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E suspenderia os dedos que furam os olhos

“Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim. O que eu descobri foi o método científico que nos permite estudar o inconsciente.” Sigmund Freud Encontra-se no arcabouço teórico pensado por Freud uma noção que adquire centralidade e, como tal, alastra- se, mesmo que de modo espectral, na condição de alicerce de quase todos seus ensaios. É especificamente ao redor da pulsão da libido que a teoria freudiana irá projetar, em encadeamento progressivo, as malhas conceituais e relacionais diretamente ligadas ao luto e à melancolia. O conjunto de ensaios intitulado “Luto e Melancolia”, publicado em 1917, foi o estudo no qual Freud enfrentou a tarefa de investigação e reflexão psicanalítica do ser melancólico, buscando uma revisão da teoria dos humores corporais. Dobras foram realizadas: são nos exemplos extraídos de algumas correspondências com seu amigo Whielm Fliess, datadas de 1894 e 1895, que uma incursão sobre essa temática, mesmo que superficial, foi realizada pela primeira vez. Nos rascunhos das correspondências Freud/Fliess existem as primeiras aparições da melancolia enquanto conceito de interesse, os nomeados “afetos tristes”. Nessas cartas há a menção da melancolia como ligada a uma anestesia sexual, a descrição do caso de um homem que paulatinamente perde o prazer de viver e, por fim, uma enumeração de conclusões sobre a afecção e sua ligação com a carência do apetite sexual.68

Não é, entretanto, na derrocada de todo vestígio da medicina humoral que se fora travada a criação de “Luto e Melancolia”. Classificada como crítica afecção mental, é a partir da apropriação disruptiva da teoria dos humores que o estudo freudiano sobre o indivíduo melancólico sugere uma ligação particular entre a linguagem da libido e a expressão da melancolia, o que requer ainda a observação de que, como um retorno às noções passadas, a perda do objeto e a contração em si própria do propósito contemplativo configuram-se como dois traços concernentes às reflexões religiosas sobre a acídia e à fenomenologia do sujeito acidioso, ambos caminhos presentes como persistência analítica nos estudos de Freud sobre luto e melancolia. No parágrafo inicial da publicação, Freud já apresenta aos leitores a espinha dorsal de sua reflexão, expondo que ela é uma busca para elucidar a natureza específica da melancolia em contraponto ao afeto normal do luto:

Mas desta vez temos que admitir algo de antemão, para evitar uma superestimação de nossos resultados. A melancolia, cuja definição varia mesmo na psiquiatria descritiva, apresenta-se em variadas formas clínicas, cujo agrupamento numa só unidade não parece estabelecido, e das quais algumas lembram antes afecções somáticas do que psicogênicas.69

68 Cf. BRANCO, Felipe de Oliveira Castelo. Tristes Tópicos: um estudo sobre a melancolia em Freud. 2009. Dissertação (Mestrado em

Psicanálise). Instituto de Psicologia, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.

69 FREUD, Sigmund. Obras completas, volume 12: Luto e melancolia. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras,

Toda interpretação de Freud, então, considerará o abatimento melancólico uma noção vacilante e instável, sobre a qual ele perscruta substancial parcela de sua obra, direcionando-se à esfera de considerá-la, a melancolia, antes uma afecção psíquica do que orgânica. Freud procura delinear pertinentes traços do indivíduo melancólico, culminando com o levantamento de uma hipótese esquemática que, a partir de uma dinâmica comparativa, criava uma zona de tensão entre as duas noções englobadas no título da obra. O nexo entre luto e melancolia estabeleceu-se porque, no campo do comportamento, o psicanalista recuperou marcas em comum entre o abatido pelo luto e o acidioso medieval, tais quais o abatimento, a carência de desejo de vitalidade, a depreciação de si e a propensão aguçada à atividade artística e intelectual. Sem desembaraçar por completo os conceitos, propõe Freud, o luto e a melancolia estariam correlacionados pois ambos são originários do mecanismo de recesso de um objeto que fora contemplado, mas que, de um dado momento em diante, tornou- se ausência. Mas o que o luto experimenta, na subtração irreversível pelo apagamento de um objeto ou de um indivíduo amado, é uma fixação externa – o sujeito enlutado condensa energia afetiva em contemplar os objetos inscritos ao seu redor e que possuíam alguma relação com ente amado. Daí o luto seria uma reação responsiva a essa perda, porém considerada saudável, diante do fato de que a perda e a interdição acometem a todos os seres humanos de modo incontornável:

O luto profundo, a reação à perda de um ente amado, comporta o mesmo doloroso abatimento, a perda de interesse pelo mundo externo – na medida em que não lembra o falecido -, a perda da capacidade de eleger um novo objeto de amor – o que significaria substituir o pranteado -, o afastamento de toda atividade que não se ligue à memória do falecido.70

O que se encontra na base da reflexão de Freud, para além do traço de perda da autoestima, prototípica dos melancólicos, é o pensamento de que a dinâmica de produção e manutenção do luto em um sujeito marcado pela perda sinaliza um caráter transitório, superável, assim não-patológico. Para ele, sob influências mútuas, em algumas pessoas são encontrados traços de melancolia em vez de luto, passando a suspeitar de que haveria, nesses indivíduos, uma predisposição a uma disfunção de ordem patológica: “no luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, isso acontece com o próprio eu”71. Essa concepção pensada por Freud concretiza

uma oportuna ascensão em proporção aos seus preliminares “Rascunhos”, cuja identificação psíquica do melancólico estava ainda em sedimentação e, de certo modo, sua concepção teórica reduzida à compreensão de pouca profundidade a respeito da aposta de a melancolia ser apenas o refreamento psíquico da libido. Nos parece, aqui, a execução de um certo desvio por parte de Freud em relação à aparelhagem de concepções da psiquiatria do seu tempo. Fazendo frente à perspectiva pensada até o século XX, ele supunha que, em indivíduos melancólicos, haveria um obstáculo apenas de ordem psíquica e não física. Onde se acumula tensão sexual física, nos assegura Freud, haveria neurose de angústia; onde se acumula tensão sexual psíquica, melancolia72.

Avanço aos poucos na minha leitura do ensaio “Luto e Melancolia”. Com a curiosidade intensa e a dificuldade tenaz com a qual enfrento os escritos de psicanálise, percebo, como uma sombra que o incomoda e o persegue, 70 FREUD, op. cit., p. 173.

71 FREUD, op. cit., p. 243. 72 FREUD, op. cit, p. 237.

um certo desconforto de Freud na tentativa de traduzir uma origem para a melancolia diante do reconhecimento epistemológico de que no luto se concentraria uma perda que de fato ocorreu, ao passo que na melancolia não há perceptibilidade plena acerca do que foi perdido, ou, tampouco, se é possível declarar a ocorrência de uma perda real. Desse tênue ponto de complexa indissociação, quem sabe, tenha surgido o paradoxo de ocorrer uma perda sem haver um objeto perdido, tratando-se, nesse caso, de uma “perda objetal que escapa à consciência”73.

Nesse sentido, a melancolia, nos diz Freud, apresenta a ambivalente situação de falha da relação com o objeto, na qual irrompe uma força pré-lutuosa, de modo a prefigurar o recesso e a interdição de um objeto a ser perdido, mesmo que não se reconheça ainda sua concretude ou sua forma. Se considerarmos, então, que a perda de algo que foge ao conhecimento é o limiar da procedência da melancolia, não é incomum dizer que a acumulação da libido melancólica seria o recrudescimento desesperado do desejo diante da conjuntura de que a posse está fadada a ser, paradoxalmente, inapreensível. Daí a fantasmática aparição de um objeto que não pode sequer ser apreendido ou identificado opera uma exacerbada disposição do desejo, o qual, em acúmulo, impulsiona e move as engrenagens do mecanismo melancólico, tal qual Agamben argumenta:

