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PERÍODO MODERNO

6. João Wesley e o metodismo

Depois do puritanismo, o metodismo foi outro movimento que procurou renovar a tradição anglicana, cada vez mais formal e racionalista. Seu principal fundador foi John Wesley (1703-1791), um dos dezesseis filhos do ministro anglicano da cidade de Epworth. Quando pequeno, John quase morreu em um incêndio da casa pastoral, fato que o levou a se descrever em seu diário como um “tição arrancado das chamas”. Tinha a convicção de ter sido chamado por Deus para reavivar o verdadeiro cristianismo na Inglaterra. Com vistas ao ministério na igreja anglicana, estudou na Universidade de Oxford, onde fundou com o irmão Charles Wesley (1707-1788) e o amigo George Whitefield (1714-1770) o “Clube Santo”, uma espécie de célula pietista. Como eles buscavam um método de espiritualidade, os críticos os chamaram de “metodistas”. Após a ordenação, Wesley foi para a Geórgia, na América do Norte, como missionário aos colonos ingleses. Na viagem o navio quase naufragou numa tempestade e ele ficou profundamente abalado com seu medo da morte e a serenidade de um grupo de morávios pietistas. Seu breve pastorado fracassou e ele voltou humilhado para a Inglaterra.

No dia 24 de maio de 1738, Wesley participava de uma reunião na rua Aldersgate, em Londres. Durante a leitura pública do prefácio do comentário de Lutero sobre a epístola aos Romanos, sentiu o coração “estranhamente aquecido”. Teve profunda consciência do que Cristo havia feito por ele e alcançou a certeza da salvação. A partir daí, começou uma longa série de campanhas evangelísticas com seus dois companheiros. Viajou milhares de quilômetros a cavalo, pregando às multidões ao ar livre e em salões alugados, o que marcou o início do avivamento evangélico inglês. Pregou mais de vinte mil sermões, muitos dos quais foram publicados. Seu irmão escreveu centenas de hinos. Wesley pregava a conversão e a santidade ao povo que se sentia excluído da igreja estatal. Para os novos convertidos, fundou sociedades metodistas semelhantes aos collegia pietatis dos pietistas alemães. Antes da sua morte, embora essa não fosse a sua intenção inicial, o metodismo já havia se tornado uma denominação plenamente estabelecida nos Estados Unidos (1784) e na Inglaterra (1787).

A teologia de Wesley está exposta em seus sermões, diário, notas e comentários, bem como no Livro de disciplina metodista e em diversos tratados. Foi influenciado por autores tão diversos como Richard Hooker, Jacó Armínio, conde Zinzendorf e os puritanos Richard Baxter e William Perkins. Wesley abraçou a teologia arminiana, o que causou a separação entre ele e o colega George Whitefield, um calvinista convicto. Este foi o

principal pregador do Grande Despertamento nas colônias norte-americanas (1740) e se tornou grande amigo de Jonathan Edwards. Ao contrário de Edwards, que deu ênfase suprema à glória de Deus, Wesley colocou o amor de Deus no centro da sua teologia. Sua maior contribuição à história da teologia está na reinterpretação de dois princípios clássicos da Reforma protestante: sola Scriptura e a justificação pela graça mediante a fé. Além de sustentar a autoridade suprema das Escrituras, sob a influência de Hooker e dos pietistas Wesley propôs outras três ferramentas essenciais para a teologia – a razão, a tradição e a experiência – conjunto esse que constitui o quadrilátero wesleyano. Ele as considerou recursos úteis para que a interpretação da Bíblia seja fiel à história da igreja, inteligível e prática.

A segunda contribuição especial de Wesley foi a crença no perfeccionismo cristão ou inteira santificação. Em sua teologia, ele deu maior ênfase à regeneração (conversão) e à santificação do que à justificação, isto é, ao lado experimental da vida cristã. Defendeu o batismo infantil, porém como um meio de graça preveniente ou como uma cerimônia comemorativa. Seu ensino mais controvertido foi na área da santificação. No tratado Explicação clara da perfeição cristã (1767), ele definiu a “perfeição no amor” como algo que ocorre de modo instantâneo, como resultado de um esforço progressivo e “por um ato simples de fé”, pouco ou bastante tempo após a conversão. Atribuiu toda a experiência cristã à graça e declarou que o único instrumento pelo qual ela produz a virtude na vida humana é a fé, e não as obras nem os esforços humanos. Ao mesmo tempo, afirmou que a graça pode ser resistida e que a fé é simplesmente a decisão livre, capacitada pela graça preveniente, de não resistir, mas confiar inteiramente no favor de Deus. Quanto ao sacerdócio dos crentes, Wesley o limitou ao manter o governo episcopal, no qual os bispos nomeiam, transferem ou suspendem os pastores e exercem autoridade sobre as igrejas locais. O metodismo exerceu uma influência profunda e duradoura na teologia norte- americana e nas igrejas evangélicas ao redor do mundo.

