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A implantação da economia solidária em empresa falida ou a falir enfrenta uma série de etapas decisivas, pois os trabalhadores precisam: 1) aceitar trocar os seus créditos trabalhistas por cotas de capital; 2) acreditar que são capazes de assumir coletivamente a empresa; e 3) ser capazes de administrá-la. A questão determinante do processo de economia solidária, conforme afirma Singer (2002b), encontra-se na união e na solidariedade dos trabalhadores, tendo em vista que:

A questão crucial do processo está em levar aos trabalhadores os princípios da economia solidária, convencendo-os a se unirem numa empresa em que todos são donos por igual, cada um com direito a voto, empenhados solidariamente em transformar um patrimônio sucateado num novo empreendimento solvável (SINGER, 2002 b, p. 87).

Os fatores que levam os trabalhadores a assumirem riscos e a se apossarem da empresa reside, geralmente, na relação entre a possibilidade de arrumarem outro emprego ou não e o grau de união e confiança entre si. Outra etapa decisiva é conseguir passar a empresa para as mãos dos trabalhadores, necessitando até de apoio externo. Muitas vezes, para assumir uma empresa falida, requer-se crédito volumoso que só pode ser conseguido em bancos oficiais. Como grande desafio, no entanto, é necessário resgatar a confiabilidade dos clientes e fornecedores. Isto sem esquecer o sacrifício que deve ser feito, no início, pelos trabalhadores para obterem uma retirada mínima, ou seja, apenas o suficiente de acordo com suas necessidades básicas. Obviamente isto ocorre, às vezes, em troca de cestas básicas, com o intuito de reerguer a empresa. Passado este período mais

crítico, instala-se um momento de normalidade em que os trabalhadores escolhidos para administrar buscam a realização de um curso gerencial que visa a contribuir com seus conhecimentos e favorece a adquirir novas habilidades (SINGER, 2002 b).

Segundo Silva et al (2003), ancorados em Pires (1999), um dos principais desafios da cooperativa brasileira encontra-se na adaptação ao novo modelo econômico do mundo contemporâneo, concernente à globalização, e isto traz um duplo apelo: o da emancipação econômica e o da emancipação política. Há também grandes desafios a serem enfrentados pelo desenvolvimento sustentável: o fato de que a maioria das cooperativas está baseada em recursos não renováveis, o que se constitui numa ameaça às futuras gerações; a globalização da solidariedade; e a existência de uma cooperação qualificada, contando com políticas públicas nacionais que favoreçam estes projetos (SILVA et al, 2003).

Alguns governos municipais, a partir de 2000, começaram a priorizar a economia solidária, tais como o governo do Rio Grande do Sul, de Olívio Dutra. Em 2001, como as iniciativas se multiplicaram, a ANTEAG prestava assessoria a 160 empresas solidárias em todo o Brasil, a maior delas, a Usina Catende com 3.200 famílias (SINGER, 2002b).

Outra iniciativa surgida, com o mesmo objetivo da ANTEAG, na região do grande ABC, foi a Unisol. Criada em 1999, constitui-se numa associação de cooperativas que , embora no momento esteja atuando em sua região, pretende estender-se por todo o Estado de São Paulo e o Brasil. Conta com uma incubadora de Cooperativas populares, ligadas à Fundação de Santo André (Instituição Municipal de Ensino Superior) (SINGER, 2002 b).

A Unisol nasceu no grande ABC, oriunda da força de dois sindicatos importantes: o dos metalúrgicos e o dos químicos, o primeiro mais poderoso. Concentram-se nesta região as montadoras de carro, cuja maioria estabelece-se em São Bernardo do Campo, com fábricas instaladas nos municípios vizinhos. Em 1978, o Sindicato dos Metalúrgicos fez uma greve, com ocupação de uma das fábricas pelos trabalhadores e levantou uma grande bandeira de luta em todo o país, a de ir contra a eliminação de postos de trabalho pela indústria. É um sindicalismo que sugere novas políticas públicas no setor da indústria e, a partir de seu 2.º Congresso, realizado em 1996, propôs aos trabalhadores a formação de

cooperativas. Depois, em 1998, estabeleceu um protocolo de intenções para troca de informações de experiências ocorridas na região da Emília Romagna, na Itália (Oda, 2000 apud Singer, 2002b, p. 93), o que resultou em visitas de delegações brasileiras à Itália e vice-versa (SINGER, 2002b).

Informa ainda este mesmo autor que, enquanto ocorriam concomitantemente estes avanços de cunho internacional, no meio interno ocorria crise na Conforja, localizada em Diadema, que iniciou a operação de resgate por postos de trabalho, a partir de 1996, em sintonia com o sindicato. A Conforja era uma empresa metalúrgica que se estabeleceu em Diadema nos anos de 1968, com vistas à produção de conexões de aço forjado e tubulações. Era a única fornecedora da Petrobrás que se empenhava na exploração de petróleo na costa brasileira. Tinha alto faturamento com 1.170 empregados. Em 1980, passou a diversificar suas atividades, tornando-se uma multi-empresa que fabricava máquinas, rolamentos, plásticos, além de negociar frutas, minérios e madeira. Liderava o mercado de 70% dos produtos forjados. Com a abertura do mercado interno às importações, em 1990, pelo presidente Fernando Collor, a coisa mudou de figura. Subitamente, a empresa foi invadida por competidores estrangeiros e passou a ter prejuízos. Entrou em crise de forma lenta e gradual até que, em 1994, o principal acionista do Conforja propôs transformá-la em co-gestão. Isto gerou intenso debate entre os trabalhadores. Em 1995, foi assinada a carta de intenções de co-gestão entre os trabalhadores e a empresa. Apesar do sacrifício destes em diminuir sua jornada de trabalho de 44 para 40 horas, os salários continuaram a atrasar e a crise prosseguiu. Em julho de 1997, após um plebiscito realizado entre os trabalhadores, optou-se pelo rompimento da co-gestão. Diante deste quadro, o filho do dono da empresa resolveu entregar a gestão à uma cooperativa. Da empresa foram formadas quatro cooperativas: a Coopertratt, que assumiu a gestão dos negócios; a Cooperlafe, voltada para a laminação de anéis e forjados especiais; a Coopercon, que se dedicou a conexões tubulares e a Cooperfor, (Forja). As sobras das quatro cooperativas foram de 300 mil reais, em 1998 e 209 mil reais em 1999. A prática da auto-gestão tornou-se habitual nas quatro cooperativas. Em cada uma delas também existia o Conselho Administrativo Estatutário e um coordenador geral para exercer a função de chefia, exercida por um dos ex-chefes da Conforja. Apesar do

grande poder de que dispunham os seus coordenadores, as decisões eram submetidas a assembléias gerais (SINGER, 2002 b).

Embora se saiba que a auto-gestão não deixa de ser uma realidade, Oda (2001), apud Singer (2002 b, p. 102), revela que o coordenador da Cooperlafe é categórico em afirmar que:

Não conseguimos mudar a mentalidade dos trabalhadores [pois] eles ainda são muitos dependentes de um patrão. A mudança de filosofia [...] só ocorrerá mediante a participação deles em curso sobre cooperativismo (ODA, 2001, apud SINGER, 2002b, p. 102).

Estes cursos, acrescenta o coordenador, proporcionariam “uma maior autonomia para a tomada de decisões sobre produção, além de possibilidade aos sócios pensarem no negócio estrategicamente e não em curto prazo” (ODA, 2001, apud SINGER, 2002 b, p. 102).

O cooperativismo também foi gradualmente aceito pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST), após uma resistência inicial devido aos modelos anteriores, como das grandes empresas agro-industriais que tinham uma política de exploração aos trabalhadores.

O MST é uma forma de movimento pela reforma agrária no Brasil. Começou na época de João Goulart – Jango – quando este assumiu a Presidência da República, com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, em 1961. Com o golpe militar de 1964, as lutas populares sofreram violenta repressão. Nesse mesmo ano, o presidente -marechal Castelo Branco decretou a primeira Lei de Reforma Agrária no Brasil: o Estatuto da Terra. Durante os anos da ditadura, apesar de os trabalhadores rurais serem perseguidos, aconteceram as primeiras ocupações de terra, não como um movimento organizado, mas influenciados pela ala progressista da Igreja Católica, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975. Em janeiro de 1984, ocorre em Cascavel, Paraná, o primeiro encontro do MST em que se reafirmou a necessidade da ocupação como uma ferramenta legítima das massas trabalhadoras e trabalhadores rurais. Iniciava-se, desta maneira, um movimento com objetivos e linha política definidos (MST, 2005).

O programa do MST tem como objetivos: buscar a unidade entre as organizações do campo e da cidade; fazer lutas massivas; intensificar a organização

dos pobres; ajudar na construção do Projeto Popular para o Brasil; desenvolver a solidariedade e os novos valores; e impulsionar a revolução cultural (MST, 2005).

Foi organizado, em 1988, o Manual de Cooperação Agrícola do MST. Em 1989, o MST tenta organizar a produção nos assentamentos a partir da experiência das Ligas Camponesas que dispõem a formação de cooperativas de produção auto - gestionárias. As primeiras Cooperativas de Produção Agropecuária (CPAs) surgiram no Rio Grande do Sul: a Coopanor e a Cooptil (SINGER, 2002 b).

As CPAs apresentam um plano de produção coletiva em que cada cooperado participa de trabalho socializado. Há um planejamento na divisão de trabalho, pois deixa de ser um modelo individualista no qual o agricultor se expõe a riscos sozinho. As CPAs foram inspiradas no modelo de Cuba, onde existe pouca autonomia. Revelaram-se várias deficiências técnicas e administrativas, entre elas: “avaliar a contribuição de cada um ao produto e portanto definir regras de divisão entre eles, do rendimento obtido” (SINGER, 2002 b, p. 105). Para compensar as falhas, foi criado o Curso Técnico em Administração de Cooperativas, no Rio Grande do Sul, mas, mesmo assim, as CPAs passam por grande crise, talvez porque a maioria dos assentados prefere a pequena produção, com menor padrão de vida e maior risco, sujeitando-se à oscilação de preços agrícolas no mercado (SINGER, 2002b).

Como as CPAs não são muito aceitas pelos camponeses, o MST tem desenvolvido outras formas de cooperação, como a da comercialização, que permite maior vantagem em termos de preços e organização de compras e vendas em comum. São as chamadas Cooperativas de Prestação de Serviços (CPSs) que preservam a individualidade do camponês. O MST evita a divisão entre os CPAs e CPSs e estimula continuamente a solidariedade como um modelo de movimento popular que deve se desenvolvido continuamente (SINGER, 2002 b).

Ao finalizar este capítulo, informa-se que o aumento do cooperativismo no Brasil reflete a falta de acesso dos “excluídos” ao emprego formal, com conseqüente eliminação social. Muitos vivem ainda presos na “engrenagem da pobreza” e o associativismo é apenas uma alternativa para sair da fome. Reconhece-se, no entanto, que esta nova práxis social exercita o sentimento de solidariedade e catalisa o exercício da cidadania como mecanismo para se eliminar

a “exclusão”. O “ser cooperativista” traduz uma prática que representa também a busca de autonomia e desenvolvimento local por meio da ajuda mútua. No caso dos coletores de lixo do Real Parque, a cooperativa de resíduos sólidos ou de lixo, como é chamada, seria uma forma de inclusão social e uma alternativa de eliminar a fome.

Apesar da prática cooperativista ser uma plataforma do atual governo federal, como forma de geração de renda e trabalho, necessita de alguns ajustes. É necessário “redefinir o perfil dos cooperados e reconquistar a credibilidade” junto à sociedade. (SILVA et al, 2003)