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A tentativa de inclusão dos excluídos através do núcleo de cooperativa do Real Parque: o ReciclaReal

PARCERIA COM AS EMPRESAS

VII. OS COLETORES DE LIXO DO RECICLAREAL: UMA CIDADANIA EM CONSTITUIÇÃO

7.3 A tentativa de inclusão dos excluídos através do núcleo de cooperativa do Real Parque: o ReciclaReal

Todos os sujeitos pesquisados encontravam-se desempregados no momento em que aderiram ao ReciclaReal.

Antes de trabalhar no ReciclaReal, eu trabalhava como cozinheira, e nos finais de semana eu fazia bico de segurança no salão de festas. Fazia

bolo de aniversário, salgadinho e ainda continuo entregando meus

salgadinhos, só que agora eu só entrego salgadinhos num bar só, mas eu ainda continuo fazendo meus salgadinhos. (Maria do ReciclaReal)

Eu trabalhei de segurança, trabalhei de auxiliar de limpeza, trabalhei em restaurante. Na cozinha lavando panela. É... mas depois eu saí, fiquei

desempregado e vim prá cá. Dois anos.... quando eu vim prá cá, a

cooperativa já estava funcionando. (Paulo da CooperAção)

Eu resolvi trabalhar aqui porque eu já estava dois anos parada. Estava desempregada, dois anos desempregada. (Imaculada da CooperAção) Bom, eu fiquei parada muito tempo, estava até passando necessidade, aí foi quando eu fiquei sabendo da coleta seletiva, aí eu conversei com um padre que tem lá perto de casa, que ele também é envolvido com coleta... Padre Tião, aí ele foi conversou com o Sr. Wilson, com a menina lá, e conseguiram uma vaga para mim, e ajudou bastante, né? Pelo menos eu pago alguma coisa para minha filha, pelo menos a comida deles não está faltando, que nem tava faltando a uns tempos aqui. E eu dou graças a Deus de ter arrumado pelo menos aqui... (Fátima da CooperAção)

Trabalho aqui há dois meses. Antes eu trabalhava lavando caminhão em Pernambuco. Comecei a trabalhar com meu irmão. Lavar caminhão é bom, dá prá sair mais dinheiro, mas o problema é o desemprego, sabe?

Tem a profissão, mas não tem o emprego... já recebi R$ 214,00. (...) Eu

vim prá São Paulo prá trabalhar, e depois com o tempo voltá, prá conseguir alguma coisa na vida, com a mulher que eu tenho. (...) A gente

tá [referindo-se a situação de desemprego], uma pessoa fraca uma pessoa fraca mas se tiver fé em Deus a gente consegue. Pode

Sinto... Aí o jeito é trabalhar aqui não está muito bom, mas aqui é

melhor do que lá... Toda noite eu rezo, eu tenho uma oração tá bom

demais, ela conversa comigo, telefona prá mim... É... vai completar um mês... (José do ReciclaReal)

Eu perdi tudo no incêndio há dois anos e estou há 8 meses no Recicla

sinto bem porque não estou desempregada e o dinheiro tem ajudado. Não é muito, mas ajuda. Prá mim mudou muita coisa, que eu tava...

[desempregada]. Esse pouco que eu ganho já dá prá mim comprar um ...

Eu compro comida pros meus filhos, pra ele (referindo ao companheiro) comprei uma televisãozinha a cores, que a gente ia ver na casa dos outros... Essas coisas que sobram, dá mandar pra ele. (Madalena do ReciclaReal)

Hoje me considero uma pessoa feliz... Antes não... Agora sim. Eu não sentia feliz. Estava parada. É. Sei que chega aquele dia e posso comprar minhas coisas, num falta nada... Aí eu fico mais feliz. (Rosa da CooperAção)

É que eu sinto mais a vontade, o pessoal aqui é conhecido... Aí e a gente sente mais a vontade e trabalha. Antes tava desempregado... Três

anos. Nada consegui emprego, estava ruim de emprego. (Tiago do

ReciclaReal)

Os sujeitos entrevistados se encontravam no momento da pesquisa, em uma faixa etária de plena força de trabalho. Referem-se a estar “parados” ou sem emprego há dois ou três anos. É comum esta expressão estar “parados”, como se percebe nos depoimentos da Rosa e Fátima. Segundo Singer (2003, p. 31) “os pobres raramente podem se dar ao luxo de ficar ‘desempregados’. Os pobres ficam "parados quando a procura por seus serviços cessa, mas eles não podem permanecer nesta situação muito tempo”... Se isto ocorrer estão sujeitos a passar fome, como é o caso da Fátima. Quatro dos entrevistados fazem referência à palavra desemprego. É o caso de Paulo, Marcelo, Madalena e Tiago. Parece estar havendo mudança no vocabulário de “parado” para “desempregado, pelo menos no que diz respeito a estes sujeitos. “Tem a profissão”, diz Tiago, mas “não tem emprego”.

