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Ilumina o que restou nas páginas

No documento Ou ensaios reunidos para um roteiro do acaso (páginas 188-200)

Quando o trauma atravessa o corpo, quando a representação do acontecimento se torna plenamente interdita, permanece como resto o peso lutuoso-melancólico daquele que se cala ou se abstém de falar. Durante a leitura de diversas obras teórico-críticas para construir esta trecho da tese, não foi difícil articular os ensaios estudados à condição central da produção literária de outros artistas cujo traço temático da catástrofe estivesse em zonas de proximidade com os gestos plástico-discursivos de Leila Danziger. Menciono especial e brevemente aqui o trabalho de W. G. Sebald300, escritor e crítico nascido em meio à destruição da Alemanha em 1944, o qual escreveu produções narrativas que, em linhas gerais, abordam sugestivamente o silenciamento das vozes judaicas do passado, aceitando a noção de que a experiência de aniquilamento e desumanização do homem dificilmente é possível de materializar-se representativamente em palavras. Haveria, por assim dizer, a confirmação das aporias de tempo e de linguagem nessas formas de narrar, ou seja, uma descontinuidade ou um movimento errático nas controversas narrativas de representação. Tudo nesse escopo parece ter ficado ainda mais intensivo com a saturação contemporânea dos narradores ditos “representativos” do testemunho sobre os horrores da guerra e do pós-guerra. Como a priori a literatura acena para a fabulação, muitas narrativas do testemunho do século XX tentaram contornar as nuances linguísticas e evitar a construção de imagens monumentais para, a partir da evocação da palavra, demarcar sugestivamente o silêncio histórico e o recalque coletivo o qual já se impunha historicamente. Embora haja um destaque às produções de artes visuais e literatura, faço breve menção às teses de Walter Benjamin a respeito da história, principalmente ao fato de que a narrativa do testemunho advém, antes de tudo, da possibilidade de abrir um outro espaço de inscrição subjetiva para “escovar a história à contrapelo”301, evocando a ideia benjaminiana de situar-se ao lado dos vencidos (judeus, mulheres, escravos etc.), dando especial olhar para a tradição cultural dos oprimidos ao insistirem numa dívida histórica que jamais será paga. É isso que, a meu ver, empreende Leila Danziger em seus trabalhos, como na mencionada série “Nomes próprios”, por exemplo, principalmente quando afirma que o traço que constitui esse gesto é a reinscrição do nome das vítimas no tempo e no espaço, nomes esses que, no passado, antes de que a vida lhes fosse arrancada, foram corpos plenos de vitalidade.

Estranha-se que, ainda hoje, parcela da crítica cultural a respeito das narrativas ficcionais sobre o horror dos campos de concentração, por exemplo, em sua inevitável relação tensionada com o real, ainda seja pautada por um veio que questione a validade da produção de subjetividade do testemunho em discursos artísticos em materialidades variáveis. Essa postura implica a necessidade de processar a leitura crítica de diferentes constructos artísticos que provocam recontextiualizações de eventos que coloquem em funcionamento as engrenagens da história e da cultura. É como se fosse possível questionar a validade dos alguns exemplos da produção artística mais recente, como determinadas obras de W. G. Sebald – a exemplo “Os Emigrantes: quatro contos longos” (1992) e “Austerlitz” (2001) – nas quais há a construção de uma ficção híbrida que se entrelaça e se confunde com o ensaio memorialístico e com o autobiográfico. É claro que tudo isso não vem a ser uma

300 Cf. SEBALD, W. G. Guerra aérea e literatura. Trad. Carlos Abbenseth e Frederico Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

301 Cf. BENJAMIN, Walter. As Teses sobre o Conceito de História. In: Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras escolhidas. v. 1. Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 222-232.

