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4.1 CONHECENDO AS MESTRAS E SEUS GRUPOS

4.1.7 Mestra Valderez Carrera

Entrevista realizada no dia 06 de agosto de 2015. Local: casa da Mestra no bairro da Brasília na ilha de Outeiro.

Nome: Valderez Maria Rodrigues Carrera Oliveira; idade: 60 anos; estado civil: viúva; prole: duas mulheres, dois homens e sete netos; escolaridade: ensino médio completo ela

125 Na sua pesquisa sobre as manifestações de Cordão de Pássaros e Bichos e Pássaros Juninos do Pará, o

sociólogo Carlos Eugênio de Moura, assim definiu a Matutagem: “A matutagem, coletivo que designa o conjunto de matutos, é dividida em dois blocos, que se complementam: o matuto paraense, sua mulher, o filho adolescente e um casal de compadres, com sua filha. O matuto cearense, às vezes sua mulher e filha, são representantes de outro bloco. Os personagens cômicos completam-se nas figuras do cabo e do soldado, que exercem, porém, intervenções bem menores, Às vezes até mesmo episódicas” (MORA, 1997.p. 223). Para o autor seria a parte irreverente da cena.

cursou Pedagogia por um tempo, mas não conseguiu concluir Na época eu fazia curso pago,

aí pegou o dinheiro; profissão/ocupação: autônoma trabalha com promoção de eventos.

Mestra Valderez coordena o grupo Cordão de Pássaro Bigodinho da Brasília na ilha do Outeiro e é também presidente da Associação GST Faixa Verde da comunidade onde mora. Assim como o Cordão da Pipira, o Bigodinho surgiu como criação das oficinas de Mestra Laurene contando com mais uma parceira nesta empreitada a Mestra Valderez.

Eu a conheci também no IAP onde pude estabelecer um primeiro contato e falar sobre a pesquisa. Em um segundo momento, eu pude conhecer seu grupo no evento da Revoada dos Pássaros e confirmar com ela a realização de uma entrevista. Na Revoada o grupo de Mestra Valderez merecia destaque, pois seus componentes eram todas crianças pequenas, creio que a mais velha devia ter 10 anos. Neste dia estavam todas muito agitadas com o evento, podendo ver outros grupos de Pássaros e ficaram muito empolgadas correndo pra lá e pra cá, deixando a Mestra “enlouquecida”, mas sem se aborrecer, sem reclamar. O sorriso sempre aberto e a gargalhada peculiar é uma característica de Valderez, sempre positiva diante de tantas dificuldades e sempre pronta pra ajudar as crianças da comunidade. Ela sempre está em busca de parcerias com ONGs, Igrejas, políticos, instituições públicas na busca de ações e projetos que tragam melhorias para seu bairro e em particular a área onde mora. No dia em que fui entrevistar Valderez fiquei um pouco preocupada, pois sua rua ficava bem distante do ponto final da linha de ônibus e poucas pessoas passando pela rua, de um lado um grande muro separando o terreno de um porto e do outro lado casas das famílias. Seguindo eu encontrei uma entrada para acessar a casa de Valderez numa área de poucas casas com terrenos grandes com muitas árvores e açaizeiros revelando uma paisagem bem interiorana, ficou claro para mim que estava bem distante da urbanidade de Belém. Numa rua de terra batida e com uma cerca de madeira encontrei a casa da Mestra, bem simples e pequena com um pequeno bosque em terreno ao lado, que ela chama de Bosque do Bigodinho. Nesta casa mora ela, seu filho e a esposa e seus dois netos e uma neta que estava pra nascer. Durante a entrevista com mesma, eu percebi que ela e seu filho sustentavam a família, mas com dificuldades financeiras. E esta era só mais um dos obstáculos enfrentados por ela.

A vida de Mestra de Valderez é intensa de atividades inserida no movimento social e cultural onde ela está imersa desde a infância conforme seu relato. Olha o movimento é

cultural eu eu já cresci eu acho que nele (risos). Eu ... a minha tia tinha ladainha, não sei se você lembra mês de maio, tinha ladainhas de nossa senhora né? então a gente foi crescendo ali naquele meio da ladainha minha tia tinha uma ladainha ali na Teixeirinha na Cremação

então vem da minha bisavó passou pra minha vó da minha vó passou pra minha tia da minha tia passou pra minha prima e assim foi levando né?E a gente foi acostumado ali a viver no movimento social que eu digo assim, a olhar o próximo né?. Além das atividades religiosas

com sua tia, Valderez também observava o intenso movimento de grupos juninos no seu bairro como Quadrilhas juninas, Bois-bumbás e Pássaros Juninos, quando cresceu um pouco mais começou a participar do Boi-bumbá Malhadinho como brincante, demonstrando sua longa vivência na cultura popular, como ela concluiu: Eu acho que já cresci nele, já vivi

dentro da cultura.

A experiência de Mestra Valderez foi mais como participante em grupos de cultura popular até o momento que Mestra Laurene a convidou para participar da oficina de criação de Pássaros que ela assume pela primeira vez a coordenação de um grupo. O processo de escolha do nome do grupo tem uma história engraçada como nos narra a Mestra: Fizemos a

reunião com as crianças aqui e o meu vizinho. Aí era pra escolher o nome do Pássaro um queria Arara já tinha, outro queria Tucano já tinha, outro queria um... aí tudo tinha!Aí então vamo botar um nome é vamo ver qual que passa vamo votar. Aí o menino aqui do lado disse. “Não é bigodinho, porque tem...não é bigode, eu tenho um bigode”. Aí não, não tem, aí é isso. Aí ele foi pegar o bigode, defender (risos). Provar, foi defender o nome que ele escolheu, aí ele trouxe o bigode na gaiola, pronto aí ficou bigode. E desta maneira o grupo foi nomeado

como Bigodinho da Brasília, o diminutivo do nome porque somente crianças participam do mesmo.

