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4.1 CONHECENDO AS MESTRAS E SEUS GRUPOS

4.1.11 Mestra Maria do Socorro Viegas

Entrevista realizada no dia 05 de outubro de 2015. Local: casa da Mestra no bairro do Guamá.

Nome: Maria do Socorro Correa Viegas; idade: 53 anos; estado civil: casada; prole: duas filhas e dois filhos e cinco netos; escolaridade: ensino médio completo e curso técnico em Enfermagem; profissão/ocupação: trabalha em casa como artesã e ajuda o marido em um pequeno comércio. Mestra Socorro coordena o grupo Boi de Máscara Veludinho Mirim no bairro do Guamá. O Boi de Máscara é uma manifestação popular advinda da cidade de São Caetano de Odivelas no nordeste paraense, cuja figura principal é um Boi, mas com uma estrutura diferente do Boi-bumbá sobre a qual discutirei no próximo capítulo desta tese. O marido de Mestra Socorro, seu Nivaldo Viegas é natural da cidade de São Caetano e foi ele quem deu início ao primeiro grupo de Boi de Máscara fora de sua cidade natal. Como havia muitos de seus parentes morando no bairro do Guamá, alguns deles se reuniram e decidiram montar um grupo. Então realizaram uma coleta entre eles e encomendaram a confecção de um Boi direto de São Caetano e assim surgiu o Boi de Máscaras Rei do Campo cujo coordenador é Seu Nivaldo. Mestra Socorro iniciou sua vivência com a manifestação do Boi de Máscara por meio das atividades do Rei do Campo que ensaiava na frente de sua casa e se apresentava pela cidade. Ela me disse que só depois de adulta e casada teve oportunidade de assistir e até participar de grupos de cultura popular, conforme ela me relatou quando perguntei: Não, mas

quando mana! eu era criada aqui na.... mamãe era rigorosa, não tinha essa. Eu já vim ver boi muito tempo depois que casei, o boi deles (do seu Nivaldo). E foi assim que ocorreu o

envolvimento de Mestra Socorro com a cultura popular, mais especificamente a manifestação do Boi de Máscara.

A sede do Rei do Campo era é claro em sua casa, onde seu Nivaldo e os brincantes se reuniam para ensaiar, mas o grupo tinha uma restrição que incomodava Mestra Socorro, a participação de crianças era vetada, apesar do seu desejo em participar. Aquele impedimento um dia “doeu” na Mestra e ela disse que ia montar um grupo para as crianças, embora não tenha recebido apoio da família, dizendo que ela não entendia nada de Boi, ledo engano.

Como não tinha renda, Socorro encontrou uma solução montando uma banca de Jogo do Bicho e tinha uma cliente “poderosa” que fazia muitas apostas. Durante três anos, a Mestra foi economizando dinheiro e comprando tecidos e outros materiais para confecção dos figurinos. Um dia seu irmão a convidou para fazer uma apresentação na ala pediátrica da Santa Casa de Misericórdia, ele perguntou se o grupo estava pronto, ela disse que sim e neste local foi onde se apresentou pela primeira vez o Boi de Máscara Veludinho Mirim, fazendo o maior sucesso desde sua estreia no ano de 1993. A partir deste evento Mestra Socorro decidiu cadastrar seu grupo na FCP e FUMBEL, onde teve apoio das técnicas destes órgãos e devidamente registrado, o Veludinho Mirim passou a se apresentar também nas agendas oficiais de eventos realizados pelo governo do estado e prefeitura de Belém.

Com um perfil diferenciado de brincantes, crianças e adolescentes da comunidade o grupo começou a ganhar destaque e ser chamado para várias apresentações, inclusive fora de Belém como Brasília e Recife, além de ter participado de uma cena na novela As Filhas da Mãe em 2001. Esta notoriedade acabou gerando certo ciúme entre os brincantes do grupo Rei do Campo em particular em seu Nivaldo, que tinha agora na esposa uma forte concorrente na disputa pelas apresentações e pelo reconhecimento na cidade. Mas com o passar do tempo estes sentimentos foram arrefecendo e atualmente Seu Nivaldo auxilia Mestra Socorro nas apresentações do Veludinho Mirim cantando as músicas do grupo. Como eu disse anteriormente o Boi de Máscara é diferente do Boi-bumbá é uma destas diferenças que já posso adiantar a você leitor/a é a ausência da comédia no primeiro, a apresentação é realizada somente com música e dança, como em um cortejo. As músicas executadas no Veludinho Mirim são composições do cunhado e sogro de Mestra Socorro e o seu filho que é músico transcreve para partitura. O acompanhamento instrumental é realizado por instrumentos de sopro como trompete, trombone e saxofone, além de caixa e surdo. Os dois filhos da Mestra são músicos e tocam também no grupo quando é possível. Suas filhas quando mais novas participavam também, mas atualmente só acompanham o grupo quando têm uma folga do trabalho. Os netos da Mestra tem um adolescente que toca trompete e outro menor que dança os demais ainda aguardam a vez.

