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3.2 BAIRROS DOS GRUPOS PESQUISADOS

3.2.3 Bairro da Pedreira

Conhecido como bairro do “samba e do amor” chegamos ao famoso bairro da Pedreira que juntamente com o Marco foram planejados para ser bairros residenciais na gestão do intendente Antônio Lemos no final do século XIX para o XX, que construiu avenidas largas e arborizadas que dariam acesso para os limites da cidade de Belém. O projeto de Antônio Lemos era embelezar e modernizar a cidade, por isso a construção de avenidas com inspiração de boulevards. A área onde ficaria o bairro da Pedreira era cortada por igarapés sendo grande parte em área de baixada, alguns destes cursos de água foram canalizados para a pavimentação. Mas para além do asfalto e dos boulevards nas áreas alagadas, quase nada foi feito e quando a população foi ocupando os espaços do bairro surgiram problemas de habitação. Muitas casas foram construídas nestas áreas alagadas em condições insalubres de moradia, construídas como palafitas com acesso por pontes, sem saneamento básico com risco para as crianças, enfim um cenário de descaso e precariedade vivida por parte da população alijada dos projetos de desenvolvimento.

Mas tal situação foi mudando com a elaboração de projetos de macrodrenagem nas áreas de baixada na década de 60 a partir da reivindicação da comunidade junto ao poder público. As melhorias ocorreram como eu mesma pude constatar comparando aos meus tempos de criança quando visitava meus familiares na Pedreira. É claro que ainda há lugares que permanecem com problemas relacionados às enchentes dos canais pelo lixo acumulado nos mesmos, saneamento e dificuldades no abastecimento de água, os problemas que estão sempre na pauta de reivindicação de moradores. Devido a sua localização intermediária próxima ao centro, mas com ares campestres, assim era a Pedreira até uns 50 anos atrás. E por

este motivo, o bairro foi muito procurado pelas famílias que queriam sossego e um ambiente mais familiar. Os terrenos eram extensos onde as famílias podiam dispor de uma casa grande com jardins e um quintal cheio de árvores frutíferas. Ainda hoje podemos encontrar este tipo de terreno, agora ocupados por casas de membros de uma mesma família, uma atrás da outra. Para mim este bairro tem ligação especial, pois minha família materna e paterna morou lá. Meu pai e minha mãe viveram ali até a idade adulta, onde se conheceram. As minhas tias e tios, primas e primos, avós e avôs toda família com raízes fincadas na Pedreira, eu mesma até dois anos de idade fui pedreirense também, quando me mudei episódio que narrei no capítulo anterior desta tese.

A Pedreira está situada na parte oeste de Belém e tem seus limites com o bairro do Telégrafo sem Fio, Sacramenta, Souza, Marco, Umarizal e com uma pequena parte do bairro de Fátima (ver ANEXO D). Sua população atual é de 69. 608 habitantes, sendo o segundo bairro mais populoso de Belém, atrás do Guamá. A maioria da população é de mulheres (54,14%) com um grande percentual de pessoas na faixa etária de 15 a 64 anos (72,6%) e também um número expressivo de jovens (19,4%) 88. Devido a sua localização, a Pedreira vem sendo um local bastante procurado para moradia, pois oferece algumas vantagens como uma ampla rede comércio, supermercados, farmácias, escolas públicas e particulares, postos de saúde, feira, delegacia, além de várias linhas de ônibus que circulam no bairro. Estes atrativos têm acelerado a procura por imóveis e a construção de vários prédios, o que tem ocasionado num processo de verticalização residencial, valorização de terrenos e especulação imobiliária, retirando aos poucos a feição familiar característica do bairro que vem perdendo sua tranquilidade pela alta estatística de assaltos e sequestros relâmpagos, sendo considerado um dos mais violentos da capital. Infelizmente, talvez o bairro do “samba e do amor” já não seja mais o mesmo.

