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PERÍODO MEDIEVAL

4. Tomás de Aquino

Foi na cidade de Paris, no século 13, que viveu o maior dos pensadores escolásticos, Tomás de Aquino (1225-1274) – o “Doutor Angélico”. Seu ensino é hoje a norma da teologia católica romana, conforme declarou o papa Leão XIII na encíclica Aeterni Patris (1879). Os teólogos escolásticos da Idade Média eram também filósofos, pois consideravam as duas disciplinas inseparáveis. Seu objetivo era fazer uma integração de ambas, tendo a filosofia como serva da teologia, a rainha das ciências. Apesar de sua reflexão complexa e altamente especulativa, o interesse maior de Aquino foi o mistério da salvação.

Tomás de Aquino nasceu no castelo de sua família perto de Roccasecca, na Itália, a meio caminho entre Roma e Nápoles. Seu pai, o conde Landulfo de Aquino, era um membro abastado da pequena nobreza. O menino fez os primeiros estudos no mosteiro de Monte Cassino, fundado por Bento de Núrsia. Na Universidade de Nápoles, entrou em contato com a filosofia de Aristóteles e com a recente ordem dos dominicanos, apaixonando-se por ambas. Ingressou nessa ordem em 1242, mas a família o seqüestrou e o manteve confinado no castelo por dois anos. Após ser solto, ingressou na Universidade de Colônia, na Alemanha, onde foi aluno do grande escolástico dominicano Alberto Magno (1193-1280), que previu a sua futura grandeza. Deu continuidade aos seus estudos teológicos e filosóficos na Universidade de Paris, cuja escola de teologia era dominada pelos franciscanos, opostos a Aristóteles. Em 1256, começou a sua carreira como professor de teologia na mesma cidade. Suas obras mais importantes foram as volumosas Suma contra os gentios (apologia contra eruditos islâmicos) e Suma teológica (uma teologia sistemática). No seu último ano de vida nada escreveu, possivelmente devido a experiências místicas que teve. Foi canonizado em 1323 e em 1567, no Concílio de Trento, o papa Pio V lhe conferiu o título de Doutor Universal da Igreja.

O pensamento de Aquino é enciclopédico, abrangendo uma enorme variedade de temas. Seu estilo era tipicamente escolástico, iniciando com uma questão disputada, examinando as objeções e expondo o seu ponto de vista. Em seu apoio, citava autoridades reconhecidas como a Bíblia, os pais de igreja, concílios e credos. Seu objetivo foi demonstrar a harmonia essencial entre as idéias filosóficas de Aristóteles e as verdades cristãs, embora discordasse do filósofo grego em alguns pontos (por exemplo, a eternidade do universo). Seu método teológico começou por estabelecer uma relação entre o conhecimento natural e a revelação, mostrando não haver um conflito básico entre eles. Todavia, ao contrário de Anselmo, não considerou a fé indispensável para o entendimento de certas questões, como a existência de Deus, seus atributos, a imortalidade da alma e as leis morais básicas.

Aquino acreditava que a realidade é constituída de duas esferas distintas e autônomas. De um lado, existe o reino da atividade sobrenatural e graciosa de Deus, ao qual pertencem a revelação especial, a fé e a salvação (reino superior). De outro lado, há um reino natural e um conhecimento natural, mesmo de certas coisas concernentes a Deus (reino inferior). Nessa esfera, ou seja, a natureza, a razão tem o seu próprio âmbito de atividade e competência. Essa foi uma inovação polêmica, pois os escolásticos anteriores e os pais da igreja nunca haviam feito tal diferenciação. Tal é o fundamento da teologia natural tomista. A razão em si mesma, até mesmo a de um não-cristão como Aristóteles, pode ter um conhecimento genuíno, ainda que parcial, de certos aspectos de Deus, como sua existência e atributos. Todavia, em outras áreas, como a Trindade, a encarnação e a criação ex nihilo, ela precisa ser auxiliada e complementada pela revelação. Mesmo assim, a crença nessas verdades da revelação não é irracional; elas simplesmente transcendem o que a razão pode descobrir sozinha. A salvação e a “visão beatífica de Deus” também são totalmente dependentes da ação graciosa divina.

Aquino encontrou na filosofia de Aristóteles o que havia de melhor no reino inferior da razão. O exemplo mais acabado disso é o conhecimento natural de Deus: ele entendeu que a existência de Deus podia ser demonstrada pela razão natural. Também alegou que todo conhecimento natural começa com a experiência sensorial e por isso rejeitou o argumento ontológico de Anselmo. Aquino tomou do aristotelismo cinco maneiras de demonstrar racionalmente a existência de Deus, todas as quais se relacionam com os efeitos naturais que Deus produz como sua causa necessária.

A primeira demonstração se baseia no movimento natural: tudo que é movido precisa ter uma causa motriz e não pode haver uma cadeia infinita de regressão do movimento. Portanto, há uma causa motriz que não é movida por outra – Deus (o “primeiro motor imóvel” de Aristóteles). A segunda prova se baseia na causalidade até chegar à “primeira causa eficiente”. A terceira demonstração, considerada a base da teologia natural tomista, parte da distinção entre coisas necessárias e contingentes para concluir que Deus é o único ser que tem sua própria necessidade e não a recebe de outrem. A quarta prova, semelhante ao argumento de Anselmo no Monologium, considera as gradações que se acham nas coisas e conclui que deve haver algo que seja a causa da existência e outros atributos de todos os seres. A última prova, conhecida como argumento teleológico ou do desígnio, afirma que existe um ser inteligente pelo qual todas as coisas naturais são dirigidas para um propósito. Aquino entendeu que somente a existência de Deus podia explicar esses fatos da experiência humana com o mundo natural.

Em seguida, Aquino também se propôs a demonstrar racionalmente a natureza e os atributos desse Deus que é a primeira causa de tudo, o primeiro motor imóvel. Ele é pura realidade sem potencialidade ou mudança (“ato puro”), sua essência e sua existência se equivalem, ele é absolutamente simples (não composto), imutável, impassível, totalmente diferente de qualquer ser finito e criado. Essa abordagem é o que por vezes se denomina teísmo cristão clássico. A crítica que se faz a tal descrição é que esse Deus não parece pessoal, relacional e dotado de sentimentos, mas estático e indiferente, ao contrário do Deus retratado na Bíblia. Como disse Blaise Pascal: “O Deus dos filósofos não é o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó”.

Outra contribuição criativa de Tomás de Aquino diz respeito à natureza da linguagem sobre Deus. Se ele é tão diferente dos seres humanos, como o discurso humano pode descrevê-lo adequadamente? Sua resposta parte da relação entre causa e efeito por meio da qual Deus é conhecido na teologia natural. A causa invisível e desconhecida pode ser descrita pelo exame dos seus efeitos. A solução específica que Aquino oferece para o problema é o conceito de “analogia”, um meio termo entre a linguagem “unívoca” (em que um termo tem o mesmo sentido quando aplicado a diferentes realidades) e a linguagem “equívoca” (em que o sentido é totalmente diferente). No primeiro caso, Deus seria equiparado à criação; no segundo, não se poderia saber nada a respeito de Deus. Na linguagem analógica, o termo descritivo é em parte semelhante e em parte diferente do que ele descreve (ver Mc 10.18).

A soteriologia de Tomás de Aquino reúne vários temas importantes da teologia cristã. A salvação, embora pertencente à esfera superior da graça sobrenatural de Deus, não anula e sim eleva a natureza humana. Para Aquino, a queda destruiu a justiça original do ser humano, o relacionamento com Deus, mas não a imagem de Deus, a razão, que permaneceu essencialmente intacta. A graça salvífica, que atua mediante o batismo, a fé, os sacramentos e as boas obras, restaura o relacionamento com Deus e finalmente leva o ser humano à contemplação celestial de Deus. Essa transformação pela graça se assemelha ao antigo conceito ortodoxo oriental da salvação como divinização.

A soteriologia de Aquino se insere no contexto mais amplo da providência de Deus e da predestinação, doutrinas nas quais ele seguiu de perto Agostinho. Deus é a causa suprema de tudo o que ocorre, exceto o mal, que é simplesmente a ausência do bem. Porém, Deus nem sempre atua diretamente, e sim através de causas secundárias (naturais, na natureza e na história; sobrenaturais, na redenção). Entre essas causas secundárias estão as escolhas do livre-arbítrio humano, em última análise determinadas por Deus, porque ele, sendo a primeira causa, desencadeia tanto as causas naturais como as voluntárias. Para Aquino, como para Agostinho, o livre-arbítrio equivale a fazer o que se deseja (livre agência), e não a capacidade de agir de modo diverso. A salvação é uma dádiva exclusiva de Deus e não pode ser conquistada pelo mérito humano. Até mesmo a fé é uma dádiva divina. Portanto, Aquino, como o bispo de Hipona, adotou uma postura monergista. Todavia, no final da Idade Média a maioria dos católicos romanos adotou o sinergismo, contra o qual Lutero se insurgiu.

Textos: Bettenson, 228-243.

Análises: Olson, 339-356; González, II:247-272; Lane, 151-158; Hägglund, 156-159; Tillich, 186-201; McGrath, 80-81, 253-255, 272-273, 294-298, 338-339; Küng, 97-122; Berkhof, 160-162.