O grupo está em atividade desde 2005 e tem como característica a participação somente de crianças como brincantes uma decisão tomada pela Mestra Valderez, só criança,

estrategicamente criança. Por que criança? Criança é mais fácil de você lidar. Você tá com uma jovem adolescente, assim de 15 16 anos ela já mente que vem pro grupo e vai namorar. Aí o pai não aceita né? E lá tira aí tá. Criança não, é mais obediente, apesar dos meus serem levaaaados minha nossa senhora! Mas entre um grandão e um menor prefiro um pequeno porque é mais fácil de lidar! Além dos motivos já narrados por Valderez ela também em

confessou que a escolha por brincantes menores se dá pela economia de tecidos na confecção dos figurinos, a economia doméstica se estendendo até o Pássaro. A dificuldade de encontrar financiamento para montar o grupo e mesma enfrentada pelos demais, Valderez não conta com ajuda de ninguém, nem mesmo da/os responsáveis das crianças para ajudá-la. Então ficam ao seu encargo todas as despesas do grupo que ela procura sanar comprando as coisas com seu próprio dinheiro ou fazendo promoções para angariar fundos. Ela conta com a ajuda

de algumas vizinhas para costurar as roupas e também com seu vizinho para acompanhar as crianças em dias de apresentação, principalmente em Belém que fica um pouco distante da ilha.

A organização das apresentações do Bigodinho são todas elaboradas por ela, que se diz a “X-tudo” do grupo. Com a ajuda do Seu Raimundo Nogueira, aquele do Boi Estrela D’Alva, ela tira dúvidas com ele sobre as músicas do grupo e quando pode também acompanha o grupo nas apresentações. A peça do Bigodinho é escrita por ela que apresenta temáticas voltadas à questão ambiental. No meu grupo é o único que tem as deusas da mata.[...]. Tipo

bons espíritos então vamos ver quem protege? A água né? Aí eu fui PA ... aí foi que eu fiz a deusa da mata, a deusa do sol, a deusa da água. E é o único que tem é meu grupo. Aí já coloquei um Curupira (risos). Já o repertório musical é composto por músicas de autoria da

Mestra e também aquelas já gravadas por outra/os artistas como ela justifica: Como eu mexo

muito com meio ambiente, preservação do meio ambiente eu botei na valsa do Roberto Carlos “Quem sabe o museu no futuro vai guardar em lugar...”(canta este trecho) né?Do xote, é aquele xote ecológico, e a... e o carimbó, a gente põe e ainda tem do Verequete onde eu faço a cura do Pássaro (risos). O acompanhamento instrumental é realizado basicamente

por instrumentos de percussão, que estão presentes quando Seu Raimundo pode ir com o grupo, pois o mesmo não possui os instrumentos musicais e a Mestra não tem recursos para pagar o contrato de músicos. Para sanar este problema, Valderez geralmente grava um CD com as músicas do grupo e utiliza nas apresentações, quando não o perde, pois na maioria das apresentações ele é perdido e Valderez tem improvisar “na garganta”, como ela me disse. Os ensaios são coordenados somente pela Mestra que ensina as músicas, a encenação da peça, a entrada e saída no palco e coreografia, às vezes pode contar com a ajuda do Seu Raimundo.

Assim como Mestra Jurema e Mestra Iara, Valderez tem na prática do Cordão de Pássaro uma opção de atividade de lazer e cultural para as crianças do bairro, pois todas são provenientes de famílias pobres que vivem numa área de baixo status social em áreas de invasão/favela. A maioria das crianças mora distante da casa da Mestra ocasionando em mais uma dificuldade pra ela que tem que pegar e deixar cada uma em casa para os ensaios e apresentações e infelizmente não conta com a ajuda da/os responsáveis. O grupo do Bigodinho tem a maioria de suas apresentações realizadas na ilha do Outeiro, pois é mais fácil para o deslocamento das crianças e onde Valderez recebe vários convites dado as suas relações com associações de moradores, igrejas católicas, escolas e a própria Mestra Laurene.

A minha primeira impressão sobre Mestra Valderez é da sua alegria, ela tá sempre rindo dando gargalhada e sempre acelerada buscando resolvendo os problemas da família, do seu grupo, das dificuldades da comunidade, enfim uma pessoa que está sempre em busca de melhorias para si e para sua comunidade. E as atividades com as crianças é seu grande prazer e diversão é o Bigodinho como meu confessou com sua gargalhada peculiar: eu brinco de

fazer Pássaro, entendeu? Porque meus bebês são assim. Tem dia que tu morre ...tem dia que eu morro de ri das apresentações deles (gargalhando). E desta maneira, com esta risada

gostosa de Mestra Valderez me despeço de sua narrativa, não se esquecendo de sua atuação importante em prol de melhoria de vida para as pessoas de sua comunidade e principalmente pelas crianças por meio de suas ações culturais e ativismo político.