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Ou deixar tudo guardado de cor?

“A escrita [...], designaríamos assim, entre outras coisas, um certo modo de apropriação amante e desesperada da língua, e, através dela, de uma palavra tão interditora quanto interdita [...], e, através dela, de todo idioma interdito, a vingança amorosa e ciumenta de uma nova domesticação que tenta restaurar a língua, e crê ao mesmo tempo reinventá-la, dar-lhe finalmente uma forma (em primeiro lugar deformá-la, reformá-la, transformá-la), fazendo-lhe assim pagar o tributo do interdito.”

Jacques Derrida Comecei a escrever ficção aos dez anos. Este é meu segredo, pelo menos até agora, posto que esse itinerário com o verbo não seja tão simples quanto pareça. Pela escrita sou aquele que conta e escuta, ao mesmo tempo, como uma forma-diário em um corpo-vivo. Foi pela memória da minha avó materna que por muito tempo estanquei o ato de escrever. Isso é algo que ela jamais poderia vir a saber. Jamais soube, enfim. Quando eu era ainda mais novo, antes mesmo de começar a ler, minha avó costumava nos levar, a mim e meu irmão, para a enorme biblioteca de sua casa quase todos os fins de semana. Não sei o quanto é verdadeira esta lembrança, mas me recordo de algumas vezes entrar nesse aposento, ver a antiguidade dos móveis de madeira escura, deitar no chão de tábuas, na altura de seus sapatos pretos e brilhantes, e observá-la percorrer os dedos pela poeira da lombada dos livros até escolher algo a ser contado a mim por meu irmão. Ela, no entanto, estranhamente não se aproximava mais do que esse toque dos livros que escolhia. Eu a conheci sendo alertado, desde sempre, que nós não éramos daqui. Não sei qual foi seu itinerário antes de chegar ao Brasil, desconheço quaisquer motivos, aliás, porque secreto, quase nada sobre o vivido fora daqui era narrado ou poderia ser interrogado dentro de casa. Dos mortos, categorizava ela, nada se fala mais. E daquela época para cá, não alcanço dizer o que, de fato, eu sentia naqueles instantes de escuta, mas as histórias ouvidas, contadas muitas vezes de cor, eram interrompidas sempre por uma fala num idioma que não construía sentido para mim, mas atribuíam ao corpo da minha avó um odor de outro lugar. E dotada de uma ausência incompreensível, uma falta absoluta e irremediável, para ela, quase nada de secreto era lícito pronunciar “na língua tropical”.

Minha avó dormia de sapatos. É curioso que essa lembrança tão inusual nunca tenha sido motivo de estranheza para qualquer filho ou neto. Nasci no início da década de 90, tempo em que minha avó já somava no corpo, visível por seu cabelo branco e curvatura desalinhada, mais ou menos 70 anos. Dessa época até o seu falecimento, duas décadas depois, todas as noites ela ia se deitar vestindo os mesmos calçados escuros, amarrados com um laço fino e firme. Decerto, minha avó criou um universo próprio para si, muito particular, desde que chegou ao Brasil com a sua mãe, quando tinha 22 anos. Fez da vida no novo país um fardo insuportável. Para além da conservação dos hábitos, das joias, das fotografias anotadas, minha avó insistia em não alterar as tonalidades do passado, não deixar emudecer a sua língua. Aprendeu a falar português, é claro, usava-o nas ruas, no trabalho, nas conversas sutis, entretanto, se não era saudável se desvencilhar de sua língua materna, seu objetivo primeiro era sempre que possível permear a casa com uma amostra do som da terra que ela deixou para trás. Língua enquanto ruína – um tempo enfrentado. Pronunciava seu idioma com gestos

