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CIDADANIA EM CONSTRUÇÃO: POSSIBILIDADES E LIMITES NO PROCESSO DE “EXCLUSÃO”/INCLUSÃO

DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO POPULAÇÃO POR SEXO, RESIDENTE POR SETOR CENSITÁRIO, REGIÃO DO MORUMBI, SÃO PAULO,

3.3 O bairro Real Parque

O bairro Real Parque, no distrito Morumbi, é uma amostra de um pequeno Brasil, pois aí existe um pouco de tudo: nordestinos, mineiros, índios, aristocracia (moradores empresários, cônsules, artistas), alta burguesia e todas as demais classes sociais. Dados de mapeamento, via mapas cartográficos, baseados nas informações do IBGE (2000), permitiram a projeção de alguns dados que serão apresentados.

Entretanto, tornam-se necessárias algumas considerações sobre os indicadores de pobreza. Não é propósito deste trabalho discutir as diversas abordagens de classificação da pobreza22 por não se tratar do tema desta investigação. No entanto, far-se-á breve comentário sobre o Relatório da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU, 2006). O PNDU é um grande pacto de construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, pautado na ação democrática, descentralizado e com participação popular, visando à coordenação e à integração dos investimentos e ações do Mi nistério de Estado das Cidades. Este relatório funciona como pano de fundo no sentido de não restringir a análise da pobreza à mera carência material e à insuficiência de renda. Trata -se, no entanto, de

um fenômeno complexo, mensurável por diversas metodologias e que têm como ponto de partida a insuficiência de renda que estabelece a chamada linha de pobreza, parâmetro de atendimento às necessidades básicas do indivíduo, em tempo e lugar determinados, e de indigência que leva em conta apenas o atendimento das necessidades alimentares. A educação é ressaltada como indicador de desenvolvimento humano, embora receba algumas críticas no sentido de como é vista. Demo (1996) considera que o relatório aborda educação com a restrita visão de “adquirir conhecimentos” (DEMO, 1996, p. 71-72), ficando na esfera do treinamento. A tendência moderna das teorias educacionais defende a importância “do saber pensar e do aprender a aprender” (DEMO, 1996, p. 72), e não a do “adquirir conhecimentos” para que o indivíduo possa enfrentar o desafio do poder econômico e político. A face qualitativa da pobreza no que se refere à educação é “a dificuldade de uma população dotada de apenas 4 anos de escolaridade intervir e inovar, pois a rigor ‘não sabe pensar’” (DEMO, 1996, p.75).

O relatório coloca também que o crescimento econômico é importante para o crescimento humano, mas não é em si o objetivo último do processo e que por si mesmo não garante a melhoria do nível de vida da população. Também ressalta que a pobreza constitui fonte de degradação ambiental, o que Demo discorda por observar que quem polui o meio ambiente não são os pobres e sim os ricos. Para este autor é importante vislumbrar uma ótica da pobreza com outras facetas qualitativas, como cidadania e participação popular associativa e não restringir o problema da pobreza à questão de renda apenas.

Prates (1990) aponta que, embora ocorram algumas críticas em relação a este tipo de abordagem, considerando que a renda é uma variável subjetiva, e não se pode determinar precisamente quais as necessidades individuais, uma vez que variam de individuo para individuo, existe uma vasta aceitação como indicador da existência da pobreza. Assim sendo, considera-se pobre a família que possui a renda abaixo do que se considera um mínimo determinado - da linha de pobreza (aquela que não possui recursos para obter alimentação, habitação, lazer, transporte) - usualmente aprovados pela sociedade à qual pertencem, levando-se em conta certo nível nutricional, habitacional, vestuário, transporte e afins. Feitas estas considerações iniciais, passa-se a considerar o fator renda nesta análise, pois se trata de um dos mais gritantes fatores do bairro Real

Parque, embora se dê realce a dados qualitativos, como é o eixo orientador do relatório do PNUD.

No bairro Real Parque, sem excluir os moradores da favela, ressalta - se a classe mais rica que, com uma renda média mensal do responsável, por domicílio, de 37 salários – mínimos 42% dos responsáveis possuem curso superior, com média de 11 anos de estudo. A idade média do responsável pelo domicílio é de 45 anos sendo que 27% das mulheres são responsáveis pelo domicílio. A densidade demográfica é de 7.622 habitantes por Km2. Há, em média, 4 residentes por domicílio, 0,78 banheiros por habitante, sendo que do total de domicílios, 59%, são próprios e quitados.