Todos trabalhavam antes e faziam parte do “grupo periférico de tempo integral”, cujas habilidades são facilmente disponíveis no mercado de trabalho e também substituídos facilmente por máquinas ou outros trabalhadores. Numericamente, apresentam maior flexibilidade e menor segurança no emprego, como já enfatizado por Harvey (1992). A vulnerabilidade desses trabalhadores em relação ao emprego é muito grande e a qualquer momento são expurgados e

substituídos. Pertencem a profissões como: cozinheira, ajudante de cozinha, faxineira, jardineiro, lavador de caminhão, auxiliar de limpeza.

Quando desempregados ficam muito tempo perambulando em busca de emprego ou qualquer ocupação que lhes dê renda. Como não foram capazes de melhorar profissionalmente e nem em termos de educação formal, deparam-se com a concorrência que é muito grande, não conseguem alterar o seu destino. Desta maneira, ficam expostos à própria sorte, incapazes de se organizar e produzir uma outra história. Como se pode verificar, cinco dos entrevistados eram analfabetos e os outros três, possuíam o ensino fundamental incompleto.

Demo (2001, p. 87) afirma que “além do capital expropriar o trabalhador, também o imbeciliza, reduzindo-o a objeto de manipulação”.

Ao lado da pobreza material existe a pobreza política que “ressalta no pobre para além da condição de expropriado materialmente, o fato de que o expropriado é ignorante ou mantido ignorante com respeito a esta condição. (...) Gramsci talvez tenha sido a voz mais forte nesta direção: para retirar o pobre da pobreza, condição fundamental é superar sua ignorância....” 36 (DEMO, 2001, p. 88).

Schwartzman (2004) menciona que, estudos realizados por diversos economistas, ressaltam que existe uma forte relação entre educação e competência tecnológica. Investir em educação traz retornos privados e sociais expressivos. O Banco Mundial vem divulgando pesquisas nos últimos anos em que a política educacional e o desenvolvimento cientifico são condições chaves para o crescimento econômico. O mesmo autor, endossando as palavras de Durkheim e Sarmiento, afirma que: “... o conhecimento tornou-se o fator mais importante no desenvolvimento econômico” (p. 150).

36 Schwartzman (2004) afirma que em relação à questão da educação, existe uma grande polêmica entre os autores. Os sociólogos levantam duas questões a respeito da educação institucionalizada. A primeira que ao desenvolver competências no estudante, transfere-se o filtro às pessoas que terão posições de poder, renda e prestigio. Independente da habilidade técnica e profissional, a educação formal passa a ser um critério de seleção. Em segundo lugar, o acesso a cargos mais valorizados estaria sempre atrelado à qualificação formal e diplomas. Em tal tendência há o perigo de “substituir o conteúdo pela forma”.

Na América Latina a expansão da educação não vem sendo acompanhada por aumento de habilidades da população, visto o ensino formal ser alienante e não problematizador. Para maior aprofundamento sobre o assunto ver: Simon Schwartzman: Pobreza, exclusão e modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo, 2004; e Pedro Demo: Cidadania pequena, 2001.

Todos os entrevistados eram provenientes de outras regiões do Brasil: Nordeste e, mais especificamente, Pernambuco. Deslocaram-se de regiões do Brasil onde a pobreza é maior do que a de grandes cidades, como São Paulo. Cidade que está presente no imaginário de todos aqueles que não têm empregabilidade em sua terra natal.

Como já vimos anteriormente, a taxa de desemprego diminuiu nos últimos tempos (2003, 2004, 2005) na metrópole de São Paulo. Segundo dados apontados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2005): de 12,3% em 2003 para 11,5% em 2004 e 9,8% em 2005 – mas, em 2006. Os dados do PED em pesquisa realizada pelo SEADE e DIEESE, apontam um aumento de 16,3% para 16,9% no que se refere ao desemprego total (aberto e oculto). Na verdade, não há emprego para todos. A não-inserção no mercado de trabalho leva à não-inserção social e familiar. Para que sejam satisfeitas as necessidades humanas básicas é necessário ter renda. E se estas necessidades não são satisfeitas, perde-se a dignidade. É o que foi retratado nos depoimentos seguintes.

