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2 OS IMBRICAMENTOS ENTRE A VIDA E A OBRA DE MARTIN

2.2 REFLEXÕES GERAIS SOBRE A FILOSOFIA DE BUBER

2.2.1 Base antropológica do pensamento buberiano

Toda vida atual é encontro (BUBER, 2004, p. 59).

Esse primeiro elemento que abordamos no presente subtópico – e que abre a apresentação aos demais elementos – é fundamental à compreensão da teoria filosófica, educacional e humana de Martin Buber. Trata-se da base antropológica do seu pensamento. Isso porque, em sua vida, Buber se voltou ao estudo do homem e da humanidade, buscando compreender os problemas fundamentais que nos afligem, bem como o sentido de nossa existência. Esse elemento é tão significativo em sua obra que alguns autores a caracterizam como uma antropologia filosófica.

Encontramos, na raiz dessa antropologia, a noção de que o homem é um ser de relação. Ou seja, a natureza humana só é manifesta em meio às relações que estabelece, e não no seu isolamento. Dessa forma, podemos dizer que o ser humano não é um ser-isolado-do- mundo ou um ser-isolado-no-mundo. Essa ênfase em compor uma palavra a partir dos termos

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“[...]In Hasidism people are responsible for finding, drawing forth, and “re-connecting” these scattered pieces […]”; “[…]must approach each object with the intent of uncovering that spark and uniting it with their own […]”; “[…]sparks can be hidden through both ignorance and choice, and this creates a prison, a shell, around them”.

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“The sparks are to be found everywhere. They are suspended in things as in sealed-off springs; they stoop in the creatures as in walled-up caves, they inhale darkness and they exhale dread; they wait”.

ser, isolado e do/no mundo é um recurso que a teoria buberiana encontra para situar a real natureza humana: ser-no-mundo, ser-de-relações. Assim, sua concepção antropológica aponta que o homem existe não no seu isolamento, mas na “integridade da relação entre homem e homem” (BUBER, 2014, p. 152).

Característica ontológica do homem é a relação, o “entre” que se estabelece nas relações com os demais seres do mundo e com o mundo mesmo. Por isso, também é comum nos depararmos com o termo “ontologia da relação” caracterizando sua teoria. Newton von Zuben (2004) afirma que a antropologia filosófica de Buber se baseia na ontologia da relação para compreender o homem e o sentido de sua existência, apontando, assim, para uma ética do inter-humano. Buber (2004, p. 70, grifos do autor) assevera tal entendimento ao afirmar que no “princípio é a relação, como categoria do ente, como disposição, como forma a ser realizada, modelo de alma; o a priori da relação; o Tu inato”.

Vimos, a partir da história Ojibwa, que o aspecto relacional da existência humana é marcado pela busca da reunificação das faíscas divinas espalhadas pelo mundo. Porém, a teoria buberiana não é simplista a ponto de afirmar que apenas o contato com outros seres caracteriza essa reunificação divina. Isso é evidenciado nas primeiras linhas de sua obra principal – Eu e Tu: “O mundo é duplo para o homem, segundo a dualidade de sua atitude. A atitude do homem é dupla de acordo com a dualidade das palavras-princípio28 que ele proferir” (BUBER, 2004, p. 53). Isso significa um diferencial em sua antropologia, que é distinguir especificamente duas possíveis atitudes do homem diante do mundo, diante do ser (VON ZUBEN, 2004).

Da leitura da obra buberiana, podemos entender que proferir a palavra-princípio corresponde à ação humana, à forma com a qual interagimos com tudo aquilo e com todos aqueles que nos rodeiam. Como vimos, Buber nos diz que podemos agir no sentido de concebermos esse outro como um Tu, como um portador da faísca divina, respeitando-lhe e buscando reunificar sua faísca com a nossa própria, o que caracteriza, ao mesmo tempo, o nosso Eu (que se delineia a partir da palavra-princípio Eu-Tu); ou podemos agir no sentido de concebermos o outro como um Isso, uma espécie de meio para algum outro fim; o que também caracteriza o nosso Eu (que se delineia a partir da palavra-princípio Eu-Isso). A primeira ação caracteriza a exigência ética do inter-humano apontada acima por von Zuben.

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Para Buber, as palavras-princípio são dois pares de vocábulos (Eu-Tu e Eu-Isso) que caracterizam a atitude do homem diante do mundo. Ao passo que caracterizam aquele ser ou coisa que vem ao nosso encontro (Tu ou Isso), também nos caracterizam (o Eu, da relação que se estabelece com um Tu; ou o Eu, da relação que se estabelece com um Isso). Novamente, o Eu não existe isoladamente. Existe, sim, um Eu que se constitui a partir de uma íntegra relação com o outro ser ou coisa; e outro Eu que se constitui a partir de uma relação utilitária, objetificada com o outro ser ou coisa.

O ser humano, portanto, é entendido como ser-de-relação, ser-no-mundo que se vê imerso em contextos dialógicos. A categoria diálogo também é fundamental para a compreensão da antropologia filosófica de Buber. De forma sucinta – e aproveitando as afirmações acima –, a dialogicidade presente em sua teoria corresponde justamente à constante dinâmica na qual o ser humano está inserido: ver-se questionado/exigido pelo mundo, respondê-lo através de suas ações e receber dele sua resposta. O diálogo buberiano situa-se, primeiramente, no ambiente das ações que transitam desde a percepção do outro, do mundo, até as nossas respostas; situa-se, primeira e ontologicamente, na percepção das necessidades existenciais das pessoas e das coisas que se apresentam em nosso cotidiano, bem como nas respostas, através de nossas ações, a tais exigências. Essa é a base antropológica do seu pensamento.

Tal entendimento germina, fecunda o fator ético: a responsabilidade que acompanha a existência humana. A noção antropofilosófica desse autor, portanto, aponta para a responsabilidade que acompanha o ser-relacional, uma vez que a relação, entendida do ponto de vista ontológico, exige “radicalidade, entrega daquele que se propõe a responder ao outro” (SANTIAGO, 2008, p. 139). Como veremos a seguir, essa responsabilidade também aponta a íntima relação existente entre a concretização da existência humana e as formas de responder às exigências dos demais seres e coisas com as quais convivemos.