A retração da libido melancólica não visa senão tornar possível uma apropriação em uma situação em que posse alguma é, realmente, possível. Sob essa perspectiva, a melancolia não seria tanto a reação regressiva diante da perda do objeto de amor, quanto a capacidade fantasmática de fazer aparecer como perdido um objeto inapreensível. Se a libido se comporta como se tivesse acontecido uma perda, embora nada tenha sido de fato perdido, isso acontece porque ela encena uma simulação em cujo âmbito o que não podia ser perdido, porque nunca havia sido possuído, parece como perdido, e aquilo que não podia ser possuído porque, talvez, nunca tenha sido real, pode ser apropriado enquanto objeto perdido. Nesta altura, torna-se compreensível a ambição específica ambíguo projeto melancólico, que a analogia com o mecanismo exemplar do luto havia desfigurado parcialmente e tornado irreconhecível, e que justamente a antiga teoria humoral identificava na vontade de transformar em objeto de abraço o que teria podido ser apenas objeto de contemplação. Cobrindo o seu objeto com os enfeites fúnebres do luto, a melancolia lhes confere a fantasmagórica realidade do perdido.74

É curioso considerar, a partir dessas proposições dialógicas acenadas entre Freud e Agamben, que a condição depressiva-obsessiva que acomete a um sujeito o qual enfrenta a experiência da perda de um ente amado, ou de algo de valor afetivo — a configuração do estado de luto —, pode também ser provocada e concretizada, paralelamente, sem que qualquer recessão venha a ocorrer, antecipando uma perda intangível. Mas Freud se questiona sobre qual seria, então, a origem dessa retração libidinosa, encontrando certo ponto de conforto e convicção na proposição, ainda que parcial e pouco iluminadora, de que a precondição da melancolia, no que lhe concerne um caráter específico, peculiar e contraditório, reforça a ambivalência nítida que se manifesta em uma dinâmica marcada entre o desapossar-se de um objeto que, em nenhuma instância, foi posse, e o desejo impetuoso de apropriação de algo que, talvez, seja interno e irreal. Esse processo paradoxal resulta, de toda forma, em um padecimento marcado pelo inconformismo contemplativo de um objeto fraturado. O que

73 FREUD apud AGAMBEN, op. cit, p. 44. 74 AGAMBEN, op. cit, p. 45.

enamora o melancólico frente a obstinação ao objeto libidinal é o fato de que o próprio eu se encontra no objeto, consubstanciado exatamente no instante quando o objeto passou a ser incorporado ao ego.