Para os cooperados do ReciclaReal, trabalhar na cooperativa tem um significado que vem antes do significado de cidadania. Resgata o sentido moral, que vincula o individuo à vida e à vontade de ter um futuro e direito a ter esperança: dignidade humana, o respeito a si mesmo, capacidade de valorizar mais a vida. Também significa aprendizagem, amadurecimento, bem como abrir uma perspectiva de aumentar o seu rendimento se trabalhar mais. A renda depende do esforço pessoal e da dedicação em coletar e vender cada vez mais, como se verifica no seguinte depoimento:

As coisas boas que mudaram na minha vida, é que hoje em dia eu tenho

mais dignidade; hoje em dia eu aprendi mais. (...) aprendi a dar mais valor às coisas; hoje em dia eu sei que eu posso e vou conseguir cada

mês que se passa um dinheiro a mais; aprendi o que é reciclagem, porque eu não sabia nada disso. (Maria do ReciclaReal)

É um trabalho em que as pessoas se sentem mais à vontade, valorizadas e com mais força de enfrentar a vida, com “potência de agir” 37, como

37“... um indivíduo é antes de mais uma essência singular, um grau de potência. (...) esse grau de potência corresponde um certo poder de ser afectado.(...) esse poder de ser afectado é necessariamente preenchido pelas afecções.(...) Há duas espécies de afecções: as acções, que se explicam pela natureza do indivíduo afectado e derivam de sua essência; e as paixões que se explicam ‘por outra coisa’ e provêm do exterior. O poder de afectado apresenta-se então como

relata Deleuze (sd) ao comentar sobre Spinoza, recuperando os fracassos enfrentados na vida. Eles querem provar que são capazes. É o que se nota no depoimento de Tiago e Madalena.

É que eu me sinto mais à vontade, o pessoal aqui é conhecido... Aí a gente se sente mais à vontade e trabalha. (Tiago do ReciclaReal)

Eu me sinto bem, mais valorizado porque sou jardineiro e estou

desempregado há três anos e tive esta oportunidade de emprego. Nesses três anos eu procurei emprego eu não consegui, estava ruim de

emprego. Tinha preocupação em ganhar dinheiro. (Tiago do

ReciclaReal)

Meu irmão também gostou, saiu porque precisou, mas ele também gostou,

ele modificou o seu comportamento, valorizou mais a sua capacidade e amadureceu bastante. Meu irmão falava que aqui era legal, que não

queria sair daqui... Meu irmão também gostou do serviço, saiu daqui

chorando. Com saudades e chorando... (Tiago do ReciclaReal)

É bom trabalhar aqui... Depois tá todo mundo rindo, nada de chorar, quando tem alguém de cara fechada,... não tem nada a ver o meu problema com a cara feia... Dar risada, falar besteira... Nada de briga, de cara feia... Dando risada e não chorando... Poder enfrentar a vida como

ela é... a realidade ...eu não vou abaixar a cabeça e começar a chorar... (Madalena do ReciclaReal)

Apesar de os sujeitos afirmarem que trabalham mais à vontade, preferem ter um emprego formal, acreditam que trabalhar registrado é melhor. Sem dúvida, trabalhar com carteira assinada garante os direitos sociais de um salário fixo que não oscila em decorrência das vendas e do preço do mercado dos resíduos sólidos. Além disso, garante outros direitos trabalhistas, repouso semanal remunerado, ticket refeição, vale transporte, férias remuneradas, 13º salário, auxilio doença, aposentadoria, fundo de garantia e outros mais. Isto tem um peso muito grande para o trabalhador, que no caso do trabalho cooperativado, inexiste.

potência de agir, quando se supõe preenchido por afecções activas, e apresenta-se como potência de padecer, quando é ocupado pelas paixões.(...) o próprio da paixão, em qualquer caso, consiste

em preencher o nosso poder de sermos afectados separando-nos da nossa potência de agir, mantendo-nos separados dessa potência. Porém, quando encontramos um corpo exterior que não concorda com o nosso (isto é, cuja relação não se compõe com a nossa), tudo ocorre como se a potência desse corpo se opusesse à nossa potência, operando uma subtracção, uma fixação: dizemos nesse caso que a nossa potência de agir é diminuída ou impedida, é que as paixões correspondentes são de tristeza. Pelo contrário, quando encontramos um corpo que convém com a nossa natureza, é cuja relação se compõe com a nossa, dizemos que a sua potência se adiciona à nossa: as paixões que nos afectam são então de alegria (aumenta ou é favorecida a nossa potência de agir). Essa alegria é ainda uma paixão, dado que tem uma causa exterior: permanecemos ainda separados da nossa potência de agir, não a possuímos formalmente. Esta potência de agir, contudo, não deixa por isso de aumentar proporcionalmente; ‘aproximamo-nos’ do ponto de conversão, do ponto de transmutação que nos tornará senhores dela, e por isso dignos de acção, de alegrias activas.” (Deleuze; 1975-1976:39-40)

