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4.1 CONHECENDO AS MESTRAS E SEUS GRUPOS

4.1.10 Mestra Bernadete Bonifácio

Entrevista realizada no dia 26 de agosto de 2015. Local: casa da Mestra no bairro do Icoaraci.

Nome: Bernadete de Lourdes da Silva Bonifácio; idade: 63 anos; estado civil: casada; prole: duas filhas e dois filhos, a filha mais velha faleceu, ela também falou de uma filha de “criação”. Ela possui oito netos, mais quatro netos da filha de criação; escolaridade: ensino fundamental incompleto; profissão/ocupação: dona de casa e ajuda o marido em um pequeno comércio. Mestra Bernadete coordena o grupo Cordão de Bicho Oncinha e o grupo Boi- bumbá Vaquinha Mimosa no bairro do Cruzeiro em Icoaraci. Assim como as demais Mestras, Bernadete iniciou seu envolvimento com a cultura popular na infância assistindo o grupo que pertencia ao seu pai, o Boi-bumbá Rosa Branca. O quintal de sua casa era transformado em pequeno arraial no mês de junho, quando seu pai convidava alguns grupos para se apresentar,

além do Rosa Branca. Ela me disse que quando pequena assistia as apresentações no quintal de sua casa, mas nunca participou de nenhum. Quando cresceu mais um pouco já acostumada com as apresentações. E com a idade de nove anos passou a se interessar por aquelas manifestações, então outro desejo surgiu que foi de ter um grupo também. Este ensejo surgiu quando assistiu no quintal de sua casa a apresentação do Cordão de Bicho Oncinha do bairro do Tenoné. Desde este evento ela interiorizou este desejo dizendo a si mesma: Eu queria ter

um grupo. Um dia vou ter um grupo. Apesar de ter um pai que tinha um grupo de Boi-bumbá,

a mãe de Mestra Bernadete não a apoiou, pois ela era a única filha de uma prole de sete filhos e as tarefas domésticas eram mais importantes e urgentes do que dirigir um grupo popular. Depois de adulta, de ter casado e criado sua prole Mestra Bernadete ainda com “aquilo na cabeça”, a vontade de ter um grupo foi se tornando realidade. Aí foi que me interessei e

comecei a colocar... Vou colocar uma onça! (risos). Diante da pergunta de uma colega que

tinha um grupo de cordão de Pássaro, ela disse que gostou da onça desde o dia que viu um grupo se apresentar na casa do seu pai, e assim surgiu o Cordão da Oncinha em 1991. No início das atividades o grupo era composto somente por crianças e posteriormente adolescentes e jovens também foram participando. Dada a sua vivência com a manifestação do Boi-bumbá, Mestra Bernadete levou a mesma estrutura de apresentação e musical para o seu Cordão de Bicho. Com o passar do tempo, Bernadete conheceu outros grupos de Cordões e percebeu que o formato de apresentação era diferente do Boi-bumbá e nesta mudança ela passou a convidar somente brincantes maiores, deixando as crianças de fora. Para não deixar as crianças entristecidas Mestra Bernadete encontrou uma solução: Aí já ficou as crianças já

ficaram tristes porque eu num... Pois é né? O que aconteceu peguei eu disse: Eu vou colocar uma vaquinha que não existe ainda só tem Boi Boi Boi. Vou botar uma vaquinha. Aí as meninas, “Mas que ideia!”Aí eu e minha cunhada que mora aqui. Ela que toma conta eu só faço ajudar ela. Assim desta maneira, como uma solução para alocar as crianças, foi criado o

grupo Vaquinha Mimosa que já conta com nove anos de atividade e é composto somente por crianças. Ultimamente a Vaquinha Mimosa tem dividido as apresentações com o Boi Valentino que foi criado por Mestra Bernadete como parte de uma história, mas o personagem fez tanto sucesso que já há quatro anos vem dançando com o grupo.

Ao longo dos anos Mestra Bernadete foi perdendo muito/as brincantes no Cordão da Oncinha devido a basicamente dois motivos: desinteresse pela manifestação e conversão às igrejas evangélicas. A falta de brincantes é a maior dificuldade enfrentada pela Mestra e que a deixa bem preocupada todos os anos, principalmente na composição do elenco com as

devidas personagens. Ela me disse que a dificuldade financeira é até contornável porque a

gente ajeita de um lado ajeita do outro, as mães ajudam. Mas para a ausência de brincantes

ela ainda não encontrou uma solução. Nas atividades dos grupos, Mestra Bernadete conta somente com a ajuda de sua cunhada e sua filha para a preparação dos ensaios, confecção de figurinos e adereços e também no acompanhamento das crianças nas apresentações. Apesar de seu pai ter coordenado um grupo de Boi-bumbá, somente Bernadete e um dos seus irmãos continuaram com atividades com a cultura popular, ela no Cordão de Bicho e ele com Boi- bumbá Rosa Branca, herança do pai. O terreno onde fica a casa da Mestra Bernadete é quase uma vila composta pelas casas de sua família, onde mora seu irmão ao fundo, a cunhada ao lado, a filha junto com ela, e outros familiares que não consegui identificar, mas que moravam ali no local. Na frente da casa de Bernadete tem um pequeno comércio, onde ela e seu marido trabalham para ganhar sua renda, já que não contam com uma aposentadoria. Na parte de cima deste comércio, ela construiu um espaço para guardar o material dos grupos como os figurinos, adereços, os bonecos da Vaquinha e da Oncinha, instrumentos musicais e outros objetos utilizados nas apresentações. Já na parte da frente da casa há um espaço coberto com telhado e piso de cimento utilizado como espaço de ensaios e que oferece proteção contra sol e chuva para as crianças e adolescentes brincantes.

