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4.1 CONHECENDO AS MESTRAS E SEUS GRUPOS

4.1.9 Mestra Iraci de Oliveira

Entrevista realizada no dia 17 de agosto de 2015. Local: casa da irmã da Mestra no bairro do Telégrafo em Belém.

Nome: Iraci de Oliveira Martins; idade: 74 anos tem mulher pra tudo ainda (risos); estado civil: separada viúva de marido vivo; prole: um casal consegui graças a Deus fui mãe e

pai de meus filhos tem seis netos e quatro bisnetos tenho um bocado, eu acho; escolaridade:

ensino fundamental incompleto; profissão/ocupação: dona de casa. Mestra Iraci coordena o grupo Pássaro Junino Ararajuba e a Pastorinha Rosas de Judá no bairro do Carananduba na ilha de Mosqueiro. Mestra Iraci faz parte do clã Oliveira, filha de Seu Francisco Oliveira e irmã de Mestra Iracema Oliveira, sendo uma pessoa que possui longa vivência com a cultura popular desde criança quando brincava nos grupos de seu pai. Iraci já participou de muitos grupos juninos na cidade de Belém eu já fiz de tudo de peça, o único papel que eu não fiz que

eu não gostava mesmo era feiticeira e matutagem, mas que o resto tudo. E fada que eu nunca fiz, mas o resto marquesa, duquesa, imperatriz, índia branca. Além de atuação nos grupos de

Pássaros Juninos, ela também tem experiência com o Carnaval exercendo atividades como sambista, presidente de escolas de samba e costureira já fui sambista de escola de samba

entende tudo isso. Fui presidente de duas escolas de samba também que era a Acadêmicos da Terra Firme e Grito da Liberdade. Eu confesso que a antes de entrevistar Iraci eu estabeleci

um padrão a partir de Iracema e duvidei que a entrevista fosse tão interessante e tão reveladora de informações, ainda bem que me enganei. Mestra Iraci possui uma experiência com a cultura popular tão significativa quanto à sua irmã e um pouco além pela sua atuação no carnaval de Belém e na ilha de Mosqueiro onde mora há mais de 60 anos.

Durante sua infância e juventude Mestra Iraci participou de grupos de Pássaros Juninos como brincante, interpretando várias personagens. Já na idade adulta ela passa a auxiliar alguns grupos como coordenadora até ter seu próprio grupo que ela iniciou com o Pássaro Junino Pavão de Icoaraci, este grupo pertencia a sua irmã Raimunda Oliveira e que por questões de saúde teve que encerrar as atividades do mesmo. Então Iraci pediu o grupo pra sua irmã e continuou suas atividades em Mosqueiro apresentando o Pavão por dois anos, quando seu sobrinho Arles, filho de Raimunda, pediu a volta do grupo pra Icoaraci. Depois de o Pavão ter voado pra Icoaraci, Mestra Iraci criou o Pássaro Junino Ararajuba em 2002, ela escolheu este pássaro porque ele tava em extinção e seria uma maneira de chamar atenção a esta questão ambiental. E pra você vê que parece que tudo tem que acontecer em certo... eu

não gosto eu sou brasileira tudo bem, eu sou brasileira, mas não gosto do verde amarelo assim junto. Eu gosto assim eu gosto do verde eu gosto do amarelo, mas separado. Junto assim eu não gosto e acabou que eu vim botar a Ararajuba que é verde e amarelo. O grupo

teve como brincantes as próprias pessoas da comunidade em Mosqueiro, como Iraci se mudou para o bairro do Curuçambá ela levou o grupo pra lá e continuou suas atividades com a/os moradora/es locais. A partir desta mudança ela vai contar com a ajuda de sua sobrinha Rosa que também tem experiência na cultura popular por meio de seu grupo de cultura regional Iaçá, sendo uma parceira importante para a manutenção das atividades do Pássaro Ararajuba.

A parceria com Rosa agregou nova/os brincantes para o grupo provenientes da ilha de Mosqueiro, onde mora Mestra Iraci, do bairro do Curuçambá, onde ela morou, e mais recentemente do Iaçá grupo da Rosa. Esta tática utilizada por Mestra Iraci foi à tentativa de manter o grupo, como ela justificou: pra mim conseguir colocar ela senão não consigo mais

porque brincantes lá mesmo não tenho suficiente pra... entendeu?Tem muita igreja evangélica que eu acho que não tem nada a ver isso isso é uma cultura isso é um trabalho né? Mas... cada qual com seu cada qual. Diferente de Mestra Gilda, Mestra Valderez e

Mestra Ângela que não encontram empecilhos na participação de brincantes de religião evangélica em seus grupos, o mesmo não ocorre com Mestra Iraci, que vê nesta opção religiosa um impedimento, demonstrando que esta situação não é unânime e que cada comunidade tem sua maneira de se relacionar com as manifestações da cultura popular, sejam ela conflituosas ou conciliadoras. E já que estou falando de brincantes, no grupo Ararajuba há diversidade de faixa etária como informou Iraci: é a mistura da primeira até terceira idade

porque porta-pássaro quanto mais pequenina pra mim mais eu gosto. Todas e todos

provenientes dos diferentes bairros, como já informado. O repertório musical é composto por antigas músicas do pai de Iraci, algumas com adaptações que ela faz tem uma da feiticeira que

