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PERÍODO MODERNO

13. Teologias contemporâneas

Após a II Guerra Mundial, surgiu enorme diversidade no campo teológico. Devido aos acontecimentos mundiais e às vozes discordantes conservadoras e neo-ortodoxas, o sonho ecumênico dos teólogos liberais não se realizou. A diversidade pode ser saudável, contanto que haja um forte elemento comum ou base unificadora – uma metanarrativa ou história abrangente. Roger Olson observa: “Uma teologia que alega ser cristã deve ter alguma coisa em comum com o evangelho de Jesus Cristo, com o testemunho apostólico dele no NT e com a Grande Tradição da igreja cristã na história” (p. 609). Algumas das principais opções na teologia contemporânea são a teologia do processo, a teologia da libertação e a teologia da esperança.

À semelhança de tantos casos anteriores, a teologia do processo é um exemplo hodierno de uma forte conexão entre teologia e filosofia. Trata-se de uma expressão da teologia liberal que busca reconstruir a doutrina de Deus e toda a teologia cristã para adaptá-la ao pensamento moderno sobre a natureza do mundo. Segundo os pensadores do processo, a teologia cristã deve ser harmonizada com as pressuposições básicas de cada nova realidade cultural. Para eles, não é mais aceitável a antiga tradição teológica cristã influenciada pelo pensamento helenístico, com sua idéia de que a perfeição do ser é estática. No mundo moderno, a mudança não é mais considerada uma evidência de imperfeição. Existir e relacionar-se implica em mudar.

A teologia do processo vai buscar sua fundamentação teórica na filosofia do pensador inglês Alfred North Whitehead (1861-1947). Inicialmente um matemático, ele passou para a filosofia especulativa ao tornar-se professor da Universidade de Harvard em 1924, vindo a criar o sistema metafísico mais notável do século 20. Ele concebeu toda a realidade não em termos de objetos, mas de eventos interligados que denominou “acontecimentos reais” ou “entidades reais”. Ser real é “acontecer” em relação a outros acontecimentos. Nessa filosofia, Deus é o grande organizador cósmico. Ele não é onipotente nem eterno, mas contém o mundo e está contido nele. Deus se desenvolve com o mundo e sob a influência dele.

Cada elemento básico que compõe a realidade tem dois aspectos ou pólos – “primordial” e “conseqüente”. No pólo primordial ou potencial – o caráter básico de Deus que contém ideais ainda não realizados – Deus não muda. O pólo conseqüente de Deus é sua realidade vivida, sua experiência real e está em constante mudança à medida que Deus vivencia o mundo. Deus e o mundo se afetam mutuamente. Deus procura persuadir as entidades reais a alcançarem seu alvo ideal subjetivo, mas elas têm livre-arbítrio e podem resistir ao ideal de Deus, fazendo-o sofrer. Deus se enriquece ou se empobrece conforme as respostas do mundo à sua persuasão.

Os teólogos do processo tentaram relacionar a teologia cristã com a filosofia de Whitehead. Seu principal centro de estudos é a Escola de Teologia de Claremont, na Califórnia, mas essa corrente de pensamento foi adotada nos principais seminários e faculdades de teologia dos Estados Unidos. Seu principal expoente dos anos 60 até os anos 90 foi John Cobb Jr. (1925-), que publicou vários livros enfatizando a interdependência de Deus com o mundo. A teologia do processo dá ênfase à imanência de Deus e à sua natureza pessoal, o que inclui seu amor, vulnerabilidade e mesmo sofrimento. Rejeita o monergismo ou qualquer coerção da parte de Deus. Este apenas convida as entidades reais à integridade e harmonia do seu reino, mas cabe às criaturas livres decidir como vão reagir. Deus não realiza intervenções sobrenaturais e não conhece o futuro plenamente, pois isso depende das decisões livres dos indivíduos.