Das Mestras que entrevistei durante essa jornada doutoral, Bernadete me surpreendeu bastante no que concerne a produção das atividades de seus grupos, o repertório musical contém suas composições, ela que ensina o acompanhamento instrumental, o texto da história é de sua autoria, a direção da encenação e coreografia é elaborada por ela, além da confecção dos figurinos e adereços utilizados pela/os brincantes. E nas apresentações é ela também que “puxa” todas as músicas dando entrada para a/os brincantes, ou seja, Mestra Bernadete é a faz tudo do grupo, repassando para crianças e adolescentes o conhecimento e experiência com a cultura popular. O domínio de toda produção das atividades do Cordão da Oncinha e Vaquinha Mimosa foi mais uma tática adotada por Mestra Bernadete já que não tinha experiência e conhecimento sobre a manifestação e o grupo de Boi-bumbá Rosa Branca ficou com seu irmão, não contando com o apoio deste. A partir do seu desejo de ter seu próprio grupo, ela foi buscando informações assistindo outros Cordões e depois participando das oficinas oferecidas pela Casa das Artes e assim foi construindo e elaborando as apresentações compondo, tocando, cantando, escrevendo peças, encenando, coreografando, costurando, enfim conquistando espaço na sua comunidade e no seu bairro como pessoa importante para a difusão da cultura popular.

O trabalho de Mestra Bernadete é reconhecido pela sua comunidade e amigas que gostam e valorizam sua atividade o que garante todo ano vários convites de apresentações de seu grupo ao longo do mês de junho. Tem um senhor ali que todos anos ele manda

buscar!Todos anos a gente vai dançar lá. Ali da terceira rua já é ao contrário, a colega ela convida os amigo e contrata a Oncinha. Quando termina ela pega o chapéu e roda. Além do

incentivo das pessoas que convidam o grupo para se apresentar Bernadete também conta com a ajuda da/os responsáveis da/os brincantes que fazem questão de terem a participação de suas crianças na Vaquinha Mimosa e a ajudam também na promoção de eventos para angariar recursos financeiros para as despesas com materiais, transporte, lanches entre outras. Embora eu não tenha tido oportunidade de conversar com as pessoas da comunidade ficou claro que Mestra Bernadete possui reconhecimento de sua comunidade, como a mesma me relatou: Eles

gostam muito de mim. “Ai Dona Lourdes”. Eu digo, olha se eu não morrer para ano eu vou colocar.... “Aiii, nem fale isso! Nem fale isso Dona Lourdes”. Deus o livre quando chega abril elas começam “Olha, olha bote o nome do meu filho lá, eu quero que meu filho saia este ano. Dona Lourdes já começou o ensaio?”. Estas manifestações de carinho e cobrança da

vizinhança ocorrem porque estas pessoas acreditam no trabalho da Mestra e reconhecem sua importância na manutenção e divulgação da cultura popular no bairro de Icoaraci, bairro tão rico em manifestações populares, mas que nos últimos anos teve a diminuição destas atividades por diversos motivos.

A continuidade do seu grupo também é uma preocupação de Mestra Bernadete que não tem para quem deixar esta “herança”: Meu pai quando faleceu ele entregou pro meu irmão.

Olha eu sei que vou morrer eu vou entregar meus grupos... (imitando a fala dos filhos)“Ah mamãe! Quando a senhora morrer vai acabar tudo porque ninguém tem paciência com... (risos). Eu vejo o que a senhora passar aí, não, não não. Quando a senhora morrer acaba tudo não tem condições de fazer o que a senhora faz”. E aí a gente já fica triste né?Porque eu queria sim que continuasse o meu trabalho. Embora vejam todo esforço dedicação e carinho

de sua mãe pelos grupos, a/os filha/os de Bernadete creem que não vão ter o mesmo ânimo para prosseguir com as atividades. Enquanto Mestra Bernadete puder manter seus grupos em atividade ela receberá o apoio da família, vizinhança, Mestras e Mestres e de amigas que a incentivam nesta empreitada, pois ela ao longo destes anos com o Cordão da Oncinha e mais recente a Vaquinha Mimosa têm demonstrado seu conhecimento e empenho nas manifestações da cultura popular, e enquanto ela puder vai dar continuidade a estas expressões populares, porque apesar das dificuldades esta é a motivação, como me confessou

em entrevista: Mas é ruim, mas a gente vai levando né?Que é uma coisa que eu gosto eu

adoro! Minha paixão é a cultura”. E com esta declaração de Bernadete compreendemos de

onde surge a dedicação desta mulher assim como da próxima Mestra que vamos conhecer.