às vezes eu troco as letras né?Tem uma do soldado. A gente vai adaptando uma letra num...entendeu? Eu perguntei se ela compunha músicas e sua resposta foi que “quando bota

na cabeça” ela compõe algumas, mas utiliza mais músicas compostas por seu pai. Já as peças são escritas por sua irmã Raimunda que sempre revelou habilidade para esta atividade, como me disse Iracema. Mestra Iraci me informou que não se dedica a composição de músicas ou escrita de peças devido a sua indisponibilidade de tempo conforme me afirmou: Pra mim

mesmo eu não tenho tempo. Porque eu é que faço tudo as roupas bordo! Entendeu? E quando termino uma época eu já to fazendo outra coisa, às vezes pra mim passar a peça a limpo já é difícil. Às vezes eu mando aqui pra Rosa.[...]Aí tem umas peças do meu pai que a gente já

quase não tá enxergando e tem que passar a limpo entendeu? É isso. Aí a gente vai guardando e depois só a gente adapta a peça, porque não tem quem tire mais. Assim como

Iracema, ela também tem mantido o legado do seu pai, por meio da transcrição e adaptação das músicas e textos que ele escrevia, assim como da sua irmã Raimunda, embora não tenha “tempo” para se dedicar a criação de novas peças e composição de novas músicas, Iraci tem uma importante contribuição que é a de manter este repertório atualizado e difundido nas apresentações que realiza com seu grupo.

Quanto ao acompanhamento instrumental mais uma vez a parceria com Rosa tem se mostrado importante, pois são os músicos do grupo Iaçá que tocam no Pássaro Ararajuba, com um conjunto composto por flauta, banjo, violão, curimbó, tambor e maracás dando um bom suporte instrumental para a/os brincantes. Mas antes desta parceria não era assim conforme Iraci me revelou: antigamente quando era lá do Mosqueiro a gente vinha só com

umas batucada mesmo porque a ajuda que eles dão não dá pra gente pagar um ônibus de lá que é caro pra trazer e ainda pagar músico. E lá é difícil a gente achar músico, é difícil, lá é difícil muito difícil. Mas, claro que tudo não são flores para estas mulheres, mesmo com a

ajuda da Rosa, os músicos do Iaçá pedem pagamento e Mestra Iraci ainda sente dificuldade para quitar estes cachês, mas ela diz que vale a pena porque a/os brincantes ficam mais

empolgados e quando não tem música a gente sente que até eles ficam tristes. Esta nova

relação com os músicos e dificuldade na contratação devido aos custos é bem diferente do período em que Mestra Iraci brincava em sua juventude, quando os grupos possuíam orquestras para acompanhá-los e vários locais para apresentação, já nos dias de hoje... a gente

pra levar dois instrumentos já rebola. Esta situação demonstra mais uma das dificuldades que

ela tem que superar para manter seu grupo em atividade.

Outra questão bastante enfatizada por Mestra Iraci é a falta de interesse dos brincantes em participar de grupos de cultura popular que ela acredita ser culpa da religião e também o desconhecimento por parte dos mesmos sobre as manifestações populares. Ela me disse que esse é seu principal empecilho, pois a falta de recursos financeiros é contornável até porque Iraci sabe confeccionar os figurinos e bordar também, conhecimento que ela passou para seu casal de filhos e até mesmo a/os brincantes ensinando esta habilidade. Sua dedicação à cultura popular é muito intensa e sempre tá buscando desenvolver atividades com Pássaro Junino, grupos de dança regional e Carnaval, ou seja, seu desejo é sempre ter “palco cheio” com muitas pessoas brincando. Os ensaios são auxiliados por ela e sua sobrinha uma parte de

brincantes ensaia com Iraci em Mosqueiro e outra parte com Rosa, quando se aproxima a quadra junina os dois grupos se encontram para ensaiar.

Como eu confessei no início desta narrativa, eu achava que a entrevista com Mestra Iraci não seria tão empolgante quanto à de sua irmã Iracema, mas fui convencida do contrário, pela sua profunda experiência com a cultura popular iniciada desde a sua infância como brincante. A vivência adquirida por meio da participação em diversos grupos de Pássaros Juninos e posteriormente com escolas de samba foi marcante para Mestra Iraci, fazendo com ela montasse seus próprios grupos de Pássaro Junino, dança regional, Pastorinha, blocos de carnaval oferecendo a comunidade mais alternativas lazer. É claro que nem sempre ela tem amplo apoio da comunidade o que reforça sua reclamação da falta de brincantes. Mas assim como as demais Mestras, Iraci se sente impelida a continuar suas atividades pelo amor que sente pelas manifestações populares que sempre estiveram presentes em sua vida iniciadas por seu pai e que ela traz como legado a ser continuado por ela. Creio que este relato deixa claro pra você leitor/a o que motiva Mestra Iraci: A gente luta com sacrifício, a gente lida com

gente pobre né? Mas, aí dá vontade da gente desisti mesmo aí quando vai se aproximando já fica aquela tristeza, entendeu?Assim acontece comigo, teve um ano que quase que eu não botava, mas eu peguei... acho que não peguei uma depressão não sei nem porque acho que não era pra dar mesmo. Mas é amor mesmo que a gente já tem né? É o costume. Vamos

conhecer outra Mestra?