terreno de proposições estéticas da contemporaneidade. Essa abertura tem se tornado possível à medida que a ficção, assumida enquanto tal, funciona como esteio aos escritores e fornece às dissertações e teses o caráter fugidio em relação às convenções éticas do gênero, ao seu local de circulação e aos mecanismos de emergência do sujeito no interior do discurso científico. A metodologia de dissertações e teses consideradas como escrita criativa27 é marcada pela grafia inventiva num espaço

extensivo e intensivo da experiência, por meio do jogo no qual muitos sujeitos-autores inserem os seus leitores – incluindo aqui o orientador e a banca examinadora do trabalho – em função do tratamento ficcional e das práticas discursivas alternativas a que se revestem as condições e as possibilidades de novas proposições artístico-críticas hoje, expondo uma tensão que subjaz essa dinâmica aglutinadora. Mas, afinal, a partir desses novos gestos criativos, por que linhas de força seria atravessado o pesquisador em meio à comunidade acadêmica fraturada? Em que medida a existência rigorosa de normas de produção dos trabalhos, dos incontáveis núcleos de pesquisa, esbarram na constituição do comunitário num instante de desfazimento desse suposto horizonte em comum? Raul Antelo, no ensaio intitulado “A pesquisa como desejo de vazio”, escrito em 2011, parece se debruçar sobre as dúvidas epistemológicas que envolvem as imbricações da pesquisa hoje:

É claro que pensarmos a comunidade acadêmica a partir da emancipação, processo que dissolve os laços tradicionais do sistema, é algo problemático e inquietante, porque, ao liberar o sujeito de vínculos comuns, herdados, nossa prática de pesquisa emancipa-nos, a rigor, consequentemente, de toda determinação e de toda noção de destinação já dada, sem que, paralelamente, a própria emancipação forneça a si própria um horizonte cabal de sentido, uma vez que não há nada que, podendo ser tomado como destino ou como fim do trabalho, garantisse, de per se, a emancipação. Uma vez emancipado, o estudioso universitário é como um escravo liberto para quem, à diferença do escravo do mundo, não existe espaço algum que possa ser identificado como o espaço específico para o exercício dessa sua liberdade, a liberdade de pesquisa e criação que ele reivindica.28

Com o intuito de pensar a singularidade e a subjetivação do pesquisador no exercício esquivo do comum, trago, então, para este instante de escrita, o gesto reativo encontrado na genealogia de um dos romances que mais 27 A Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), de 2006 a 2011, acolheu, no curso de

Pós-graduação em Letras, em nível de Mestrado e de Doutorado, na área de concentração em Teoria da Literatura, trabalhos criativos de escrita literária. Desde 2012, no entanto, possui o curso de Pós-Graduação em Letras stricto-sensu com área de concentração em Escrita Criativa. Nesse escopo específico de estudo, os artistas-pesquisadores matriculam-se em disciplinas sobre processo criativo e suas bases teóricas, e os orientadores admitem as dissertações e teses redimensiondas na forma de textos literários (romances, antologia de contos, poemas), não literários (documentários, roteiro de webséries) e narrativas híbridas.

impulsionou meu envolvimento com a escrita criativa. É curioso e instigante notar que, já por volta 2006, Tatiana Salem Levy, escritora e crítica literária, mesmo não sendo a pioneira na defesa de um romance enquanto tese de doutorado, carregava o receio de escrever artisticamente na academia. O belíssimo texto-tese “A chave de casa: experimentos com a herança familiar e literária” foi defendido como uma tese em duas partes, uma autoficcional e outra ensaística, na qual a primeira constitui-se de um potente romance, publicado pouco tempo após a defesa da tese e premiado nacionalmente, sendo o enredo uma história de mudança de horizontes. Releio sempre essa trama de alguém que caminha rumo a uma porta antiga, erguida numa casa que precisa ser reaberta, em outro país. Com a chave na mão, o desejo de encontrar a porta permanece na narradora, a fim de que se possa conhecer o que há detrás dela. Forma-se, no livro, uma rede de travessias contínuas: a narradora busca compreender o que já se perdeu em sua vida. Entretanto, o enredo não se esgota mesmo quando se mostra inviável a volta à antiga moradia da família, uma vez que a porta não exista mais. Nessas páginas, em resumo, há o mistério incômodo da paralisia da narradora, a viagem imaginária à Turquia, as idas e vindas no