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PERÍODO DA REFORMA

6. Baltasar Hubmaier e Menno Simons

Baltasar Hubmaier (1481-1528) foi um renomado estudioso católico antes de abraçar o protestantismo. Em 1515, tornou-se vice-reitor da Universidade de Ingolstadt, na Alemanha, e no ano seguinte assumiu as funções sacerdotais na catedral de Regensburg, na Baviera. Aderiu à fé protestante em 1522, aceitando o pastorado de uma pequena igreja reformada em Waldshut, perto de Zurique, e apoiando o trabalho de Ulrico Zuínglio. No

início de 1525, começou a externar sua oposição ao batismo infantil. Na Páscoa daquele ano, sua igreja tornou-se a primeira congregação anabatista. Escreveu o primeiro tratado do novo movimento, O batismo cristão dos crentes, em resposta a críticas de Zuínglio. Após um debate público com o reformador de Zurique, este mandou prendê-lo. Sob tortura, assinou uma retratação e foi para a cidade de Nikolsburg, na Morávia, onde havia certa liberdade religiosa. Batizou ali mais de seis mil pessoas. Foi preso pela polícia imperial e condenado à morte em Viena, sendo executado em 1528. Três dias depois, sua esposa foi condenada ao afogamento no rio Danúbio.

Hubmaier acreditava que Lutero e Zuínglio não tinham se libertado do constantinismo (ligação entre a igreja e o estado) e do agostinismo (doutrinas da salvação e dos sacramentos). Para ele, as comunidades protestantes eram igrejas estatais, coextensivas com a sociedade, nas quais era impossível distinguir os crentes genuínos dos falsos porque todos tinham sido batizados na infância. Criticou a coerção do pensamento e a perseguição dos dissidentes. Como Erasmo, afirmou o livre-arbítrio e o sinergismo entre a ação humana e a graça de Deus na salvação. Quanto à ceia do Senhor, concordou plenamente com Zuínglio e se opôs a Lutero. No centro da sua teologia está a conversão individual, baseada na fé como uma livre decisão de crer no evangelho. Somente os convertidos devem ser membros de igrejas locais. O batismo é somente um testemunho público da conversão; portanto, o batismo infantil é ilegítimo.

Em Um catecismo cristão (1528), Hubmaier falou de três tipos de batismo: no Espírito (conversão e regeneração com base no arrependimento e na fé), na água (testemunho externo e público do batismo interno no Espírito) e no sangue (mortificação da carne ou santificação). Ao defender o livre-arbítrio, atribuiu-o à atuação de Cristo e do Espírito Santo, e não a uma capacidade natural que sobreviveu à queda, a posição de Erasmo. Ensinou o que a teologia chama de “graça preveniente”: a graça resistível de Deus que chama, convence e capacita. Opôs-se à predestinação incondicional (o monergismo de Agostinho e dos reformadores magisteriais). A eleição se baseia inteiramente na presciência de Deus. Hubmaier foi o primeiro a defender o chamado “sinergismo evangélico”, ou seja, a idéia de que o livre-arbítrio, destruído pela queda, é restaurado por Cristo e pelo Espírito Santo que opera por meio da Palavra. Essa posição foi desenvolvida pelos seguidores de Jacó Armínio no início do século 17.

O líder mais notável dos anabatistas foi Menno Simons (1496-1561), nascido em Witmarsum, nos Países Baixos. Ele foi ordenado sacerdote em 1524, tornando-se pároco em sua cidade natal, onde teve uma vida irregular. A partir de 1530, passou a ler as obras de Lutero e Zuínglio e entrou em contato com anabatistas. Em 1535, seu irmão Pedro tornou-se anabatista e foi executado. Esse evento o levou a uma profunda experiência de conversão. Apesar de uma ordem de prisão emitida pelo imperador Carlos V, viajou por muitos anos no norte da Europa, pregando, criando igrejas anabatistas e escrevendo numerosos livros, panfletos, sermões, hinos e cartas. Não era erudito como Hubmaier, mas conhecia a fundo as Escrituras. Um dos seus tratados mais influentes foi O fundamento da doutrina cristã, escrito em 1540 e revisto em 1558, que continha uma síntese das principais crenças anabatistas.

Sua teologia, como a de Hubmaier, se concentrava na experiência da salvação. Reconhecia as realizações dos reformadores magisteriais, mas entendia que seu trabalho tinha ficado incompleto, por manterem tradições supostamente antibíblicas como o batismo infantil. Segundo ele, as crianças nascem sem culpa e não precisam de conversão e batismo até atingir a idade do discernimento moral. Graças à obra expiatória de Cristo, Deus afasta temporariamente a culpa do pecado original até o momento em que as pessoas pecam de modo deliberado. Em sua opinião, os reformadores principais deram destaque à fé em prejuízo do arrependimento. Por sua vez, Menno deu pouca ênfase ao conceito forense da justificação (justiça imputada ou atribuída), concentrando-se no seu aspecto moral – o pecador regenerado realmente começa a se tornar justo interiormente, a mesma ênfase da teologia católica.