bruscos do rosto, mostrando todos os dentes, encenava sua infância ali. Escrever em português foi uma tarefa amaldiçoada pela minha avó, tão obstinada com essa ruína sonora, recusava-se quase sempre a assinar o próprio nome na língua de cá. Seus olhos falavam mais do que a própria boca. Se posso dizer assim, nunca aprendi sua língua, nem entendia bem essa insistência em continuar vivendo uma vida que já havia morrido há tantos e tantos anos, deixada tão longe daqui. Meu avô, aliás, era brasileiro. Nascera aqui, embora filho de imigrantes franceses. Não o conheci. Eu era um dos poucos, talvez o único da família, além dele, pelo que soube, que se incomodava com os destroços do passado sendo lançada à força sobre os demais. Uma certa descontinuidade com tudo o que viera antes se instaurava aos poucos. A catástrofe não pode ser esquecida, eu pensava, mas também não deveria ser insistentemente lembrada.

Nunca fiz a menor ideia do que significava embarcar numa travessia de nenhuma natureza. Deixar um país inteiro para trás, não retornar jamais para o que ficou, não se esquecer nunca de onde se viera. De certa forma, o corpo que transita, atravessado pela energia do percurso, torna-se ruína pouco a pouco, dia a dia. Definha pela força de um tempo insuportável, que passa de modo diferente pela inevitável violência do deslocamento. Eram muitas incertezas, incompreensíveis naquela época. Confrontei a minha avó, do auge da suposta soberania da minha adolescência, sobre sua obsessão pela língua de lá. Porque, ainda que obcecado me punha pela sonoridade intrusa do árabe, curioso pelas palavras, e mesmo tendo idade suficiente para reconhecer que perguntas subversivas poderiam acordar um animal feroz que repousava ali no seu corpo, não havia motivo para definitivamente impor a família o domínio desconhecido de significantes tão vazios para nós. Foi aí que, quebrando uma espécie de código de conduta, reconduzi minha avó novamente aos corpos-mortos de seu país. Eu não lembro, mas talvez tenha sido a partir desse dia que não me lembro de vê-la pronunciar mais quase nada em sua língua materna dentro de casa, na minha presença. É assim o pouco que me lembro. Nunca mais outras palavras, até o dia da sua morte, quando parecia um derradeiro retorno para casa. Não entendia na época o que eu compreendo com um pouco mais de clareza hoje, quase quinze anos depois. Mas impossibilitado de me subjetivar, senão na língua do outro, monolingue que sou, o significante é o que fazia irromper o sujeito verdadeiro de sua significação, a palavra inócua era o que constituía minha avó enquanto sobrevivente de lá. Escrevo ficção sempre em uma língua que não é minha, porque, se meu confronto talvez tenha executado um assalto, para minha avó pode ter sido uma absoluta castração. Quando a língua do outro se decretava como o espaço da lei, onde haveria uma falta sempre instaurada no corpo mortal, era nesse instante que o efeito da linguagem atribuía a ela a sensação de ser um sujeito completo.

Desterrada do seu país, a língua para ela talvez fosse como uma estrutura perdida, um fantasma. Dela vinha o seu intento de se aproximar desses significantes, cedendo à atração e ao fascínio por uma língua primordial, anterior a tudo daqui. Os episódios mal contados que se encontram na gênese da imigração dos pais da minha avó foi um compendio de necessidades políticas necessária à preservação da existência. Tudo o que eu sei sobre sua vinda foi descoberto depois da morte dela, vasculhando documentos, resgatando fotos, redimindo uma certa culpa pelas minhas provocações infantis. Buscando saber um pouco mais sobre sua vida, sua língua, desenterrei um passado quase inteiro. Passei a pesquisar tudo o que podia sobre o que restou de nós em outro espaço. Foi apenas há cinco anos que descobri que minha avó chegou do Líbano ao Brasil no dia 12 de novembro de 1934. Com a constituição pelos franceses da República do Líbano, no ano de 1920, as aspirações árabes-

cristãs ganharam linhas delineadoras que estabeleceram as dinâmicas de ataques inter-religiosos ocorridos incessantemente no país desde então. Com a alteração da capital do país de Monte Líbano para Beirute, durante os anos seguintes a política do país passou a estar sob domínio do conflito entre católicos e as comunidades greco-ortodoxas e sunitas. Estas, em sua luta pela incorporação de uma fração do Líbano em um Estado árabe mais amplo, repeliam a possibilidade de legitimação do Estado libanês. Foi na passagem do poder dos turcos para os franceses que a cristianização do país alcançou seu ponto alto e de maior tensão.