Acrescenta-se a isto, o fato de que, quando se está empregado com carteira assinada e perde-se o emprego tem garantido a sobrevivência por seis meses, com o auxílio desemprego e ainda condução livre durante três meses, que permite a busca de uma nova colocação. De outra maneira, a oscilação da renda no trabalho cooperativado traz instabilidades aos sujeitos, que não conseguem programar seus gastos e pagamentos, gerando certa insegurança. Muitas vezes, o dinheiro [que ganham] não dá para suprir as necessidades básicas, como por exemplo, o relatado neste depoimento:

Se deu trezentos reais eu não sei.... coisa lá desse dinheiro aí, tá no banco, porque é prá esse mês aí... Não sei. Aqui, nós tiramos cinqüenta

reais, cinqüenta e um reais. Isso já passou o mês, um mês ruim. Em

média aqui a gente tira, é que a gente tem despesa, dá prá tirar uns quatrocentos “contos” , mas nós tiramos a despesa, aí ficamos com duzentos “conto” , cento e oitenta. Duzentos e cinqüenta eu conto... No máximo, ou prá trás. (Paulo da CooperAção)

Trabalhar aqui prá mim ia ser a mesma coisa, apesar de que ser registrada tem vários benefícios, que trabalhar numa empresa carteira

registrada que aqui não tem. Salário fixo mesmo, não tem esse negócio

de diminuir nem abaixar. Aumentar de vez em quando é, uma vez por

ano. Eu tiro em média de duzentos, duzentos e setenta reais. (Imaculada da CooperAção)

Também resgata o respeito pelo outro, e permite maior responsabilidade e interesse pelo seu grupo social, como é o caso de recuperação de usuários de droga e álcool. Estes são vistos pela família, pelo grupo e pela sociedade como “fracassados”. A partir da união de pessoas com interesse comum, como na formação de uma cooperativa, é possível que alguém do grupo se sinta na obrigação de apoiar outros, que são duplamente excluídos. Nasce um sentimento de solidariedade humana, mesmo num país como o nosso com inúmeros problemas sociais, econômicos e políticos.

Tirar dois meninos que eram bandidos perigosos daqui do Real Parque, eles não temiam nem a polícia, e hoje em dia são duas pessoas dignas, capazes, honestas, trabalhadoras; consegui também um alcoólatra, que hoje em dia não bebe mais, apesar que ele aprendeu todo serviço direitinho, mas eu até internei ele, por causa do excesso de bebida, uma dosagem muito forte que ele tomou de álcool, ele passou dois dias internado, então eu consegui tudo isso , graças à ajuda da... Quando nós temos algum problema, eu corro e ligo prá ela, encho o saco dela de sábado, domingo, feriado e tudo. Isso prá mim foram às coisas boas, ela está pronta a nos ajudar a qualquer momento. (Maria do ReciclaReal)

Meu filho também trabalhou aqui e foi bom porque ele se ocupou ficou

mais sério, [referindo-se ao filho que era usuário de droga] ele gostou

deste trabalho. Deveria ter mais apoio de empresários esta é a minha sugestão, se tiver mais apoio vai empregar muita gente... Melhorou muito

o comportamento dele vida de moleque... amadureceu mais um

pouquinho. (Tiago do ReciclaReal)

O meu desejo é que trinta ou cinqüenta famílias estejam trabalhando. Tive

problemas de drogas e álcool na minha família com meu marido, ele jogava e bebia e eu não controlava porque trabalhava em casa de família

e não podia sair para ver o que estava acontecendo. Depois da

reciclagem, eu tenho mais tempo para ir a casa e hoje o meu marido não bebe, só joga um pouco porque ele sabe que eu estou perto dele.

(Maria do ReciclaReal)

Permite também a inclusão dos índios Pankararu, que convivem com dupla “exclusão”: vivem fora de suas terras, por invasão dos posseiros na região dos Brejos dos Padres, em Pernambuco, além de serem marginalizados do direito de emprego ou renda por não terem bom nível de escolaridade e serem considerados preguiçosos.