Mas apesar deste cenário não tão amoroso, o bairro ainda tenta manter o epíteto pela qual é reconhecido na cidade de Belém. Assim como o Telégrafo Sem Fio, a Pedreira tem relevância no cenário da cultura popular belenense com grande contribuição na tradição carnavalesca, onde escolas de samba e blocos carnavalescos promovem diversão e alegria pelas ruas do bairro89. Pela forte tradição ligada ao samba e também motivada pelos apelos de

88 Dados encontrados no sítio http://populacao.net.br/populacao-pedreira_belem_pa.html. Acessado em 20

out. 2016.

89 As escolas de samba da Pedreira que estão no grupo especial: Acadêmicos da Pedreira e Embaixada de

Samba Império Pedreirense, além de diversos blocos. Algumas informações sobre o Carnaval em Belém ver: PALHETA, Cláudia e RODRIGUES, Izabel. Do enredo ao desfile, a campeã de Carnaval. Ensaio Geral. Belém, v.2, n.4, ago-dez, 2010.

sambistas e carnavalescos da cidade foi construído no ano 2000, o espaço Aldeia Cabana de Cultura Amazônica Mestre Davi Miguel para abrigar os desfiles das escolas de samba e promover atividades de cultura e lazer para crianças e adolescentes durante o ano90.

Figura 07 Desfile na Aldeia Amazônica

Fonte: http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2016/01/escolas-de-samba-do-grupo-especial-se- apresentam-em-belem.html

90 Na gestão do prefeito Duciomar Costa de 2005/2008 e 2009/2012 o local teve seu nome alterado para Aldeia

de Cultura Amazônica Davi Miguel. A mudança de nome foi meramente política pra ocultar a obra da gestão do prefeito anterior Edmilson Rodrigues na gestão 1997/2000 e 2001/2004, práticas recorrentes na política brasileira.

Figura 08 – Oficinas nos espaços da Aldeia Amazônica

Fonte: http://somostodosedmilson.blogspot.com.br/2011/09/quem-sabe-faz-hora-aldeia-cabana- de.html Acessado em 21 de out. de 2016

A ligação com o samba e a tradição do Carnaval ainda hoje é muito presente no bairro, mas não só de festas momescas se divertiam a/os pedreirenses de outrora, os clubes e sedes que promoviam bailes, festas e apresentações de vários grupos populares. Atualmente são raros estes clubes nos bairros um deles que resiste ainda é a Sociedade Beneficente Clube Alegria fundada na década de 1930 em funcionamento ainda hoje. Outra referência importante foi o Cine Paraíso, inaugurado em 1950 que possuía uma lotação para 1200 pessoas. O cinema possuía também um palco para apresentações de grupos de Pássaros Juninos e era um local frequentado por intelectuais, universitários e população em geral, enfim um local de efervescência cultural91. Para completar esta diversidade e profusão de expressões da cultura popular, encontravam-se também os grupos de manifestações tradicionais, como bois-bumbás, cordões de pássaros e bichos e pastorinha. Muitos grupos não existem mais e foram encerrando suas atividades por motivos diversos e a população já não demonstra o mesmo interesse como em décadas passadas, embora ainda seja possível encontrar quem resista e mantenha sua atividade. Como é o caso do Pássaro Junino Papagaio Real cuja sede é na Travessa do Chaco, 780 e coordenado pela Mestra Maria Isabel da Silva, conforme mapa abaixo.

91 Há raros materiais de pesquisa sobre o bairro da Pedreira, as informações aqui apresentadas foram

encontradas nos seguintes sítios: https://belemsemprebelem.wordpress.com/ e

http://belemantiga.blogspot.com.br/2014/10/cinema-saudades-do-cine-paraiso-quando.html Acessados em 21 out. e 2016.