Apesar da sua popularidade, o grupo Veludinho Mirim também apresenta algumas dificuldades que são as mesmas compartilhadas por outros grupos de manifestações tradicionais: a falta de brincantes. Mestra Socorro me disse como tem lidado com esta questão, o quê tem causado crítica por parte de outro/as Mestre/as: É assim. Eles... este ano

participaram. Porque é assim, a gente paga... paga brincante né?paga as despesas todinhas de transporte essas coisas e este ano ficou difícil eu levar de lá né?Tava muito pesado. Quando a mamãe era viva ela me emprestava. Ela tinha pensão e tinha aposentadoria dela, aí ela me emprestava. [...] A gente dá o lanche e um cachezinho pra eles. Por apresentação e tem os músicos ainda. A solução encontrada por Mestra Socorro acabou implicando num

aumento de suas despesas, pois é de sua responsabilidade doar todo o vestuário, o cachê de brincantes e musicistas, lanche e transporte para o grupo. Apesar de polêmica, esta tem sido a maneira que ela encontrou para continuar mantendo as atividades do Veludinho Mirim como forma de valorizar e divulgar esta expressão popular característica de uma cidade do interior do Pará.

Além do próprio gerenciamento das atividades do grupo, Mestra Socorro confecciona as máscaras e bonecos em papel mache, técnica que ela desenvolve como artesã. E também costura as roupas da/os brincantes. As apresentações não possuem uma coreografia estabelecida, mas sim um cortejo acompanhando o Boi e também interagindo com a plateia quando a/os brincantes convidam as pessoas para dançarem junto. Os músicos são contradados e trazem seus instrumentos, já a caixa e o surdo são de propriedade do grupo. Como disse anteriormente existe a dificuldade de se encontrar músicos de sopro disponíveis para tocar no grupo, Mestra Socorro conta com a ajuda do seu filho e seu neto, mas não por muito tempo, pois ambos irão se mudar de Belém e resta a ela contar com o interesse da/os brincantes ou não. Aqui tem uns de percussão que já eram ...são brincantes, mas já tão na

parte de bateria né?Agora muitos não... não tem interesse né? Porque é assim, tem só a bandinha, só a bandinha independente de Boi né? E ele toca em aniversário quase toda semana. Aí ele vai tocar e quando não tá o meu filho o meu outro, ele leva os meninos daqui sabe?Mas só que os meninos não são muito interessados pra aprender. Não se interessam muito sabe de querer vir aprender. Esta situação demonstra que apesar do esforço

empreendido pela família da Mestra em repassar adiante este conhecimento, se deparam com o desinteresse da nova geração.

Assim como outras mestras, Socorro se depara com os mesmos problemas que é a falta de brincantes e os recursos financeiros, além da falta de um maior incentivo das pessoas da comunidade. O grupo não se apresenta pelas casas e festas no bairro, nem nas escolas próximas devido à violência e também porque não há oferta de pagamento em dinheiro, já que o mesmo depende deste recurso para pagar músicos e brincantes, como pude constatar nesta fala: Agora já nem vou porque é assim olha como depois nós eu tive o senhor ali queria que

nós fosse ali para a Caraparu. Mana desde quando nós fomos lá na rua da casa da mamãe jogaram uma bomba. Eu não eu não faço questão de se apresentar em rua assim, tá muito perigoso. Hoje em dia tá muito perigoso. Muito, muito muito eu não faço nem questão. E escola não dá, já não dá mesmo. Tá tudo caro! Mas quando. Hum elas não pagam né? E nossa despesa é alta como a gente vai pagar. A entrevista de Mestra Socorro foi muito

interessante e completamente fora da minha expectativa devido à tática adotada pela Mestra em convocar brincantes para seu grupo por meio de pagamento dos mesmos. O que tem gerado alguns problemas para ela como o alto custo e a falta de compromisso dos brincantes no aprendizado da tradição. Apesar de parecer uma estratégia “equivocada” ao olhar de seus pares, eu acredito que o trabalho de Mestra Socorro tenha sua importância principalmente na divulgação de uma manifestação típica de uma cidade do interior do Pará. E que nesta luta ela prova que tem que gostar, porque se não gostar que como eu que converso com ele. Valdo o

dia que eu contigo largar mano, acabou filho nenhum... Esta declaração demonstra a

preocupação e empenho da Mestra de continuar as atividades de seu grupo. E assim nos despedimos dela para conhecermos a última Mestra desta empreitada.