A História do Brasil mostra que os índios sempre foram explorados. Os franceses e portugueses não tiveram nenhum constrangimento em explorar a mão de obra do índio. O relacionamento econômico, em princípio, acontecia através de trocas de bens: facas, machados espelhos e chapéus por toras de pau brasil. Posteriormente, com o Brasil colônia e o ciclo da cana de açúcar, a mão de obra indígena foi obtida com o trabalho escravo e alienado. A História também relata que, apesar do índio ser reconhecido por ter direitos específicos, sofreu tantos preconceitos quanto os africanos. Hoje, a principal luta em relação aos seus direitos de cidadania diz respeito à reconquista de suas terras, ao fortalecimento da sua economia e à participação política, como foi o caso de Juruna, índio xavante, no cenário nacional eleito à Câmara dos Deputados, em 1982 (GOMES, 2003).

...vai começar só dia primeiro. Só que assim, como o povo lá quer o

índio, (referindo-se ao índio Pankararu) esqueci agora o nome dele,

porque eu fiquei falando de primeiro dia, que a gente vinha pra cá ajudar, então como ele foi prá Leopoldina comigo ontem me ajudar no material, o pessoal, gostou e quer [que ele] ir trabalhar lá... tudo certinho, então não

posso agora dispensar o coitado aqui até o dia primeiro (...) lá. Aí a

partir do dia primeiro se estiver legalizado mesmo, aí ele vai prá lá, porque vai ter uma reunião quarta-feira, prá poder resolver se vai ser dia primeiro mesmo ou não... (Maria do ReciclaReal)

É um trabalho que não há “exclusão” de pessoas mais velhas que, normalmente, são excluídas do mercado formal de trabalho.

Eu sempre gostei de mexer com a comunidade, fazer comida, mexer com desabrigado. Já fui desabrigada e dividia tudo com os outros. Quando a

gente passa dos trinta e vai procurar emprego já está velha. Com este

projeto voltei a estudar. (Maria do ReciclaReal)

[Referindo-se ao projeto] Porque a batalha ainda está por vir, mas a gente

não baixa a cabeça, a gente sempre pensa que nós vamos conseguir,

porque nós podemos. E as coisas ruins que tem é que... (Maria do ReciclaReal)

Muitas vezes, este sentimento de solidariedade é formado por vínculo de interesse mútuo, na base da troca: se você me ajuda e eu lhe ajudo também.

...tem uma senhorinha, ela que junta garrafa para nós, ela atravessa a ponte para ir pegar garrafa para nós, ela traz garrafa para nós, e chega aqui eu dou um cigarro prá ela, se eu consigo roupa, se alguém me der roupa, eu dou uma roupinha prá ela, então ela vai do outro lado da ponte buscar material de reciclagem para nós, e ela quer trabalhar conosco todo dia, então... (Maria do ReciclaReal)

Desenvolve-se a necessidade de trabalhar em equipe, respeitar o outro em suas diferenças:

... ter calma e paciência prendi a lidar mais com o povo; aprendi a ter mais calma, mais paciência; consegui poder ajudar os outros, nós

somos uma equipe grande. (Maria do ReciclaReal)

Sentimentos de mobilização do coletivo, e trabalho com a comunidade:

...O que me mobilizou foi quando eu fui na primeira convocação da reunião lá no posto, que você falou que ia nos ajudar, que você explicou tudo direitinho do que era o projeto de reciclagem, de qual era a finalidade de poder ajudar a comunidade, então eu me interessei, porque eu sempre quis esse negócio de ajudar as pessoas; eu sempre fui uma pessoa

que gosta de ajudar, antigamente aqui no Real Parque eu tinha a fama de

enterrar velho, eu era a mulher que enterrava os velhos. Porque os velhinhos que não podiam, sabiam marcar uma consulta médica, não sabiam ir no INSS, não sabiam como pegar remédio; eu pegava remédio para esses velhinhos, eu os ajudava com o negócio de médico para resolver no INSS, então quando os velhinhos morriam e não tinham família, as vezes tinham família, mas a família não procurava, aí eu corria pro IML prá fazer o enterro, tudo direitinho para ninguém pagar nada, arrumava carro... (Maria do ReciclaReal)

Também significa maior liberdade para resolver os seus problemas, demonstrando que há uma outra condição de trabalhador, diferente do emprego formal, pois ele é dono de seu próprio negócio.

Aqui é bom... Porque quando a gente precisa sair para resolver coisas a

gente pode e é aceito ninguém fala nada. (Maria do ReciclaReal)

Trabalhar na reciclagem significa ter um trabalho o mesmo que ter uma renda: resgata alguns dos direitos sociais. Permite-lhes não necessitar de viver da assistência social do bairro em que distribui cestas básicas aos mais necessitados, com as quais nem sempre conseguem suprir suas demandas. As pessoas que vivem numa condição de precariedade econômica e social revelam “o peso” da “exclusão”, precisando [muitas vezes] alimentar-se do lixo. A possibilidade de reinserção, através da cooperativa, recupera alguns dos direitos