Menno foi o principal responsável pela adoção do pacifismo pelos anabatistas. Ao contrário dos que o precederam, ele defendeu a completa não-resistência por parte dos cristãos, conforme o ensino de Cristo, sem deixar de reconhecer o direito do estado de empregar a força para proteger os inocentes e castigar os malfeitores. Outro elemento controvertido do pensamento desse líder, expresso em seu tratado A encarnação de nosso Senhor (1554), foi a sua opinião de que o homem Jesus Cristo teve sua origem integral no céu e não recebeu nada de essencial de Maria, a não ser o ingresso na vida terrestre a partir da existência celeste. Ao que parece, essa idéia derivou do desejo de resguardar a impecabilidade de Jesus e não se incorporou às crenças anabatistas.

Textos:

Análises: Olson, 429-439; González, III:87-104; Lane, II:32-35; George, 251-303. 7. A tradição anglicana

A Reforma inglesa foi muito diferente do que ocorreu em outros países, porque teve a participação direta de vários soberanos. Ela foi iniciada por Henrique VIIII (1491-1547), que queria divorciar-se da esposa, Catarina de Aragão, porque ele não lhe deu um filho varão para sucedê-lo no trono. Como o papa negou-se a anular o seu casamento, em 1533 o rei rompeu as ligações da igreja inglesa com Roma e nomeou primaz da Inglaterra o teólogo Thomas Cranmer, da Universidade de Cambridge. Como arcebispo de Cantuária, Cranmer legitimou o divórcio e novo casamento de Henrique, que em 1534 declarou-se “chefe supremo” da igreja católica inglesa. Essa igreja permaneceu plenamente católica, embora independente do papa.

Henrique foi sucedido por seu filho Eduardo VI, de apenas nove anos e saúde frágil, que reinou de 1547 a 1553. Os tutores do jovem rei, tendo à frente o arcebispo Cranmer, implantaram a Reforma na Inglaterra, contando para isso com o apoio de vários teólogos vindos do continente, como Martin Bucer. O próprio Cranmer residiu por algum tempo em Nuremberg, Alemanha, e se casou com a sobrinha do reformador luterano local, André Osiander. Cranmer elaborou em 1549 um manual de culto para a igreja e o revisou em 1552 (Livro de oração comum). Eduardo foi sucedido por sua meia-irmã Maria, uma católica fervorosa, que ficou conhecida como “a Sanguinária”. Ela restaurou o catolicismo e mandou executar mais de 300 líderes protestantes, entre eles o próprio arcebispo Cranmer

(21-03-1556). Muitos adeptos da Reforma fugiram para o continente, buscando refúgio em cidades como Genebra, Frankfurt e Estrasburgo. Com a morte de Maria, subiu ao trono sua meia-irmã Elizabete, que reinou por 45 anos (1558-1603). Sob sua influência, a Igreja Anglicana adquiriu sua forma definitiva, reunindo elementos católicos (governo, liturgia) e protestantes (teologia). A forma de governo adotada foi a episcopal. Além do Livro de oração comum, os ministros deviam aceitar uma declaração doutrinária, os Trinta e nove artigos de religião (1563). A teologia seria moderadamente reformada.

No reino vizinho, a Escócia, os acontecimentos evoluíram de forma diferente. Sob a liderança do reformador João Knox (1514-1572), que havia ido para Genebra como exilado e retornou em 1559, o Parlamento criou uma igreja nacional presbiteriana, de orientação reformada e calvinista (1560). Na Igreja da Inglaterra, surgiram dois partidos: a Igreja Alta – ritualista, defensora da sucessão apostólica, da hierarquia e de uma liturgia formal, e a Igreja Baixa – evangélica, partidária de uma reforma calvinista na igreja. Esses defensores da purificação da igreja inglesa em seu culto, teologia e forma de governo ficaram conhecidos como “puritanos”. Eles reivindicaram a abolição do Livro de oração, dos bispos, do sacerdócio, das vestes litúrgicas e de outros vestígios da tradição católica. A distinção entre Igreja Alta e Igreja Baixa se mantém até hoje na tradição anglicana (ritualistas e evangélicos). O principal teólogo anglicano no reinado de Elizabete foi Richard Hooker, da ala tradicionalista.

