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3.2 BAIRROS DOS GRUPOS PESQUISADOS

3.2.5 Ilha de Caratateua ou a popular Ilha do Outeiro

3.2.5.2 Bairro da Água Boa

Saindo da Comunidade do Fama percorrendo uma distância de aproximadamente 6 km chegamos ao bairro da Água Boa local de acesso às praias mais procuradas pelos veranistas em Outeiro. Diferente do Fama, este bairro já conta com uma feição mais urbana com sua área de comércio bastante movimentada com pequenos mercados, lojas de confecções, lojas material de construção, bares, restaurantes todos dispostos de um lado e outros de vias pavimentadas onde trafegam meios de transporte, como ônibus e mototáxis, facilitando o acesso da população a outras partes da ilha e a Belém. Embora o bairro da Água Boa seja menor em comparação aos demais, ele tem sua área mais restrita a entrada das praias, talvez por este motivo tenha uma atividade comercial tão diversificada e sua via de acesso pavimentada, além de contar com uma escola municipal de ensino fundamental.

Neste bairro encontrei duas mestras que residem próximas uma da outra. Uma delas foi Jurema Tertuliana do Boi-bumbá Brilha Noite e a outra Iara Coutinho do Cordão de Pássaro Pipira da Água Boa. Não pude entrevistar as duas Mestras no mesmo dia devido à indisponibilidade de horário da Iara que eu entrevistei dois dias depois de Jurema101. Não foi difícil encontrar as residências das Mestras, pois eu já conhecia a área desde os tempos de adolescência quando ia ao Outeiro curtir as praias com minha família. O local de moradia das Mestras fica próximo ao estacionamento da Água Boa que é uma área espaçosa, mas pouco utilizada pela administração pública o que reduz o local a uma área subutilizada. Esta situação revela um dos problemas do bairro e da ilha em geral que é a de outros espaços de lazer, como praças e quadras poliesportivas. Apesar de ser um balneário, para uma grande parte da população, as praias são locais de trabalho, principalmente no período do veraneio. Diante desta situação, a população de crianças e adolescentes possui ao seu dispor opções de lazer e entretenimento limitadas, assim como atividades culturais. E neste aspecto, os grupos de cultura popular têm função importante para a difusão e manutenção das manifestações artísticas populares, além da valorização das pessoas e de suas práticas culturais.

No sentido de fortalecer as práticas culturais da ilha de Outeiro é que as mestras Jurema e Iara promovem por meio dos seus grupos as atividades voltadas para as manifestações tradicionais paraenses. E ainda oferecem a crianças e adolescentes uma oportunidade de aprendizado e vivência com as práticas do boi-bumbá e cordão de pássaro por meio dos seus

101 Realizei entrevista com a mestra Jurema no dia 15 de julho de 2015 na sua casa. E no dia 17 de julho

grupos entre outras atividades de lazer e educação que promovem ao longo do ano no bairro. A preocupação com as crianças da comunidade são reveladas nesta fala da mestra Jurema.

Como te falei a gente sai da quadra e já fica o rest... esses dias eu já tô pensando no que eu vou fazer como é que vai ser eles estão de férias. Eles estão de férias vão voltar só em agosto. Tá, mas mesmo assim fica uma semente sabe?Na mente da criança que todo tempo eles não deixam de comparecer. Eles estão sempre aqui. “Ei tia tem alguma coisa? Tem apresentação?” (imitando a fala das crianças). Aí eu já vou arrumo uma professora gente já dá aula de reforço, você entendeu?Tá, pra segurar as crianças aqui, como você disse tá a situação tá meio ruinzinha aqui na nossa ilha, mas isso não é só da ilha! É que vem você entendeu?E aí nossa preocupação com as nossas crianças. Nossa a gente tá aqui lidando com as nossas crianças aqui a..., nós somos um tipo uns gav... umas gavioas porque nós é mulher. Gavioas ali protegendo as nossas crianças ali dos gaviões que tão lá fora querendo... pegar as nossas crianças, por isso estamos de olho, entendeu?