sobreposição ao discurso histórico, e sim uma aproximação do evento a níveis narrativos possíveis na dimensão ética do testemunho e da memória. Nesse sentido, nos livros citados acima, Sebald reúne diferentes materiais – em especial fotografias e mapas, ilustrações concretas que apontam para o real histórico – convocando às imagens do passado para a instauração no presente, ainda que, paradoxalmente, na ficção, muitas vezes os personagens, em suas trajetórias na trama, como nas narrativas desse escritor alemão, lutem para que contornar qualquer caminho que os conduzam novamente à memória da catástrofe, aspecto que vem a irromper irremediavelmente no desenrolar do enredo. Essa perigosa travessia na linguagem artística, marcada pelas duas linhas intensivas do lembrar e do esquecer, fundamenta uma escrita-limite, que restaura o excesso do passado muito mais para ressemantizar verbalmente o real do que para representá-lo. Porque, nesse mesmo movimento pendular tensionado, nesse caminho nebuloso, nos vestígios e relatos da catástrofe, encontra-se a dialética do resto irrepresentável – falar e silenciar, dizer e gaguejar.

Da memória da catástrofe, novamente voltando a pensar o trabalho artístico de Leila Danziger a partir da escrita de Paul Celan pós-genocídio, os estilhaços, as ruínas, os destroços do que fora vivido produziriam uma espécie de silenciamento, uma escrita feita quase sempre como um balbucio gaguejante e vacilante, tendo em vista que, como dito antes, o horror da sua experiência estaria para além de qualquer contingência de narratividade representativa do real. Contudo, em paralelo a essa ideia, principalmente frente à intensidade e ao peso da poética de Celan, ao artista – sobretudo ao fazer do poeta – estaria a potência da tarefa de arrancar esse silêncio primeiro das palavras, sua inaudição sensível, ainda que operacionalizada pela via da sugestão e da metáfora poética. Daí o entrelaçamento retórico intensivo que há entre Paul Celan e Leila Danziger. De certo modo, ambos revolvem a memória, em seu processo de escavação permanente, para abrir espaço, na dimensão criadora na linguagem, para uma situação-limite – experienciada ou herdada – burlando parte do silêncio inaudito do trauma, sobrevivendo ao desfazimento instaurado à fórceps pela avassaladora efemeridade das coisas no tempo moderno. São dessas operações possíveis da literatura que o confronto com língua ganha iluminação especial no trabalho dos dois artistas – considero muito sensível a imagem dual da língua que podemos coadunar entre os artistas. Enquanto o poeta aprende o alemão com a mãe e enfrenta a linguagem ao escrever na língua que saía da boca dos nazistas, Leila Danziger herda o alemão como “língua paterna” e como forma de sobrevivência da memória. Ela que, pouco a pouco, pela leitura dos escritos de Celan, reativa a memória, faz com que a língua atravesse seus gestos verbo-visuais. Confessa a artista:

Sem exageros, posso dizer que a poesia de Celan reativou esse monumento sonoro – a língua alemã –, misto de familiaridade e profunda estranheza, reabilitando-me lentamente, de modo crítico, à língua paterna. Simultaneamente, orientou a busca de realidade – o atrito do mundo – sem o qual o trabalho em artes plásticas fecha-se em purismos ou perde-se em virtualidades.302

Quando falece seu pai, homem de quem herdou a língua alemã, a complexidade do ato de lidar com os objetos e papéis restantes no apartamento onde ele vivia, revirar e se aproximar de tudo aquilo que permanece imóvel quando o corpo se vai, tal qual um grande museu fechado, torna-se captador e emissor de força que impulsiona Leila Danziger a se envolver em larga medida na produção de um novo projeto, que ocorrera quase simultaneamente a outros, atravessada pelo contato com esses artefatos. A produção da série “Pequenos impérios”, por exemplo, iniciada em meados de 2011, é o resultado artístico da ação de vasculhar, reordenar e selecionar livros, documentos, correspondências, pastas, recibos e tantos outros objetos físicos resguardados pelo pai no apartamento, espaço onde ela vir ia a residir, no Edifício Líbano, no Rio de Janeiro. Na manipulação do que restou, os carimbos marcavam nos documentos frases que potencializariam o sentido das camadas de luto – coletivo e individual – inscritos nos objetos, alguns trazidos da Alemanha pelo seu pai. Nesse sentido, o processo plástico-linguístico do luto se operacionaliza, então, nessa série, como um modo particular de lidar com os resíduos de uma história privada que, no percurso de releitura empreendido pela a artista, chega às raízes de uma história mais ampla e coletiva, consubstanciando a temática do judaísmo que atravessa toda sua obra. Em 1935, a família Danziger deixa a Alemanha no navio Aurigny e desembarca em terras brasileiras seguindo um intenso fluxo de refúgio naquela época, marcada pelo avançar brutal do nazismo. Muitos anos depois da chegada aqui, com a morte de Rolf Manfred Danziger, vasculhar o arquivo privado do pai inevitavelmente após sua morte aponta para uma dinâmica de reprocessamento da história familiar por uma leitura detida sobre a operação do olhar maculada pelo luto. Escapar à atrofia do luto pelo intermédio da manipulação artística significa aí recusar também o próprio gesto de deixar a memória se apagar em meio aos artefatos abertos às significações.

Por falar em experiência enlutada, voltemos brevemente ao trabalho ético e estético realizado em “Nomes próprios”. Para além de todos os sobrenomes Danziger marcados na “lápide” de tantos indivíduos desconhecidos-familiares que compuseram a série, tratava-se, naquele instante, de um gesto de vinculação a uma memória exterior que pertencia a uma esfera coletiva, mas também muito íntima. É para burlar o esvaziamento da história, a permanência dos nomes numa catalogação grandiosa que a experiência de luto se dá na série regendo um campo metafórico e semântico de apresentação de nomes porventura esquecidos pela história. Por outro lado, posteriormente em “Pequenos impérios”, toda necessidade de embrenhar-se no apartamento do pai adere uma experiência de atribuição de um sentido ainda mais clara para a compreensão autobiográfica, vindo, depois do falecimento paterno, a realizar-se se por meio da leitura afetiva dos objetos a partir da ótica do presente, por meio do contato com grande parte do que fora deixado pelo pai no apartamento como marca do passado de emigração judaica. À dimensão privada dos arquivos atrelam-se as palavras impressas sobre os livros e as pastas (os objetos de papel) que vêm da cultura da comunicação: são frases extraídas de jornais, objeto caro à artista para repensar a questão da obsolescência permanente da informação: “A membrana densa desses papéis volumosos, organizados na forma de livros, parecia conservar as cicatrizes de um tempo insubordinado às separações de público e privado, prolongando apenas a precariedade própria à memória”303. Nas ações de resgate e descarte de tantas pastas e documentos considerados desimportantes – esses “pequenos impérios” que resistem como ruínas ao tempo –, camadas heterogêneas de tempo passam a se sobrepor na manipulação dessas peças, na inscrição poética agora inserida pela artista no tratamento artístico dedicado a eles, principalmente a partir da ambivalência constitutiva desses artefatos, os quais, na constituição desse arquivo, esticavam uma linha que ia do interesse pelo coletivo na história, como “pastas e fichários em torno de algumas temáticas obsessivas: Rio de Janeiro, construção civil (desabamentos e desastres), política brasileira, segunda grande guerra, Israel (a língua hebraica)”304, até documentos que comportam em si uma dinâmica mais pessoal e privada, como “contas (todas as contas de luz e gás), recibos, certificados de garantia de todos os eletrodomésticos que teve na vida, todos os impostos de renda, registros com a contabilidade diária dos gastos da família desde a década de 1970”305.

Inegável está a forte presença de autor que se inscreve nos projetos de Leila Danziger. Como pouco sabia a respeito da figura paterna na relação com o outro território onde viveu, no que acreditar senão na arte como um gesto de ressignificação afirmativo e saudável de suas tramas por intermédio da riqueza e da fragilidade inerente a cada objeto? Tentando se aproximar ainda mais das nuances íntimas e, sobremaneira, coletivas de sua história, ressignificando-as ou atualizando-as à luz do presente, Leila comenta o início do processo de manipulação do arquivo do pai e o efeito gerado a partir do contato com os rastros de memória deixados no apartamento: “Criei um ritual e fiz categorias com carimbos, com frases, e aí carimbava e fotografava essas seleções, mas esse trabalho é uma pontinha de um iceberg imenso, e esse fundo de arquivo hoje orienta meu

303 COSTA, Luiz Cláudio da. A poética da memória e o efeito-arquivo no trabalho de Leila Danziger. Arte e ensaios. Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 19, 2009, p. 81.