Quando se eliminam os excluídos (favelados) desta prospectiva, os dados tornam-se mais elevados ainda, o que mostra com clareza o grande contraste social. A renda média mensal de 37 salários mínimos sobe para 47. O percentual de pessoas com nível superior salta de 42% para 52%, e os anos de estudo do responsável pelo domicílio vão de 11 anos para 12 anos. A idade média do responsável pelo domicilio se eleva de 45 para 47 anos. O percentual de mulheres responsáveis por domicílio decresce de 27% para 26%. A densidade geográfica de 7.622 hab/Km2 cai para 6.072 hab/Km2. O número de residentes por domicílio vai de 4 para 3. O número de banheiros por habitante sobe de 0,78 para 0,94, e o percentual de 59% de domicílios próprios quitados se eleva para 67%.

Mais adiante, serão discutidos os dados da favela Real Parque, mas não é difícil perceber as diferenças gritantes que chamam a atenção de qualquer observador logo no primeiro momento. De um lado, prédios magníficos e bem elaborados, pertencentes à classe A1, de São Paulo e, de outro, as favelas do Real Parque, também conhecidas como favela da Mandioca. Outras duas favelas fazem parte da área do Real Parque: a favela Panorama e a Porto Seguro. Junto a essa heterogeneidade local, há nas duas primeiras favelas uma etnia indígena: os índios Pankararu, que se encontram dispersos entre barracos e num prédio do Cingapura.

Apresentam-se, em anexo, fotos diversas colhidas pela autora, que ilustram o que se vem discutindo e para que se tenha uma idéia da realidade local:

A população Indígena perfaz um total de 580 índios Pankararu,23 moradores de barracos nas favelas Panorama, Real Parque e no prédio Cingapura.

Embora este não seja o foco da pesquisa, um estudo mais aprofundado acerca dos índios Pankararu deve ser priorizado, pois trata-se de índios que moram em favelas ou em prédio do Cingapura, na região do Morumbi, São Paulo, ao lado de uma classe privilegiada e que, sem dúvida , ressalta a diversidade . Por isso, torna-se relevante inserir um breve histórico desta etnia.

Os Pankararu são remanescentes de um grupo mais amplo de índios do sertão ou Tapuia. Supõe-se que eram habitantes do litoral, quando foram expulsos pela expansão dos Tupis. Como encontraram resistência do grupo Jê em seu avanço para o Oeste, estabeleceram-se no vale do rio São Francisco, na altura da cachoeira Paulo Afonso, no limite entre os Estados da Bahia e Pernambuco.

O dialeto falado pelos Pankararu apresenta elementos da língua Jê e Tupi. Remonta ao século XVll o primeiro encontro dos Pankararu com os missionários, que em processo de catequização, fundaram o aldeamento de Brejo dos Padres, no interior de Pernambuco, onde hoje se encontram os municípios de Petrolândia e Tacaratu.

No século passado, o Imperador Dom Pedro ll concedeu a posse de terra de 14 mil hectares aos Pankararu, por terem participado da Guerra do Paraguai. Durante o Governo Getúlio Vargas foi feita uma segunda demarcação e esta área foi reduzida a 8.100 hectares. Em DOU24, 14 jul. 1987, é homologada a demarcação da área indígena Pankararu, pelo presidente José Sarney.

A presença de posseiros na reserva Brejo dos Padres está provavelmente associada ao avanço de pequenos agricultores durante o ciclo da cana-de-açúcar no Nordeste quando se inicia, então, a partir da década de 40, o conflito entre os índios e os posseiros. Em 1979, com o começo das obras da Hidroelétrica de Itaparica, no rio São Francisco, centenas de famílias de posseiros foram desalojadas do local e nova invasão das terras Pankararu ocorreu. A diminuição da reserva pela presença de posseiros, favoreceu, desde a década de

23 Dado fornecido pelo Sr. Frederico, Presidente da Associação dos Índios Pankararu. 24 Diário Oficial da União.

50, a migração dos índios aos centros urbanos do Sul. As primeiras famílias que se fixaram em São Paulo o fizeram no Real Parque, em pequenas casas ou chácaras, na época da construção do Estádio Cícero Pompeu de Toledo.

Segundo alguns relatos, o número de índios habitantes na favela Real Parque já chegou a mil. Há de se notar que sua maior concentração é no bairro Real Parque, porém existem famílias nos bairros Paraisópolis, Grajaú, Capão Redondo, Embu e Guarulhos.

Segundo depoimento dos representantes dos indígenas em São Paulo, atualmente, 30% dos índios estão desempregados. Dentre as ocupações mais comuns entre os homens, estão as de: vigia, porteiro, faxineiro e trabalhador da construção civil. Entre as mulheres, as de empregada doméstica ou faxineira.