A ilha têm enfrentado problemas sérios relacionados ao tráfico de drogas e prostituição infantis sendo crianças e adolescentes aliciadas para tais práticas criminosas. Diante da situação de fragilidade social de muitas famílias e da necessidade material a/os jovens são atraídos para a criminalidade, sem perspectiva de uma vida diferenciada deste “fatalismo” que tem acompanhado a juventude negra e pobre das periferias de Belém e se estendido ao Outeiro também. Tais atividades desenvolvidas pela Mestra Jurema também têm como objetivo ajudar as famílias na educação destas crianças e adolescentes, já que as mesmas não contam com projetos ou ações governamentais neste sentido. Mesmo com algumas restrições e as dificuldades encontradas pela Mestra na expansão de suas atividades, ela tem o apoio e reconhecimento da sua comunidade no sentido de dar continuidade às suas ações culturais e educativas, como a mesma enfatiza nos trechos abaixo.

Ah, meus pais?Ah, nossa mana! Aonde eu (ri)... aonde eu passo aonde eu chego quando eu vou lá, porque a gente fica nesse...terminou a quadra né? Tamos de férias, tá, aí passa aquelas coisas às vezes uns vem pra aula de reforço tudinho. Quando eu consigo uma professora, tá? Porque é aquela coisa, nós não tem condições minha filha de pagar. Assim, olha entendeu?[...]. Quando chega próximo da época da junina, com dois três meses, aí eu vou chegando. Porque fica aquilo...é uma ilha então o tempo todo a gente tá se encontrando. Sabe? Uma ilha o tempo todo a gente tá se encontrando. “Ei Jurema pra cá! ei fulano pra acolá!” (imitando a fala das pessoas). Tá. Tá chegando o dia, tá se aproximando. “E aí, vai ter esse ano?”. Claro que vai (responde). Enquanto Deus me der vida e saúde, a gente vai

continuar com o projeto até meu último dia, que eu espero deixar uma pessoa pra continuar, fazer a continuação desse trabalho. [...] Eu passo o dia todo só conversando com os pais, mana é tanto cafezinho que eu vou te dizer (sorrindo). Cafezinho e... por incrível que pareça as mães ficam tão felizes porque elas dizem assim “Poxa Dona Jurema eu tô trabalhando”. Graças a Deus que eu agradeço a Deus quando os pais estão trabalhando. “Eu tô trabalhando e não tenho onde deixar meus filhos, já vai começar?” Quer dizer que eles já ficam naquela expectativa de começar os ensaios que é pra crianças virem pra cá, porque se eu for deixar é todo dia.

A relação estabelecida entre a Mestra Jurema e a comunidade é muito similar a da mestra Iara do Cordão de Pássaro Pipira da Água Boa. As duas tem como foco a manutenção de manifestações tradicionais como tática para afastar crianças e adolescentes de situações de risco como eu já relatei anteriormente. Para além destes objetivos de caráter mais social, educativo e cultural eu pude perceber também que há um envolvimento emocional e de carinho com as pessoas do local, principalmente com a/os jovens, como podemos observar na fala de Iara.

Aqui dentro do grupo eles têm uma harmonia o que eles não têm lá fora, eles não são discriminados como eles são lá fora. Então isso tudo trás pra dentro do Pássaro crianças que estão na área de risco. Eu tenho aqui quatro, mas que aqui dentro do Pássaro são um amor, não parece aquelas pessoas revoltadas que tão lá fora. Dentro do Pássaro elas são pessoas! Lá fora eles dizem que são tratados como bichos, eles dizem. E aqui dentro não, aqui eles se sentem numa família. Isso que eu acho isso, isso que me leva ainda a continuar com o Pássaro que é uma coisa que eu gosto de fazer, é resgatar, é ajudar crianças que estão precisando.

A atuação das Mestras Jurema e Iara tem o reconhecimento da comunidade não só pelos seus grupos de cultura, mas também com a participação política por meio de associação de moradores como espaço comunitário de reivindicações junto ao poder público para melhorias no bairro. Moradoras da ilha de longa data e apaixonadas pela cultura popular, conforme me confessaram estas duas Mestras demonstram por meio das atividades de seus grupos e da colaboração dada à comunidade, principalmente com as crianças e jovens o quão importante é sua contribuição musical, cultural, social e amorosa na sua vizinhança.