É no interior dessa complexa construção de pensamento, concebida no transcurso das reflexões freudianas, que Freud encerra o pensamento de que o sentimento de devoção pela coisa perdida retorna para a concentração do espírito sobre o eu, tal qual uma incursão narcísica. Para ele, não fora incomum perceber, nesses indivíduos, o movimento psíquico de autocondenação, autoacusação, autoflagelo e perda da autoestima, sobremaneira diante da ideia de que toda paixão irá se constituir de uma aversão instintiva quando repulsa pela perda do objeto é superinvestida no eu. Assim, direciona-se esse objeto a si próprio, num impulso narcísico desmesurado. Passa a haver um vazio e um obscuro buraco no psiquismo no lugar do ideal, porque aquilo que o sustentava não existe mais, e não consegue eleger outro para ocupar seu lugar. O que subsidia esse pensamento é a ideia de que o ego passa a agir, portanto, exasperando-se contra si mesmo, como um processo contínuo de autodegradação. Considerando-se como o responsável pelos males que circundam a própria existência, o melancólico, com seus passos pesados e seu ânimo retorcido, não raro chega ao delírio frente ao inconsciente processo psíquico que se instala nele de modo fantasmático. A melancolia, portanto, estaria nas bases da teoria do narcisismo, pensada por Freud, visto que o novo investimento libidinal, em linhas gerais, volta-se para o eu, investindo-o, assim, narcisisticamente. Quase nas últimas páginas de “Luto e Melancolia”, a revelação do conceito de mania aparece como sendo o triunfo sobre o mecanismo dinâmico melancólico, servindo-se de tampão a essa lacuna no psiquismo — escoamento da energia vital e libidinosa. Nesse sentido, embora conflituoso, o estado de mania seria aquele em que o indivíduo vislumbra o objeto em si mesmo, dissolvendo- se a tristeza numa espécie de alegria obscura. Esse movimento pendular entre maníaco e melancólico coloca-se inserido na estrutura da própria noção de melancolia e da simbolização das perdas pensada por Freud. Enfim, como já dito outrora, a melancolia não se trata, na perspectiva de Freud, de uma resposta psíquica frente à perda de um objeto afetivo — esse seria o mecanismo do enlutado. Conforme a leitura da obra de Freud empreendida por Agamben, trata-se de um processo singular que se inscreve no homem, como espécie de fantasmagoria, pois seria a reação frente ao que se materializa enquanto inapreensível. É no comportamento ambíguo da libido que o melancólico se coloca frente a uma ausência de fato indecifrável, uma sensação de destruição de uma propriedade que em nenhum nível foi posse — um objeto ausente. Funde-se, então, ao texto, a noção de ação em negativa, um jogo no qual aquilo que nunca havia sido possuído aparece como perdido, de tal modo que não poderia ser posse porque, a bem da verdade, talvez nunca tenha existido. Redirecionando toda essa breve discussão para o espaço artístico, reforço a pergunta: seria, portanto, a escrita que se quer literária uma espécie de movimento de apreensão de uma realidade inacessível, na qual, por seu caráter fantasmático, provocaria a posse de um objeto ausente, tornando infundada e impossível qualquer perda, ou provocando, como acena Freud, o triunfo do objeto sobre o eu? É claro que essa interrogação, longe de ser respondida no escopo deste trabalho, coloca em órbita conceitual as noções desmontáveis e vacilantes de melancolia e arte, criando certos choques com a literatura e as visualidades, meus campos de interesse. Se na vida o jogo das reações psíquicas melancólicas se constrói em um comportamento de negação insuportável à perda que o real impõe, buscando a construção de uma realidade mais confortável, no campo da arte, mais específico no escopo da literatura, a escrita seria aquela executada sempre pela negativa:

O eu rompe, assim, o seu vínculo com a realidade e retira do seu sistema consciente das percepções o próprio investimento. É através desta esquiva do real que a prova da realidade acaba evitada e os fantasmas do desejo, não removidos, mas perfeitamente conscientes, podem penetrar na consciência e vir a ser aceitos como realidades melhores.75 Próximo a esse questionamento, ao analisar um texto escrito por Freud sobre criação literária e o sonho de olhos abertos, Agamben nos apresenta uma possibilidade de leitura de que o ato de elaboração artística estaria ligado a escondida e inconfessada prática fantasmática, fundamental à criação poética. Freud já havia refletido acerca dessa aposta em “Escritos criativos e devaneios”, ensaio resultante de uma conferência produzida em 1907. Mais de cem anos depois da publicação, esta continua sendo a maneira mais coerente de entender a força intelectiva do melancólico. Com o intento de rondar as dimensões do processo criativo, Freud buscou a compreensão dos traços propulsores da criação e os seus impactos naquele que a contempla, partindo da relação entre o gesto de brincar infantil e a atividade poética. Um ano depois essa publicação, seguindo um itinerário formativo bastante coerente em relação às suas apostas teóricas, o texto “O poeta e o fantasiar” defende a tese de que toda fantasia está fundamentada na insatisfação de um desejo incompreendido, na mesma condição do que acreditou ser a estrutura psíquica do vivente melancólico, conforme especula: “a pessoa feliz não nunca fantasia, só o faz a insatisfeita”76. De modo semelhante ao sonho, o desejo perdido e/ou incompreendido constitui a substância

originária da criação fantasiosa, deixando profusa a relação do melancólico com o devaneio da criação e da produção material artística. Daí a nitidez da expressão freudiana fantasia de desejo.