Textos:

Análises: Olson, 522-529; González, III:310-319; Lane, II:59-64; Hägglund, 297-298; Noll, 231-256; Berkhof, 140-141.

7. O deísmo

No contexto do iluminismo da pós-Reforma, surgiu uma expressão inteiramente nova da teologia cristã, diferente de tudo o que havia existido até então. Trata-se do deísmo ou da religião natural, que afirmou a autoridade suprema da razão em todas as questões religiosas. Os deístas defenderam o ideal de uma religião universal e racional que superasse as lutas sectárias e o dogmatismo, introduzindo uma nova era de paz, esclarecimento e tolerância. Eles podem ser definidos como os pensadores religiosos europeus e norte- americanos dos séculos 17 e 18 que colocaram a razão humana acima da fé e da revelação especial. Para eles, nada devia ser aceito como verdadeiro exceto quando fundamentado na natureza das coisas e condizente com a razão. Entendiam que o cristianismo era a expressão mais sublime da religião racional e natural, mas abandonaram ou reinterpretaram de modo radical boa parte da teologia cristã tradicional. Seu conceito de autoridade em matéria

religiosa não mais se baseava na Palavra inspirada e no testemunho do Espírito, mas no primado da razão.

Dois fatores precipitaram essa mudança dramática. Primeiro, a grande desilusão com a religião organizada e o dogmatismo em virtude dos conflitos e da intolerância religiosa nos séculos 16 e 17, tais como as guerras religiosas na França e a Guerra dos Trinta Anos no Sacro Império. Em segundo lugar, a influência do iluminismo (em inglês, enlightenment), uma nova tendência da cultura européia a partir de mais ou menos 1650. Essa nova atitude intelectual tinha três idéias características: o poder da razão para descobrir a verdade sobre a humanidade e o mundo, ceticismo quanto às antigas instituições e tradições, ascendência da mentalidade científica em contraste com a abordagem medieval. Os forjadores iniciais do iluminismo foram o filósofo francês René Descartes (1596-1650) e o matemático inglês Isaac Newton (1642-1717), os quais, apesar de se considerarem cristãos, lançaram os alicerces do novo modo de pensar, um novo conceito sobre o mundo natural. Agora, os lemas a serem seguidos eram “creio somente no que posso entender” e “a fé segue a compreensão”.

Os deístas procuraram adaptar o cristianismo à mentalidade iluminista, daí o deísmo ser considerado a religião do iluminismo. Seu objetivo era reconstruir o pensamento cristão, sob pena de que se tornasse irrelevante no novo mundo científico. Seus expoentes iniciais eram todos ingleses. Lorde Herbert de Cherbury (1583-1648) é considerado o primeiro precursor do deísmo. Era membro de uma família rica e poderosa e teve uma vida um tanto libertina. Escreveu uma pequena obra em latim, De veritate ou Sobre a verdade, publicada em Paris em 1624, que foi a primeira apresentação da religião natural. Atacou a fé cega em revelações, as lutas sectárias e o irracionalismo religioso. Propôs cinco “noções comuns da religião” que são universais, racionais e naturais: há um Deus supremo; esse Deus deve ser adorado; a essência da prática religiosa é a conexão entre virtude e piedade; os vícios e crimes humanos são óbvios e devem ser expiados pelo arrependimento; após esta vida haverá recompensas e castigos. Segundo Lorde Herbert, essas noções abrangiam todos os lugares e todas as pessoas. Ele se considerava cristão, embora fosse cético quanto a certas doutrinas, como a da Trindade. Seu livro foi amplamente livro no século 17 e lançou as bases do deísmo.

Outro ilustre precursor do deísmo foi John Locke (1623-1704), o intelectual mais influente da Inglaterra em seu tempo, que era constantemente consultado sobre questões filosóficas, políticas e religiosas. Seu Ensaio sobre o entendimento humano revolucionou a filosofia do iluminismo ao inaugurar a escola empírica, que ajudou a moldar a ciência moderna. Locke tinha grande interesse por questões religiosas. Seu tratado mais importante nessa área foi A racionalidade do cristianismo (1695), no qual procurou justificar as crenças cristãs básicas por meio da razão. Deu pouca importância às doutrinas clássicas, como a Trindade e a divindade de Cristo, procurando demonstrar que a essência da revelação e da fé cristã é plenamente consistente com a razão. Tratou a religião inteiramente como uma questão de crença intelectual. A revelação deve ser avaliada pela razão humana natural; o que não for consistente com esta deve ser rejeitado. Todavia, Locke evitou qualquer rejeição explícita de doutrinas cristãs essenciais. Para ele, o cristianismo autêntico se reduzia à crença em Jesus como o Messias, ao arrependimento e a

uma vida virtuosa. Esse divórcio entre a religião revelada e a que pode ser derivada somente da razão abriu as portas para o deísmo.