304 DANZIGER apud VITURI, Gabriel. A arte de lembrar. Cadernos SESC de Cidadania, ano 10, n. 15, 2019, p. 23. Disponível em <https://www.sescsp.org.br/online/artigo/13599_A+ARTE+DE+LEMBRAR> Acesso em 07 jan. 2020.

trabalho todo, o que eu digo ou não digo”306. Perguntemos, por esse motivo, sobre o que implica pensar a potência da “verdade de arquivo” na construção de um pensamento associativo e crítico mais ampliado sobre a fragilidade da memória coletiva? Gostaria de recorrer, a partir da leitura e dos usos do arquivo familiar de Leila Danziger, às reflexões críticas que constituem o primeiro ensaio do livro “Indicionário contemporâneo”, publicado em 2018. De entrada, entendendo o conteúdo dos arquivos como intensiva potência crítica para a arte, o ensaio inicial sugere que a operação arquivista não pode ser desmembrada, sob nenhuma hipótese de intensidade ou extensão do alcance, em arquivo como memória e/ou arquivo como intimidade.

O que parece ir se tornando claro, aos poucos, na leitura do contundente ensaio de autoria coletiva, é que os arquivos materiais e imateriais ultrapassam a ideia de documentação da vida e vetorizam para múltiplos lugares de criação estética e reflexão teórico-prática. Os modos de se inserir num arquivo impelem alternativas de leitura para a matéria ali agrupada nas instâncias coletivas ou íntimas, ultrapassando a questão do dispositivo da memória e apontando para o caráter artístico e inventivo possível. Nesse sentido, articulando a leitura crítica à experiência plástico-discursiva de Leila Danziger, no limiar que irrompe com a necessidade de apropriar-se do que resta de seu arquivo familiar e com a interdição do deciframento pleno das histórias que se fundem em cada objeto deixado, a artista exercita o preenchimento de certas lacunas da sua história pela via artística da ressemantização dos documentos de seu arquivo familiar, o que vetoriza um contexto mais amplo de trânsito dos alemães judeus a serviço da sobrevivência. Mas quem vasculha os arquivos, aquele que toca os materiais que ele comporta, precisa estar consciente do jogo de poder que ali se concentra. De fato, como pressuposto no ensaio, o autor dos documentos, o sujeito da posse primeira das peças participa inevitavelmente da dinâmica do contato pelo rastro deixado em cada ruína, em cada objeto, como uma assinatura fantasmática que, talvez possibilite indicar direções únicas de leitura. É isso que precisa se destacar na operação que se dá no arquivo, sobretudo em suas negociações com a produção de arte:

Pelo fato de o arquivo ser um conjunto de objetos cuja organização e controle – sua propriedade – está em disputa e pelo fato de seu produtor se encontrar nesses objetos apenas como uma marca sutil e fantasmal é que podemos dizer que o arquivo, longe de ter uma consistência sólida, está formado apenas de restos. Como se o governo dos restos permitisse o governo do passado e fornecesse uma leitura mais sólida da história e de si.307

Nessas negociações do arquivo com a arte, ficaria, então, conforme sugestão dada pelos autores do “Indicionário contemporâneo”, a possibilidade de pensá-lo não como monumento, e sim como caminhos de trânsito pelos restos e rastros para atribuir a eles certa sobrevida espectral308. De modo muito similar com o procedimento extrativo de apagamento e corrosão da matéria realizado em tantos outros trabalhos, Leila Danziger empreende a leitura das agendas, todas elas, e manuseia os artefatos acumulados, manipula os objetos do arquivo do pai, constituído por tudo aquilo que resistiu ao tempo depois de sua travessia para cá. Na ação de revirar, catalogar,

306 DANZIGER, Leila. De Charlottenburg a Copacabana. Arquivo Maaravi. Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 3, n. 4, mar. 2009, n.p.