Esta história toda não é minha, nunca poderá ser. Me dou o direito de resgatá-la como posso. Escrever me parece essa operação de recriação de lugares numa língua que não possuí nunca, mas que de alguma forma ainda é minha, está aqui, ainda potencializada. Continuo nesta história pela corrida atrás do som do árabe, porque a escrita permite ser novamente imigrante, invadir territórios outros, escutar novamente as mesmas histórias. Para rasgá-las, para reinventá-las, alcançar um estado de chegadas. E imagino, fora do papel, que minha avó chegou ao Brasil sem a figura de pais, embarcada com as três irmãs em um navio em que partira quase toda a população da pequena cidade, evadindo-se da flecha da morte. O medo era companheiro do sono, soldados invadiam as casas, tudo ao redor ruía. Episódio suficiente assustador para, à noite, precisarem estarem prontos para correr. Era imperioso sempre estar aparelhado para fugir, sem olhar para o que ficou. E o que talvez fosse deixado para trás jamais viesse a ser pacífico ou estável. Talvez minha avó não pudesse falar árabe na escola. Sofria pelo professor, uma vara que estalava em seu corpo, não sabia francês. Seu monolinguismo foi ceifado, arrancado a pancadas. Eu tive certeza, ao atribuir à grafia o bio, certeza da sepultura na qual enfiei minha avó ao confrontá- la sobre sua língua — ela inventava uma nova língua dentro da sua, uma nova língua estrangeira que não era um dialeto resgatado, um devir na sua própria língua. Esse devir delirante era seu combustível, sua forma de habitar um país longe de casa. Era no outro que sua língua se tecia novamente. Foi só quando a doença deteriorou minha avó, pouco antes de morrer, foi aí que o sopro árabe veio em uma só bufada, um estado de partida, permitindo-a falar pela última vez seu nome próprio.

Outro dia, há pouquíssimo tempo, sonhei que ela me entregava uma fotografia de seus pais. A imagem de um casal, com roupas bem alinhadas, o hijab no rosto da mulher, corpos reais que eu basicamente consisti em imaginar a vida toda. Uma imagem que certamente eu já vi e supus que fossem seus pais. Não me recordo bem. Antes mesmo que a imagem chegasse a minha mão, o mesmo caos de sempre, o susto do sonho, o acordar em sobressalto, exatamente como seguem as narrativas. Claro, sonhos e devaneios são sempre assim, interrompidos por outra coisa menor, quaisquer faíscas, um mal que avança. Tudo que eu conto é uma versão mais simples, digo a mim mesmo isso, mas é como se correspondesse a uma vontade cada vez mais frequente. O que eu quero dizer até aqui é que, simplificado ou complexo, dentro ou fora da fantasia, minha avó nunca falou do seu passado e de seus pais, daqueles desconhecidos por quem ela poderia sentir falta, nunca sequer uma frase até sua morte. De um dia para o outro, a morte, o desaparecimento da casa, a falta de movimentação do corpo. Algo esperado pela idade, mas também inesperado, porque, perceba, toda morte é irremediavelmente inesperada. As variações disso tudo são muito pequenas. Foi no terceiro ou quarto dia após a morte que sonhei com essa cena perturbada, fragmentada, raramente eu lembro de sonhos. Pensei, por alguns instantes na cama, como o passado sempre caminha como sombra atrás de nós. Nunca desaparecem. Quase nunca. Porque, aliás, vejamos bem, teve algo de desaparecido na sua própria existência, como se

estivesse sempre um espaço vazio atrás nela. Estratégia de mistério, como se executasse uma tática de guerra. Nada era contado sobre o outro lado. Sob seus pés, uma escavação coberta.