De um acerta forma foi também a influência desse pensamento — a respeito da criação artística e da experiência como produção a partir de um desejo fantasmático — que colocou em reflexão contínua a aporia de que a imagem espectral do objeto ausente, impossível de ser capturada, vem a ser a aparência que o desejo cria com o objetivo de que se realize o cotejo do fantasma. Desse modo, paralelamente, a introjeção da libido seria uma das partes fundamentais do mecanismo da melancolia, no qual o real perde seu atributo de realidade com vistas de que o que é irreal venha a ocupar esse lugar privilegiado. E é precisamente neste ponto de sua leitura psicanalítica – a partir da fixação de Freud no processo por meio do qual um indivíduo cria absorve subjetivamente objetos e qualidades desses mesmos objetos, considerando-os integrantes do próprio ego – que Agamben tenta, numa conversa possível, capturar a ambiguidade dos encalços melancólicos da criação artística a partir da seguinte especulação. É baseando-se na leitura que faz da amplamente conhecida gravura “Melancolia”, feita por Albercth Dürer no período renascentista, em 1514, que Agamben que, no limiar imprescindível da ameaça psíquica a que se expõe, a melancolia seria o símbolo da investida incessante do homem “de dar corpo aos próprios fantasmas e de tornar predominante, em uma prática artística, aquilo que, do contrário, não poderia ser captado nem conhecido”77. E continua a teoria:

75 FREUD apud AGAMBEN, op. cit, p. 49.

76 FREUD, Sigmund. O poeta e o fantasiar. In: Obras Completas de Sigmund Freud. Trad. Verlaine Freitas. Rio de Janeiro: Imago,

[s.d.]. Ed. eletrônica. Disponível em:<http://docplayer.com.br/41620863-213-o-poeta-e-o-fantasiar-1.html> Acesso em: 08 set. 2019.

Se, por um lado, o mundo externo é narcisisticamente negado pelo melancólico como objeto de amor, por outro, o fantasma obtém dessa negação um princípio de realidade, e sai da muda cripta interior para ingressar em uma dimensão nova e fundamental. Não sendo mais fantasma e ainda não sendo signo, o objeto irreal da introjeção melancólica abre um espaço que não é nem a alucinada cena onírica dos fantasmas, nem sequer o mundo indiferente dos objetos naturais. Mas é nesse lugar epifânico intermediário, situado na terra de ninguém, entre o amor narcisista de si e a escolha objetal externa, que um dia poderão ser colocadas as criações da cultura humana.78

Existiria ainda um diferimento terminológico entre melancolia e depressão não explorado à época por Freud. Interessa a Freud, na escrita de “Luto e melancolia”, a compreensão fundamental dos mecanismos melancólicos que provocam a insuficiência da libidinização no psiquismo de um indivíduo acometido por esse desagravo. A partir da dinâmica ora associativa ora disjuntiva que apresenta com a questão fenomenológica do luto, não há, na nosologia criada por Freud, conforme apontam investigações de pesquisadores em psicanálise79, a categoria

específica de depressão. Conquanto a psicologia pós-freudiana utilize a terminologia depressiva na concepção clínico-diagnóstica, a depressão não se constitui de uma estrutura estudada enquanto categoria por Freud em suas investidas epistemológicas. Com base nos estudos freudianos, a sintomatologia depressiva seria derivativa do luto e da melancolia. Destaco, de antemão, que, ao ponto que me interessa chegar nesta tese, não se encontra o aprofundamento teórico das descontinuidades e tensões conceituais que se estabelecem no que tange as disjunções possíveis entre os significantes melancolia e depressão. Palavra por palavra, faço uso da concepção de Julia Kristeva, na qual, em seu fortíssimo ensaio “Sol Negro”, opera a cisão entre melancolia e depressão, compreendendo que a perda do objeto e a relação de identificação com ele fundamenta as duas noções. Entendida como uma sintomatologia psiquiátrica de inibição da libido, a melancolia caracteriza-se também pelas variações que passa a ter com as fases de mania; a depressão neurótica, em contrapartida, é a terminologia empregada para se referir aos estágios melancólicos menos intensos e frequentes que a melancolia profunda, acometendo indivíduos que são incapazes de evidenciar o objeto ausente, por meio da simbolização de algo concreto no mundo externo a ele. Retornando a Freud, como ele bem arremata sobre a melancolia, ela vem a