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DISTRIBUIÇÃO SEGUNDO O DESTINO DO LIXO NOS PROGRAMAS SOCIAIS DOS MORADORES DA FAVELA DO REAL PARQUE, SÃO PAULO,

III. Participação da comunidade 31 (BRASIL, 1988)

4.2 O significado da festa das crianças

Tal como a força propulsora de Fausto de Goethe, os moradores da favela do Real Parque possuíram um “Desejo”, que não diz a “respeito a coisas” e nem à “satisfação de necessidades”, mas se encontrava no “âmbito do simbólico”. É a força propulsora que leva para o movimento da alma e para a ação, ou seja, a pulsação de vida é a “antecipação da própria alegria de desejar”, ou seja, “ter desejos é falar deles”, como se nota nas palavras de Bill, organizador da festa das crianças e morador da favela Real Parque:

A idéia da festa das crianças foi exatamente, no foco da moradia, morava no alojamento, junto com rato, barata, cheio de água e esgoto, e não tinha um espaço para brincar e então fiquei analisando e decidi focalizar mais o dia das crianças e tá fazendo uma festa para duzentas e oitenta crianças em 1999. A partir daí a gente mudou prá cá em final de 2000 e decidimos fazer a nossa, festa aqui no Real Parque. Fizemos a estimativa de 1500 pessoas, tudo que a gente conseguiu deu o suficiente, a gente fez sossegado, com uma boa ajuda o pessoal do Anhembi até hoje eles nos ajuda. Hoje a gente tem a estimativa de cinco mil pessoas, e muito mais pessoas está nos ajudando. As pessoas mais do bairro mesmo que me ajuda, a própria rua mesmo nos ajuda. O nosso pedido é feito com material, porque é uma coisa que a gente não tem muita dor de cabeça. A gente prefere mais o material, a pessoa trais o material e a gente vai é recebendo e utilizando. Então a gente tem alguns comerciantes, pessoas dos condomínios próprios, da classe alta. Tem muitas pessoas que nos ajuda. Temos o Novo Hotel, tem a GAK que é nossa vizinha muito tempo, tem a Tom Brasil, que é do nosso coração do começo ao fim e até hoje. A Tom Brasil nos ajuda com material para trabalhar, fogão mesa, cadeira, material que a gente precisa mesmo. O contato foi conseguido através de um irmão meu que trabalha lá, ele é o humor e também responsável por esta festa: Jose Ramos. Ele é também organizador desta festa. A partir daí, acabei desenvolvendo com ele, e ajudando ele e hoje nós, não sentimos tanta dificuldade para realizar uma festa como esta. Este ano a gente estimou 1.200 crianças numa faixa etária de zero a seis anos. .Mas de zero a deis anos nós temos em torno de 2.000 crianças. A programação da festa a gente começa, este ano a gente começou, a abertura com o Recapa (um conjunto de musica: banda) com desfile na área da favela, convidando todas as pessoas para participar da festa, as deis horas da manhã, e após a missa do padre, celebra a missa em homenagem as crianças e a Nossa Senhora Aparecida. A partir daí a gente dá início aos comes e bebes das 11:30 ao meio dia, até as cinco da tarde. Temos várias barracas: duas de refrigerante, uma de doce, uma de pipoca, duas de cachorro quente e uma de refrigerante. Temos um grupo de voluntários e todos os anos eles ajudam e cada grupo, responsabiliza pela sua própria barraca. A gente deixa a vontade, só não quer que eles pega e joga fora, desperdício. Pode levar pra casa a gente deixa, não tira o direito de levá prá casa. A gente sabe que...muita gente não tem o que comê em casa.a partir daí a gente deixa libera o que tá levando, prá casa. A gente estima de 20 a 25 pessoa a 30 que ajudam nas barracas. Na realidade a gente tem aquele amor muito grande porque você acha que sente bem. Eu mesmo, no meu caso, sinto muito bem com Nossa Senhora Aparecida, a gente realiza esta festa com a graça de Deus, e dela também. Todo ano dá tudo certo até mais que a gente pensa, então, todo ano eu agradeço muito a Deus, e a Nossa Aparecida por ter conseguido... conseguir a.... conseguir colocar o que a gente pensava, de fazer... A gente pensa eu... é muita coisa, mas é tão pouco que gente nem imagina. (Bill)

Ao perguntar ao Bill: o que você sente no final do dia, além do cansaço? Respondeu:

Na realidade não é nem cansaço, não chega a senti... (ele parou de falar e chorou silenciosamente). Eu mesmo na minha opinião sinto tão feliz... (não conseguiu continuar a falar).

Depois de alguns minutos ele retoma e diz:

No final da festa a gente sente realizado, porque a gente peitou fazê, e a gente fez há sete anos atrás e até hoje, e cada vez mais consegue o objetivo dessa festa. A satisfação da gente... consegui... e ter conseguido fazer esta festa... com apoio de muita gente, nos ajuda, nos ajudou e nos vai ajudá... cada ano que passa tem mais uma pessoa a mais, hoje a gente sente a satisfação do final da festa, é de muito feliz. É uma riqueza muito forte. A gente gasta muito pouco para fazer uma coisa muito grande... (Bill)

Acredita-se que esta festa (Foto 8 em anexo) é a única forma coletiva de lazer de que gozam as crianças faveladas do Real Parque, sem esquecer de que algumas trabalham como “catadores de lixo”. De outra forma é neste momento que há um certo resgate da cidadania, lembrando que o lazer constituí uma necessidade básica fundamental, inserida nos direitos sociais e prevista na lei 8.080 da Constituição Federal.

Além disto, podemos observar que esta população continua existindo em dois tempos. Sawaia (1994a) já havia informado que as mulheres faveladas possuem dois tempos: o Tempo de Viver e o Tempo de Morrer. Esta autora pôde-confirmar estas significações, no seu estudo com mulheres climatéricas do Real Parque. (Dissertação de Mestrado). Para as mulheres faveladas, o “Tempo de Viver” é tempo do “despertar para emoções”, do “agir com coragem”, e da “luta contra a angústia”. É o tempo em que “o pensamento se cola na ação”. É quando se sentem mais potentes para agir. O “Tempo de Morrer” corresponde àquele tempo em que há “falta de controle absoluto do que ocorre”, em que elas se sentem “aprisionadas” e se entregam ao “auto-abandono”, ao “estado de letargia”. “O mundo é uma realidade afetivamente neutra”, onde há a “cristalização da angústia” e o “adormecimento intelectual” (SAWAIA, 1994a).

Pode-se verificar que os moradores da favela Real Parque circulam entre estes dois momentos, como pôde-se observar nos relatos: desmoronamento dos barracos e festa das crianças. Ambos demonstram que o “tempo de viver” pode ser aquele em que tudo se perdeu, mas que se estimula “o agir com coragem”, a “luta contra a angústia”, em que o “pensamento se transforma em ação”.

V. ECONOMIA SOLIDÁRIA: UMA ALTERNATIVA DE INCLUSÃO