Textos: Bettenson, 392-406;

Análises: Olson, 441-445; González, III:181-198; Hägglund, 251-257. 8. Thomas Cranmer e Richard Hooker

A Reforma inglesa é muito importante porque a Inglaterra veio a ter enorme influência na história posterior do protestantismo internacional. Essa reforma foi precedida e preparada por uma série de personagens e eventos: a obra do pré-reformador João Wycliffe e seus seguidores, a infiltração de idéias luteranas a partir de 1520, o Novo Testamento do mártir William Tyndale (1525) e a atuação dos “refugiados marianos”. Todavia, o verdadeiro fundador do protestantismo inglês foi o arcebispo Thomas Cranmer (1481-1556). Ele prefaciou e mandou distribuir em todas as igrejas a primeira Bíblia inglesa impressa (Grande Bíblia ou Bíblia de Cranmer). Foi o autor dos dois documentos básicos do anglicanismo – o Livro de oração comum (1552) e os Quarenta e dois artigos (1553), base para os Trinta e nove artigos posteriores. As principais influências teológicas que recebeu foram luteranas e reformadas. Foi especialmente importante a sua amizade com Martin Bucer, o reformador de Estrasburgo, conhecido por suas posições moderadas e conciliadoras.

De modo tipicamente anglicano, Cranmer procurou manter o equilíbrio entre a autoridade suprema da Escritura e o respeito pela tradição cristã antiga (pais da igreja e credos históricos), especialmente nas questões de liturgia e estrutura eclesiástica. Ele defendeu o princípio da salvação pela graça mediante a fé, como se observa em seu sermão “Homilia sobre a salvação” (1547). Ao mesmo tempo, enfatizou a santificação pela prática de boas obras e, ao contrário de Lutero, valorizou a epístola de Tiago. Deu menor ênfase ao

sacerdócio de todos os crentes. No tratado Defesa da doutrina verdadeira e católica dos sacramentos, condenou a concepção romana do sacerdócio. Embora a palavra “sacerdote” (priest) tenha sido mantida, sua função foi considerada profética e pastoral (pregar, ensinar, dar assistência espiritual e ministrar os sacramentos), ao invés de especificamente sacerdotal. Porém, na prática toda a ênfase recaiu no sacerdócio ordenado e na estrutura hierárquica da igreja estatal, e não no sacerdócio dos fiéis. Seus conceitos sobre os sacramentos eram semelhantes aos de Calvino e Bucer, dando destaque à importância da fé. O verdadeiro formulador teológico do anglicanismo elizabetano foi Richard Hooker (1554-1600). Ele recebeu uma educação reformada, mas se converteu ao anglicanismo na Universidade de Oxford. Em 1584, a rainha o nomeou mestre do Templo de Londres, tendo como colega o puritano Walter Travers (1548-1635), com o qual se revezava no púlpito. Desenvolveu as idéias de Cranmer favoráveis à linha tradicionalista, com sua liturgia elaborada e governo hierárquico, no que teve o pleno apoio de Elizabete. Sua influência se fez sentir através de seus sermões e da importante obra em vários volumes As leis do governo eclesiástico. Sustentou a suprema suficiência e autoridade das Escrituras (art. 6° dos Trinta e nove artigos), mas reconheceu outras autoridades subsidiárias, como a tradição, as leis nacionais e a consciência individual. Fez uso da teologia natural tomista, na qual a graça não conflita com a natureza. O ser humano possui a luz da razão e liberdade moral (livre-arbítrio). A mente humana natural, mesmo sem o auxílio da revelação especial, pode discernir algo de Deus e cooperar com a graça.

Hooker aceitou a antiga idéia católica e ortodoxa da salvação como deificação, acreditando que os sacramentos unem a pessoa a Deus e a tornam verdadeiramente santa e imortal. Ele apenas acrescentou que esse processo pressupõe a fé e só se completa no céu. Embora aceitasse o sacerdócio de todos os crentes, defendeu o clericalismo da tradição anglicana, aproximando-se do sacerdotalismo católico. Defendeu e fortaleceu o ofício de bispo e estreitou os laços entre a igreja e o estado. Era um ardoroso defensor da via media entre o catolicismo e o protestantismo, e tinha uma atitude aberta e tolerante em relação aos católicos. Seu pensamento não se baseava em dualismos radicais (certo x errado), mas em gradações.

Quanto aos documentos teológicos básicos da tradição anglicana, o Livro de oração comum, que já sofreu muitas revisões, teve o propósito básico de simplificar e uniformizar a liturgia anglicana. Ele define os textos dos sermões para todos os domingos, bem como as leituras, litanias, modelos para cultos especiais e celebração dos sacramentos. Os Trinta e nove artigos, de teor claramente protestante, são a confissão doutrinária oficial do anglicanismo. Afirmam a Trindade, as duas naturezas de Cristo, a autoridade suprema das Escrituras, a autoridade especial dos credos antigos, a salvação pela graça por meio da fé e a eleição. Evitam a dupla predestinação e admitem a possibilidade de basear a eleição na presciência. Por ser herdeira direta de movimentos anteriores, a Reforma inglesa não trouxe grandes inovações no campo da teologia histórica.

Textos: