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Ao longo dos primeiros séculos da era cristã, vários fatores contribuíram para dar ao cristianismo da parte oriental do Império Romano, a igreja grega, características próprias que o distinguiram do cristianismo ocidental, latino. Em primeiro lugar, havia a própria diferença geográfica, cultural e lingüística. Além disso, as duas partes da chamada Grande Igreja tinham mentalidades diversas e desenvolveram suas próprias tradições teológicas, com interesses, controvérsias e personagens específicos. Enquanto que o Ocidente experimentou o impacto de Agostinho, a teologia grega também foi marcada de maneira duradoura e profunda por uma mente brilhante – Orígenes –, com seu conceito fortemente sinergístico da salvação, sua ênfase no caráter inefável e imutável de Deus e sua noção de encarnação salvífica.

A teologia latina sempre foi mais objetiva, prática e racional. Por exemplo, ela se apoiava em autoridades documentadas, via a teologia como uma espécie de filosofia e considerava a salvação em termos jurídicos. A teologia grega era mais mística e especulativa. Enquanto os latinos encaram o culto como um produto da reflexão sobre a Escritura e a teologia, a abordagem grega é oposta: a sua teologia é fruto da tradição de adoração (lex orandi, lex credendi – “a lei do culto é a lei da crença”). Para os cristãos ortodoxos, a tradição governa a igreja e a vida do cristão. Ela inclui as Escrituras, mas seu aspecto mais importante é a liturgia. Para a igreja oriental, a tradição se completou em 787, no sétimo e último concílio de Nicéia II. Por isso ela às vezes é denominada a Igreja dos Sete Concílios. Essa igreja acredita que o desenvolvimento do seu culto até Nicéia II, especialmente no reinado de Justiniano, foi divinamente inspirado. Em suma, a teologia ortodoxa oriental é a reflexão sobre a tradição, que inclui a adoração e as Escrituras. Ela é mística, reconhece os mistérios e os paradoxos, e resiste à sistematização racional. Três

notáveis teólogos e duas controvérsias foram fundamentais para moldar a ortodoxia oriental como um ramo distinto da teologia cristã.

Por causa da importância atribuída à adoração, João Crisóstomo (c. 349-407) é um dos pais da igreja mais reverenciados pela igreja ortodoxa. Ele nasceu em Antioquia e abraçou a vida monástica. Destacou-se como pregador e expositor bíblico na melhor tradição exegética da sua cidade, tendo deixado numerosos sermões e comentários da Bíblia. Em 397, foi nomeado bispo de Constantinopla pelo imperador Teodósio I. Empenhou-se em reformar a vida do clero local, começou a pregar contra a predominância do imperador sobre a igreja (cesaropapismo) e condenou as desigualdades e injustiças sociais da cidade, tornando-se um herói da população oprimida. Em 401, teve a ousadia de comparar a imperatriz Eudóxia à rainha Jezabel. Impelido por motivações políticas, o bispo Epifânio de Chipre começou a acusá-lo injustamente de ser um “herege origenista”. Em setembro de 403, João foi condenado e deposto por órgãos eclesiásticos, sendo a seguir exilado. Após uma série de retornos temporários, morreu em uma marcha forçada para um exílio mais remoto (407). Anos mais tarde, seus despojos foram sepultados com honras em Constantinopla e ele passou a ser conhecido como Crisóstomo – “boca de ouro”. Embora tenha dado pequena contribuição à teologia, ele é considerado o paradigma de um teólogo, pois, para a ortodoxia oriental, o bom teólogo é aquele que ora e prega bem.

Outro grande teólogo da igreja grega é Máximo, o Confessor (c. 580-662). Natural de Constantinopla, ele seguiu a carreira pública e se tornou secretário pessoal do imperador Heráclio. Pouco depois, abraçou a vida monástica. Numa visita a Cartago em 632, tomou conhecimento do “monotelismo”, contra o qual lutou até a morte. Tratava-se da idéia de que, embora Jesus Cristo fosse uma pessoa com duas naturezas completas, ele tinha uma única vontade – a divina. Essa idéia foi uma proposta para reunificar a igreja, reconciliando os cristãos ortodoxos (calcedonianos) e os monofisitas, insatisfeitos com a Definição de Calcedônia. Máximo combateu o monotelismo em favor do diofisismo (duas vontades naturais em Cristo) por entender que ele significava o retorno ao monofisismo, com sua negação da verdadeira humanidade de Cristo. Isso colocava em risco tanto a cristologia quanto a soteriologia ortodoxa. Numa visita a Roma, onde foi buscar o apoio do papa Martinho I, Máximo foi preso por tropas bizantinas. Levado a Constantinopla em 655, foi condenado por repudiar a autoridade do imperador sobre a igreja e a teologia. Após recusar-se a negar suas opiniões duotelitas e fazer um acordo com os monofisitas, foi torturado e exilado na região do Mar Negro, onde morreu. Mais tarde foi reconhecido como grande defensor da fé de Calcedônia e recebeu o título honorífico de “o Confessor”. O monotelismo foi oficialmente condenado no 3° Concílio de Constantinopla, em 681, o sexto concílio ecumênico. Com isso, os monofisitas se separaram definitivamente da igreja oriental.

Máximo também é conhecido por ter feito uma grande síntese da teologia oriental que se tornou padrão para o ensino e a interpretação da fé ortodoxa, sendo considerado o verdadeiro pai da teologia bizantina. Seu pensamento, expresso em cartas, discursos, rascunhos e debates, é bastante complexo e por vezes enigmático. Sua ontologia ou visão da realidade tem como ponto focal a encarnação, tida como o ápice da criação e o propósito supremo de tudo. Na sua opinião, a encarnação teria ocorrido mesmo que os seres humanos não tivessem pecado. Deus criou o mundo como uma expressão de si mesmo e decidiu

unir-se a ele por meio do Logos, o Filho. O pecado humano impediu a unificação de todas as coisas com Deus pelo Logos, visto que a raça humana ocuparia o centro dessa unidade cósmica-divina habitada pelo Logos. A encarnação do Logos, que era o propósito natural da criação, tornou-se, em vez disso, uma operação de salvamento. Todavia, ela também retomou o projeto original de Deus de unir-se a toda a criação.

A tarefa da raça humana nesse processo é harmonizar todos os aspectos da realidade para que a criação, como um todo, seja um veículo digno da presença de Deus. Portanto, a encarnação universal depende da cooperação humana, mediante sua sujeição voluntária à vontade de Deus. Para isso é necessária a encarnação, que dinamiza a criatura humana para atuar com Deus na deificação cósmica. É o que Máximo designa com o termo “teândrico”: Deus e o homem interagindo para o bem de toda a criação. Por causa da encarnação, tudo tem uma dimensão teândrica. Para que ela funcione, o ser humano deve cooperar livremente com Deus mediante o uso do livre-arbítrio. Essa visão teândrica foi a base da total oposição de Máximo ao monotelismo. Se Cristo não tivesse uma vontade humana, a sua humanidade não poderia cooperar livremente com o chamado do Logos para que se consumasse o plano divino da criação e da redenção. Essa vontade humana sempre optou livremente por cooperar com o Logos, porque, para Máximo, ao contrário dos seres humanos, a natureza humana de Jesus Cristo não tinha livre-arbítrio no sentido de livre escolha, ou a capacidade da escolha contrária, mas apenas a “liberdade de fazer o que se deseja” (Agostinho).

O episódio que encerrou o período formativo da teologia ortodoxa foi a controvérsia iconoclasta do século 8°, que teve como personagem principal João Damasceno, tido como o último dos pais da igreja oriental. Na tradição bizantina, os ícones são quadros ou pinturas (não estátuas) de Cristo e dos santos que desempenham um importante papel no culto e na vida devocional. Em teoria, não são adorados, mas visam ajudar os fiéis nas suas orações, como pontos de contato com Deus. No século 8°, alguns líderes civis e religiosos ficaram preocupados com o seu uso crescente e o imperador Leão III ordenou a destruição dos ícones (725). Houve violentos conflitos durante décadas, envolvendo principalmente monges, com mortes e confusão geral. Os iconoclastas (destruidores de ícones) viam nos ícones de Cristo uma forma de idolatria e uma deturpação do relacionamento das duas naturezas. Também os consideravam obstáculos à conversão de muçulmanos e judeus.

João Damasceno (c.660-c.750) notabilizou-se entre outras coisas por fornecer a justificativa teológica para o uso das imagens sagradas no culto. Ele nasceu em Damasco e viveu muitos anos no mosteiro de São Saba, perto de Jerusalém. Nos seus Discursos contra os iconoclastas (726-730), argumentou que a encarnação do Verbo produziu uma mudança radical no relacionamento de Deus com o mundo físico, legitimando o uso da matéria para representar o Ser divino. Ele também fez uma distinção importante entre adoração – latria (somente a Deus) e veneração ou reverência – proskynesis (aos ícones como canais sacramentais da energia divina). Graças à sua influência, o Segundo Concílio de Nicéia (787), o sétimo e último concílio ecumênico da igreja oriental, condenou os iconoclastas. João de Damasco também produziu a primeira grande síntese da teologia bizantina, Exposição da fé ortodoxa, que salienta conceitos essenciais como a encarnação salvífica, a deificação da humanidade em Cristo e o caráter inefável e inescrutável de Deus.

Informações adicionais Textos: Bettenson, 161-163.

Análises: Olson, 295-308; González, II:86-102, 187-195; Lane, I:59-61 (João Crisóstomo), 84-86 (A tradição oriental), 91-99 (Máximo, o Confessor; Concílio de Constantinopla III; João Damasceno; Concílio de Nicéia II); Hägglund, 87-88; EHTIC, I:32-34. Autores católicos: Altaner e Stuiber, 324-332 (João Crisóstomo), 516-518 (Máximo, o Confessor), 520-526 (João Damasceno); Hamman, 191-200; Moreschini e Norelli, II/1, 189-207.