O primeiro deísta propriamente dito foi John Toland (1670-1722), um admirador confesso de Locke. Publicou o controvertido livro Cristianismo não misterioso (1696), no qual sustentou que somente pode ser considerado cristianismo autêntico o que é condizente com a religião natural, puramente racional e acessível a todos. Toda alegada revelação que seja ininteligível e impossível, isto é, misteriosa, não pertence ao âmbito da verdadeira religião, pois exige o sacrifício do intelecto, a imagem de Deus no ser humano. Assim sendo, a razão julga a veracidade da revelação. Dando um passo além, Toland afirmou que, ao contrário das religiões históricas, a religião verdadeira é eterna e imutável. Desse modo, a religião natural da razão é o padrão de julgamento de toda religião positiva, inclusive o cristianismo. Este fica simplesmente reduzido a uma religião natural, àquilo que a razão natural pode conhecer. O livro de Toland abriu para muitas pessoas cultas a possibilidade de serem religiosas e, ao mesmo tempo, rejeitar a religião revelada e o cristianismo oficial.

Outro importante pioneiro do deísmo foi Matthew Tindal (1657-1733). Seu livro O cristianismo é tão antigo quanto a criação, ou o evangelho é uma reedição da religião da natureza (1730) se tornou a “bíblia dos deístas”. Tindal foi professor do conceituado All Souls College, da Universidade de Oxford. Levando as idéias de seus precursores à sua conclusão lógica, deu a entender que o cristianismo verdadeiro não passa de um sistema ético racional. Segundo ele, a religião consiste basicamente em cumprir os deveres morais, não havendo necessidade de revelação especial, graça ou Salvador. Basta a crença em um Ser Supremo vagamente pessoal como base para a moralidade objetiva e universal. A obra de Tindal influenciou fortemente os principais criadores da república americana, como Benjamin Franklin e Thomas Jefferson. Este último, à semelhança do herege Márcion na antiguidade, criou sua própria Bíblia, que consistia no Novo Testamento isento de todos os relatos e doutrinas considerados contrários à razão.

Em síntese, o deísmo defendeu três idéias básicas. Primeiro, o cristianismo autêntico deve refletir plenamente a religião e a moralidade naturais, que são racionais e acessíveis a todas as pessoas. Segundo, a religião verdadeira trata basicamente da moralidade social e pessoal. As crenças religiosas, tais como a existência de Deus, a imortalidade da alma e as recompensas e castigos futuros, servem apenas como suportes práticos para a ética. Terceiro, as pessoas esclarecidas devem encarar com ceticismo as alegações de revelações e milagres sobrenaturais. A cosmovisão deísta foi moldada em grande parte pela física newtoniana com seu universo governado por leis naturais rígidas, dando pouco espaço à intervenção divina. Alguns deístas foram abertamente anticristãos, como Thomas Paine, autor de A idade da razão (1794), mas a maior parte deles não chegou a esse extremo.

Os deístas acabaram organizando a sua própria denominação religiosa. Em 1774 surgiu em Londres a Capela de Essex, a primeira congregação unitária, ou seja, não- trinitária. Em 1785, a King’s Chapel, em Boston, antes anglicana, tornou-se a primeira igreja unitária dos Estados Unidos. Esse fenômeno se repetiu na década de 1790 com muitas igrejas congregacionais da Inglaterra e da Nova Inglaterra. Finalmente, em 1825 foi organizada uma nova denominação, a Associação Unitária Americana, tendo como

seminário oficial a Escola de Teologia de Harvard. Todavia, a maior parte dos deístas não se filiou a essas igrejas. O deísmo se infiltrou silenciosamente na vida política e religiosa dos Estados Unidos. Seu Deus se tornou o Deus da religião civil americana, como no lema nacional “Em Deus confiamos”. Foi também o precursor da teologia liberal dos séculos 19 e 20.

Textos: Bettenson, 407-412.

Análises: Olson, 531-546; González, III:323-351; Hägglund, 291-305; Costa, 279-282; McGrath, 125-132, 220-225, 337-338; Tillich, 282-288; Tillich II, 56-95.