O maior atrativo dessa teologia está em sua aparente solução para o problema do mal e do sofrimento dos inocentes suscitado pelas atrocidades da II Guerra Mundial. Deus não impediu essas tragédias simplesmente porque não podia fazê-lo. Ele é apenas um “companheiro compreensivo no sofrimento”, mas não pode direcionar as ações das entidades reais. Essa teologia parece muito distante do que a fé cristã histórica ensina sobre a atividade de Deus no mundo. Nesse sistema, não há esperança ou garantia de que Deus terá a vitória no futuro. Alguns evangélicos progressistas têm sido influenciados pela teologia do processo e elaborado uma abordagem conhecida como “teísmo aberto” ou “teísmo do livre-arbítrio”, segundo o qual, por causa da genuína liberdade concedida aos seres humanos, Deus não exerce controle meticuloso sobre o universo, não predetermina o futuro, nem o conhece plenamente. Seus principais proponentes são John Sanders e Clark Pinnock.

A partir dos anos 70, foi articulada na América Latina e na América do Norte uma teologia fortemente contextual que focalizou a problemática da opressão social, racial,

política e econômica. O movimento, conhecido como teologia da libertação, surgiu inicialmente na América Latina, onde teólogos católicos e protestantes começaram a refletir sobre a situação de miséria e injustiças desse continente. Logo essa teologia passou a ser aplicada a outros contextos, como foi o caso da teologia negra e da teologia feminista, ambas nos Estados Unidos. A teologia da libertação latino-americana foi importante por ser o primeiro caso de uma teologia influente surgida fora do eixo Europa-América do Norte. Também ocorreram manifestações dessa teologia na África e na Ásia.

As diferentes formas de teologia da libertação apresentam certas ênfases comuns. Em primeiro lugar, incluem uma crítica das injustiças sociais, quer na forma de pobreza estrutural, racismo ou patriarcalismo. Argumentam que a teologia não pode ser genérica nem social e politicamente neutra, mas contextualizada e comprometida com a justiça em cada situação específica. Ela deve ser uma reflexão concreta aliada a uma “práxis” ou atividade libertadora. Em segundo lugar, elas insistem que Deus tem preferência pelos oprimidos e que estes têm uma compreensão especial da vontade de Deus. Como no evangelho social, a salvação é vista antes de tudo em termos históricos e sociais, não individuais. Finalmente, a missão da igreja consiste em participar ativamente da libertação dos oprimidos, identificando-se com eles. Na América Latina, essa teologia foi abraçada e endossada por boa parte do episcopado católico. Em El Salvador, o bispo Oscar Romero foi assassinado por se opor ao regime em defesa dos pobres.

O pai da teologia da libertação latino-americana é Gustavo Gutiérrez (1928-), um sacerdote e teólogo católico peruano, autor do livro Uma teologia da libertação (1971). Através da “teoria da dependência”, influenciada pela análise marxista, ele atribuiu a origem da injustiça política e econômica na América Latina à interferência das nações do hemisfério norte, que teriam deliberadamente mantido as nações do hemisfério sul em uma situação de desvantagem. Para ele e seus simpatizantes, a salvação está na derrota das forças que mantêm na pobreza as maiorias latino-americanas e no estabelecimento de sistemas político-econômicos de caráter socialista. Um precursor da teologia da libertação foi o missionário presbiteriano norte-americano M. Richard Shaull (1920-2002), que trabalhou na Colômbia e no Brasil em meados do século 20. Outros nomes conhecidos são Juan Luís Segundo, Jon Sobrino, José Miguez Bonino e os brasileiros Rubem Alves, Hugo Assmann e Leonardo Boff.

O principal nome da teologia afro-americana é James Cone (1938-), que no fim dos anos 60 e início dos anos 70 participou de movimentos Black Power (Poder Negro). Em dois livros inovadores e influentes – A teologia negra e o poder negro (1969) e Uma teologia negra da libertação (1970) –, ele procurou justificar o ativismo radical sob o argumento de que Deus é negro e que o poder negro é “a principal mensagem de Cristo à América no século 20”. Nos anos 70, Cone foi professor de teologia sistemática no Seminário Teológico Union, em Nova York.