Alguns filhos nunca conhecem seus pais, e tudo bem, no fim tudo isso acaba se diluindo, se apagando, se resolvendo no cotidiano complexo, não se pode frear o tempo. Mas não posso aceitar que ela esquecera dos pais, pelo menos não aqui, não posso lhe impor outra vez quaisquer violências. A catástrofe não deve ser lembrada, mas não precisa ser esquecida – escrevi essa frase há um tempo. Minha avó se lembrava na palavra selada à boca. Não como lembrança que pode ser evocada claramente, mas apenas sutilmente aparecida sem ir atrás, à luz do dia, ao tomar um chá ou sentir o cheiro da carne à mesa, sensação que persevera. Talvez possa ser improvável pensar assim, porém, se eu escrevesse o contrário, de outra forma, não estaria sendo honesto com o que passou. Minha avó viveu justamente até o ponto em que queria chegar, vingando-se do tempo e evitando encontro com qualquer lembrança do passado. Não de seus pais, sua experiência original. Fácil não é ser uma estrangeira solitária, e, mesmo querendo voltar, se fosse necessário, ela viveria duas vezes para só para aumentar a distância da guerra. Nunca escondeu esse desejo, mesmo sem falar uma frase que a destroçasse. Ela sentia falta de algo que não existia, e negava toda a história para trás. Nunca, porém, mencionava o que se foi. Não havia saída, mapas, bússolas, roteiros rumo ao passado. Segredos não se pronunciavam na língua de cá, ela dizia, porque não restitui o poder originário de dizer. Ela se impunha o silêncio. Sua feição um pouco distraída, como se esse assunto a incomodasse, e sim, a incomodava, deixava tudo isso muito claro, como se dissesse o impossível sem dizer nada. Há uma história por trás de tudo que é uma evocação da história dos trânsitos, pelos mesmos lugares que imagino. Há também – e provavelmente isso mais incomoda – um itinerário de separação de uma filha com sua família. Eu a observava sempre, uma pintura feita à canhota, completamente indecifrável, e sabia que a história desses corpos que haviam formado o seu estavam ocultados, nunca à mostra, morreria com ela. Poderia eu, agora, exigir explicação a essas gavetas, a esses móveis amarelados, a esses livros que restam? Pela escrita tudo faz um retorno inesperado, um retorno tão radical, que faz de novo a casa vazia sua própria tenda, tudo para ver se resiste enquanto história inventada.

Quando eu nasci, meu irmão já tinha por volta de doze ou treze anos. Pouquíssimas são as recordações que tenho do meu convívio ao seu lado além da infância. Com o subterfúgio de realizar uma viagem com os amigos, aos dezoito anos ele arrumou todas suas roupas em duas malas e foi para Hungria. Previsto para ocorrer depois de vinte dias, o retorno nunca aconteceu. Escrevia cartas para minha mãe, lidas com muita dificuldade, falava da vida em outro país, de certas semelhanças torpes dos húngaros com os árabes, mas, quanto ao retorno, isso era assunto nunca mencionado. Mandava uma foto ou outra, já cultivava uma barba grande, poucos cabelos. Uma sobrancelha grossa que invadia a face. Nunca perguntava pelos familiares, nunca dava notícias mais específicas. Não respondeu quase nenhuma das cartas que eu enviei, em nome da minha mãe e da minha avó. Escrever essas cartas era falar com os mortos, evocar espíritos. Um monólogo constante. De mim, a bem da verdade, ele roubou tudo enquanto pode: a preocupação da família, a vigília pelas correspondências, a expectativa de retorno, tudo, tudo. Foi apenas na ocasião da morte da nossa avó, tantos anos depois, que este fantasma regressou ao Brasil. Seu português já havia se contaminado, percebido pelo pouco de suas falas com os outros. Não dirigiu a palavra mim, apenas consolou nossa mãe com um toque nos ombros. O corpo da nossa avó no centro da capela fúnebre, os comentários de pesar, o afastamento contínuo do meu irmão: toda matéria era