Figura 09 – Localização do Pássaro Junino Papagaio Real

Fonte: Google maps 2016

Isabel é moradora da Pedreira desde tenra idade, seu pai comprou uma casa pequena de barro e palha que foi sendo modificada com o passar do tempo, assim como o bairro também92. Dada o envolvimento da comunidade com as várias expressões da cultura popular difundidas na Pedreira, Isabel não teve problemas em ter brincantes para participar de seu primeiro grupo que foi a Quadrilha Flor da Primavera, onde ela contava com um número expressivo de crianças que adoravam os festejos juninos. O grupo esteve em atividade por 23 anos sendo encerrada quando o pai de Isabel adoeceu e ela precisou dedicar cuidados a ele. Com o falecimento do seu pai, Isabel entrou para uma trupe de teatro, onde adquiriu experiência como atriz se apresentando em vários teatros em Belém. Com o falecimento do diretor da trupe, Isabel cessou suas atividades como atriz, mas as amizades e reconhecimento das pessoas do meio artístico permaneceram. Esta experiência ampliou o conhecimento de Isabel sobre as técnicas de interpretação e revelou mais um talento, o da composição musical. E com conhecimento e experiência nestas expressões artísticas Isabel agregou mais brincantes quando assumiu a coordenação do Pássaro Junino Papagaio Real, a vizinhança participava ativamente e com número expressivo de integrantes, conforme ela me relatou.

- Aí eu peguei juntei o pessoal daqui, aí eu botava, aí saia aqui o Rafael, a Rafaely irmã dele. Saía o Diego, saía dois Diego aqui comigo. Dois Diego! Saía o a a a a...como é que se diz (pausa silêncio). A Rose! A Rose, a a tem aquela outra menina loura de olhos azuis que ficou muitos anos aqui [...] saía ela de lá saía o primo dela que é até viado (ela sussurra pra

mim neste momento) ... a Tinhinha! a Tininha! E saía o Diego, o nome dele é Diego esse que

eu dizia que tinha dois Diego. Chamavam Juca pra ele. Saía também uma pequena animada! Que era ela matuta a a a como que é? a Josy, tinha duas Josy aqui. Era bacana! Tinha bastante gente. Saí uma vez com quase 60 pessoas! Ficava cheio aqui na porta. “Ei Isabel! Ei Isabel!” (imitando a voz de brincantes)

Percebemos pelo relato acima o quanto as pessoas eram interessadas em participar do grupo coordenado por Isabel, havia um forte envolvimento da comunidade, principalmente de jovens e adolescentes. E eu pude perceber o reconhecimento que a comunidade tem por Isabel, pois durante a entrevista sempre passava alguém acenando pra ela, dando um “Oi Isabel!”. Ela me olhava e dizia “Já foi brincante meu” confirmando a relação de amizade e carinho com a comunidade. A maioria dos antigos brincantes já não tem a disponibilidade dos tempos de juventude, pois assumiram responsabilidades como família e emprego que os ocupam integralmente. Isabel me disse que a/os jovens e adolescentes que moram nas proximidades não possuem interesse e ela tem que sair convidar de casa em casa para participarem, o que a tem deixado bem entristecida e preocupada. Para não deixar as atividades do Papagaio Real se encerrar, a Mestra Iracema Oliveira pediu para um brincante do Tucano a ajudar Isabel o que possibilitou as apresentações do grupo em 2015. Neste ano de 2016, Isabel recebeu uma ajuda importante que foi de um rapaz que coordena um grupo de teatro popular numa escola pública estadual no bairro da Pedreira. Ele entrou em contato com Isabel e convidou a/os docentes das oficinas para participarem das atividades do Papagaio Real no ano de 2016 e realizaram as primeiras apresentações fruto desta parceria. Esta ajuda animou muito Isabel e trouxe de volta um pouco daquela motivação de tempos passados típica das festas juninas. Mais uma vez percebi que a ligação com a comunidade é importante na manutenção das atividades dos grupos de cultura popular e no caso de Isabel, sua experiência, talento e carisma foram fundamentais para atrair até hoje brincantes para seu grupo.