307 PEDROSA, Celia et. al. (Org.). Arquivo. In: Indicionário do contemporâneo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018, p. 26-27. 308 Ibidem, p. 31.

selecionar e descartar os restos deixados no apartamento do pai, judeu alemão abrigado aqui, Leila é atravessada pelo ímpeto de anarquivo – reordenações e/ou reconstrução dos destroços – marcado pela experiência enlutada, potência que servirá como motor, sobretudo, para a posterior composição dos textos de “Ano Novo”, publicação de 2016, segundo livro de Leila no qual a poesia recebe centralidade. Se, portanto, em suas obras artísticas sempre nos referimos a esse lugar da memória familiar que apontaria, em tese, para uma ressignificação da história coletiva numa leitura do e no presente, não podemos deixar de dizer que essa força de arquivo também se desdobra no seu trabalho intelectual. Seja no ensaio crítico, seja na arte plástico- discursiva, nos trabalhos de Leila Danziger fica clara a possibilidade de aproximação autobiográfica com uma macro-história, mas sem o compromisso de manejar uma barca carregada de uma suposta “verdade” a ser descoberta; ao contrário, a produção de subjetividades se dá nas tensões que essa “verdade” vem a estabelecer com o fantasma atravessado a todo legado arquivístico deixado a ela como herança material. Mais ainda: a interferência das políticas da memória no presente tornam-se forças propulsoras para a artista.

DANZIER, Leila. Pequenos impérios [2012]. Impressão jato de tinta sobre papel de algodão, dimensões variáveis.

Entrevejo ainda a possibilidade de pensar aqui na noção de impulso anarquivístico mencionada por Hal Foster309. Em seus estudos sobre o arquivo, o crítico estadunidense irá defender a ideia de que alguns artistas vêm subvertendo a lógica arquivística não para estabelecer certa organização aos artefatos a fim de compreendê- los como um todo, mas, ao contrário, enfrentam o arquivo para produzir a partir dele, por meio de escolhas afetivas frente ao inventário, o que significaria, para ele, um impulso an-arquivístico. Diante da possibilidade de que o arquivo venha a se abrir para as formas intensivas de interpretação e organização afetiva, os objetos do

309 O pesquisador Felipe Braga, ao estudar as estratégias que consubstanciam a prática de um artista-arquivista, escreverá sobre o impulso anarquivístico pensado por Hal Foster. A partir da aposta de Foster acerca da subversão da base arquivística, o pesquisador irá dizer: “o amadorismo do artista ao lidar com arquivo colabora para uma produção que se sustenta nas escolhas afetivas, e assim, acaba por construir um discurso complementar ao arquivo, e, portanto, não historicista. O artista-arquivista não espera compreender um arquivo na sua totalidade, e esse talvez seja o ponto que o difere do arquivista profissional. Mesmo consciente da impossibilidade dessa compreensão, o arquivista profissional nutre um desejo de alcançar a totalidade e restabelecer uma forma original que talvez nunca tenha existido de fato, a febre do arquivo, colocada por Jaques Derrida”. BRAGA, Felipe Paranaguá. Estratégia de um artista-arquivista. Revista Morpheus: Estudos Interdisciplinares em Memória Social, Rio de Janeiro, v. 9, n. 16, ago./dez. 2016, p. 200-201.

apartamento tornaram-se para a Leila Danziger, pouquíssimo tempo depois da morte do pai, em artefatos artísticos manipulados e reconfigurados na composição de variadas séries autorais. É aí que reside esse ponto pensado pro Foster sobre os artistas-arquivistas, cuja cisão com os arquivistas profissionais é clara. Mencionei anteriormente – e com especial olhar – a série “Pequenos impérios” pelo fato de ser uma belíssima exposição exposta na Galeria Cândido Portinari, no espaço da UERJ em 1999, mas também porque o catálogo me faz observar todo o percurso como um gesto muito orgânico de tentativa (ou quem sabe ensaio visual) de lidar com as experiências arquivistas pela via da arte, onde a pergunta da artista permanece aberta: “A que categorias

No documento Ou ensaios reunidos para um roteiro do acaso (páginas 188-200)