conteúdo para os ruídos de fala dos escassos familiares que compareceram ao sepultamento. Chovia muito no Rio de Janeiro nesse dia, havia deslizamentos de terra por toda a cidade, corpos-mortos entravam sequencialmente no cemitério. E mal havia sido baixado o caixão, o cimento ainda úmido sobre a cova, os guarda-chuvas ao redor, quando meu irmão me olhou enviesado por trás da nossa mãe. Acenou com a cabeça, falou algo de longe, impossível de ser lido pelos lábios. Apalpou o bolso, acendeu um cigarro e foi embora. Qualquer coisa permanece cifrada até hoje. Nunca mais encontrei esse meu pedaço, tão idênticos que somos, que hoje quase não escreve mais cartas. Não quero prolongar para além do que alcanço, só que quase tudo precisa ser medido, planejado e escrito neste balanço.

Se me perguntassem agora quais são os próximos caminhos dessa narrativa, talvez eu não saiba como é escrever o fim de tudo. Herança de uma língua à feição do texto talvez seja o que preciso ainda deixar fincado nesta escrita. Publicar essa história seria expor uma intimidade, confrontar os escondidos álbuns de fotografia, sempre inacessíveis, escondidos nas gavetas da casa onde há pouco tempo tornou-se vazia. O que sei até agora é que há uma urgência em escrever essa história, publicável ou não, endereçadas a um destinatário ou não. Contar que a língua materna virou as costas para minha família sempre que pode é necessário. Porque minha mãe, doente aos dez anos, tornou-se surda. As dores, a internação, o silêncio. E com ele veio a perda da fala. Ela não tem voz, não tem língua. A ancestralidade, marcada por batalhas com a linguagem, não parou em minha avó. Essa opacidade fez minha mãe uma mulher ensimesmada — uma mulher que nunca conseguiu apreender os sons, o sopro de vento, os arrulhos de aves, os passos nas tábuas no escuro da noite. Suas mãos são sua boca; seus olhos, matéria-bruta. Como se algo tivesse se apoderado dos seus ouvidos, excluindo-a de todos os timbres que da própria mãe invadiriam à garganta. E dessa vastidão de silêncio, entre minha mãe e sua mãe, entre mim e elas, entre o passado e o agora, que as palavras se esvaíram de sua boca, feito água que evapora, sublima. Seus olhos falavam mais do que sua boca. Sempre foi assim. E essa foi sua herança – sua fotografia dentro do livro, encarando meu rosto para me aprisionar. Enquanto ela se esforçou para manter para sempre as pálpebras abertas, privada do que talvez lhe fosse mais caro, a língua dos idos, eu me esforço para que nesta escrita, neste inventário de passados escondidos, sem que minha mãe precise falar, eu seja capaz de atribuir algum timbre à sua voz. Para inventar sua história, arquiteto outra casa em sua boca vazia.

Quando eu era menino, todos os confrontos da minha família com a linguagem, sobretudo de minha mãe e minha avó, me fizeram ter inconscientemente alguma coisa de proximidade e energia com certa filosofia pré- socrática. Eu não sabia o que era isso, é claro, mas de alguma forma já havia sido contaminado por ela. Busquei na observação das árvores, tantas vezes sentado no quintal de casa, muitas explicações sobre a origem do mundo, só que do meu mundo, do mundo criado por minha avó. Como poderia eu gozar dessas existências para fazê-las dela um ato de escrita? Lidar com o fantasma da minha avó aqui é meu acerto de contas. Essa ancestralidade me deixou uma herança da qual a escrita me expurga. Mortos, mortos, mortos – todos mortos falam. Suas histórias respiram junto do meu corpo, tiram minha mão do ostracismo. Falta ainda incorporar ar fresco ao organismo. Mas meu corpo é também o corpo de minha mãe. Corpos estranhos presos em corpos silenciosos. Cada parágrafo possui um pedaço de língua engavetada na boca da minha mãe, da quase-língua