No que diz respeito à teologia feminista, a personagem mais destacada é a teóloga católica Rosemary Ruether (1936-), que lecionou em um seminário metodista dos Estados Unidos. Em seu livro Sexismo e linguagem sobre Deus (1983), ela identificou como mal básico o patriarcalismo, que denota tanto o domínio dos homens quanto a estrutura social hierárquica na qual tudo é controlado por figuras paternas (na família, na igreja, etc.). O

próprio entendimento de Deus como Pai e como figura masculina foi severamente questionada nessa teologia, que propôs uma mudança da terminologia bíblica nessa área. O efeito mais perceptível da teologia feminista ocorreu na área da “linguagem inclusiva”. Algumas expressões do pensamento feminista adquiriram uma conotação extremamente radical, anticristã e pagã.

Dentre as muitas expressões da teologia do século 20, outra que alcançou destaque foi a chamada teologia escatológica ou teologia da esperança, associada aos pensadores alemães Jürgen Moltmann e Wolfhart Pannenberg. Entre o fim dos anos 60 e o início dos anos 90, eles foram tidos como os mais influentes teólogos protestantes contemporâneos de renome mundial. A despeito de suas diferenças, procuraram resgatar a abordagem realista da escatologia bíblica, distinguindo-a tanto do dispensacionalismo fundamentalista (pré- milenismo) quanto da interpretação sociológica liberal (o reino de Deus na terra). Ambos se converteram ao cristianismo após a derrota da Alemanha na II Guerra Mundial e durante algum tempo lecionaram juntos em um seminário da igreja estatal. Também lecionaram em seminários e universidades nos Estados Unidos quando estavam licenciados de suas cátedras, adquirindo sólida reputação como os principais teólogos protestantes moderados.

Jürgen Moltmann (1926-) tornou-se cristão em um campo de prisioneiros de guerra na Inglaterra e filiou-se à igreja reformada, tendo lecionado por muitos anos na conceituada Universidade de Tübingen. Adquiriu notoriedade com a publicação do livro Teologia da esperança (1964), no qual acentuou a revelação como promessa e a salvação como a obra histórica de Deus pertencente ao futuro. Deu grande ênfase ao reino de Deus, insistindo que somente Deus pode concretizá-lo. A ressurreição de Cristo é a antecipação concreta (prolepse) do reino, quando todas as promessas dos novos céus e terra serão cumpridas. Seu ensino peculiar foi a identificação de Deus como o poder e o impulso do futuro que irrompe na história, embora também afirme que Deus é trino, uno e pessoal, conforme se pode verificar em suas obras O Deus crucificado (1974) e A Trindade e o reino (1981).

Wolfhart Pannenberg (1928-) converteu-se ao cristianismo quando era estudante universitário em Berlim. Tornou-se luterano e fez carreira na Universidade de Munique. A obra que lhe deu fama foi Jesus: Deus e homem (1964), na qual afirmou o caráter verificável da ressurreição corpórea de Cristo como evento histórico. À semelhança de Moltmann, interpretou a ressurreição de Cristo como evento escatológico e antecipatório do futuro reino de Deus. Em outros livros, como A teologia e o reino de Deus (1969) e A idéia de Deus e da liberdade humana (1973), expressou conceitos bastante radicais, como a aparente não-existência atual de Deus para o mundo. Deus existe no futuro, quando finalmente revelará sua divindade e sua majestade. Deus se realiza com e pela história mundial, sem se tornar dependente dela. Porém, em nossa experiência humana finita Deus parece ainda não existir, porque sua majestade é escatológica. Como Barth, os dois teólogos escatológicos afirmaram que Deus não precisa do mundo para ser o que é, mas decide se relacionar com o mundo para percorrer a história junto com ele.

Como a teologia do processo, a teologia escatológica também parece oferecer uma solução para o problema do sofrimento: os males acontecem porque o mundo ainda não é o reino de Deus. Como Deus dotou o mundo de liberdade, precisa atuar nele sem dominá-lo.

Ele sofre com a história humana, envia do futuro Jesus Cristo e o Espírito Santo para demonstrar seu amor e no fim virá ao mundo e anulará todo o pecado e mal.

Textos: Moltmann, Deus na criação; O caminho de Jesus Cristo; O Espírito da vida. Análises: Olson, 616-627; González, III:456, 459-462, 475-478; Lane, II:141-156, 199- 208; Mondin, 283-302; McGrath, 148-150, 153-157, 339-342, 460-462, 635-636; Tillich,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS