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3 MARTIN BUBER E A EDUCAÇÃO

3.2 A RELAÇÃO PEDAGÓGICA NO PENSAMENTO BUBERIANO: os sete

3.2.4 A responsabilidade do educador

Na Hora da Dúvida

Contam: “Havia na cidade de Satanov um homem erudito, cujas meditações e elucubrações o levavam cada vez mais ao fundo da pergunta por que é aquilo que é e por que algo é, em geral. Certa sexta-feira, depois das orações, ele remanesceu na casa de estudos, para continuar meditando, tão enredado estava em suas reflexões. Procurou desembaralhá-las, mas não o conseguiu. Percebeu-o o santo Baal Schem à distância, sentou-se em seu carro e, com seus poderes maravilhosos, que faziam vir- lhe a estrada ao encontro, num piscar de olhos chegou a Satanov e à casa de estudos. Lá estava o erudito com seu tormento. O Baal Schem lhe disse:

– Cismais se Deus existe. Eu sou um tolo e acredito.

O fato de haver um homem inteirado de seu segredo agitou o coração do duvidador e aquele se abriu ao mistério” (BUBER, 1967, p. 114, grifo nosso).

O quarto elemento chama atenção para o fato de que falar em educador significa falar em responsabilidade, em compromisso e em engajamento pessoal. Isso porque a concepção educacional de Buber tem relação direta com sua compreensão de homem e de mundo, num imbricamento ontológico que atribui ao educador o papel de “representante-responsável” (SANTIAGO, 2008, p. 325) pelo mundo e pelo educando (BANIWAL, 2014; BLENKINSOP, 2004; KÜSTER, 2008; PARREIRA, 2010; SANTIAGO, 2008; XAVIER, 2009).

Percebemos a existência de uma sutil semelhança entre o conto apresentado e o fato relatado por Buber quando do seu encontro com um jovem desconhecido39 às vésperas da Primeira Guerra Mundial: em ambas as situações, temos um homem angustiado diante de outro que lhe aborda a partir de uma posição mais estável e equilibrada (relações assimétricas). A única e essencial diferença entre ambas é que, no conto, o mestre agiu a partir do que identificou no mais íntimo de seu educando, ao contrário do fato real, no qual o mestre estava com a “alma ausente”.

A partir da comparação entre esses exemplos, o conto nos indica um elemento imprescindível a uma relação pedagógica que considere os ensinamentos buberianos: a existência de um homem inteirado dos anseios e do momento existencial de seus discípulos;

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Consta na biografia escrita por Friedman (1993) que o nome deste jovem é Méhé. Tal acontecimento, narrado pelo próprio Buber na introdução desses sete elementos, também consta na apresentação do tópico 2.1 do presente trabalho.

existência esta, tão fundamental, que agita o coração de seu discípulo e faz com que ele “se abra” ao mistério que está encarnado na existência de seu mestre. É nessa imagem da relação pedagógica que, na perspectiva buberiana, concretiza-se a educação do homem.

Portanto, a responsabilidade que acompanha o educador é a de se aproximar, de conhecer e de agir a partir da realidade mais íntima de seus educandos, no intuito de contribuir com o desenvolvimento de cada um deles. Nesse sentido, o conto relatado vai além e nos mostra que o mestre percebe, à distância, o que se passa no íntimo de seu discípulo e, prontamente, põe-se a caminho para se fazer presente a ele; e nessa presença, responde ao momento existencial de seu discípulo, contribuindo, de alguma forma, com a vida e o desenvolvimento deste.

Vemos, mais uma vez, que o princípio ético que rege o pensamento de Martin Buber nos indica a relação direta e necessária que existe entre a vida, a educação e a responsabilidade dos seres humanos. Parreira (2010, p. 167) reflete sobre essas implicações e aponta o legado desse imbricamento:

Ao se envolver em relação dialógica o professor acaba reconhecendo o aluno na totalidade que ele é na sua singularidade e na sua existência humana. O que, indubitavelmente, contribuirá para que esse aluno também se abra ao diálogo genuíno ampliando, paulatinamente, essa atitude para as demais relações da sua vida, consciente da responsabilidade que também ele deve ter no seu processo educativo e na vida concreta experienciada no mundo em que estende suas relações, pois, na relação dialógica a responsabilidade é tanto do educador como do educando, conforme ressalta Röhr (2001, p. 14): “[...] É educação para a co-responsabilidade com a plena realização dos entes e das coisas do mundo”.

Por tudo isso é que o ato de educar exige que o educador se disponibilize em toda a sua existência – como pessoa completa que é – à relação que estabelece com seus educandos (SANTIAGO, 2008; PARREIRA, 2010). Assim, falar em educador, para Buber, significa falar em responsabilidade, em compromisso, em disponibilidade e em engajamento pessoal; afinal, ele é o “representante-responsável” pelo mundo e pelas novas gerações que se lhe apresentam (SANTIAGO, 2008).

Ampliando as contribuições que encontramos nos trabalhos pesquisados, é necessário enfatizar também que o educador é apenas uma das fontes educativas na vida de seu educando, pois várias outras também educam (BUBER, 1961). Por ser apenas uma fonte, o educador deve reconhecer e ter humildade em relação à sua ação (e ao resultado dela), pois a educação de seu educando sofre outras influências. Porém, o educador se destaca dos demais elementos pela vontade de participar do desenvolvimento da essência singular de seu educando. Essa vontade de atuar em uma dimensão tão sutil e íntima dos educandos – sob a égide do respeito, do diálogo e da autenticidade – é caracterizada pela responsabilidade que o

educador assume: encarnar/condensar em si mesmo os elementos do mundo que contribuirão para a realização plena de seus educandos (SANTIAGO, 2008; PARREIRA, 2010; RÖHR, 2013b).

Essa tarefa que cabe ao educador é a de mediação responsável entre um mundo já existente e os seres que estão crescendo e aprendendo a encontrar seu lugar nele; é uma espécie de filtro que permite o fluxo de certos tipos de interação com o mundo e, ao mesmo tempo, desencoraja outros (BARTHOLO, TUNES e TACCA, 2010). É assim que o educador buberiano pode ser entendido: como um guia, não como um modelador de individualidades ou um mero zelador passivo das habilidades inatas.

Santiago e Röhr (2006) afirmam que tal responsabilidade impõe ao educador uma tarefa que pode resultar em situações bem distintas: ou de promover a luz nos corações de seus educandos, ou o seu contrário. Nessa ação tão importante,

[...] o professor, para Buber, é alguém que guia os alunos, mas o faz com um senso de responsabilidade; que aponta o caminho, mas para o 'Tu'; que escolhe o mundo efetivo para a criança, mas sem qualquer intenção de exercer controle; que se relaciona com o aluno, mas não como um 'Isso' (BANIWAL, 2014, p. 192, tradução nossa40).

Por fim, a relação dialógica que rege a filosofia buberiana nos faz ressaltar uma observação fundamental: a responsabilidade que cabe ao educador não é uma responsabilidade genérica, formal ou previamente determinada; é, sim, uma responsabilidade situada no espaço e no tempo, na concretude da situação em que ele e seu educando se encontram imersos. Assim, o pensamento educacional de Martin Buber não pode ser caracterizado pela afirmação de máximas orientadoras, mas, sim, pela assunção da responsabilidade por responder o que é certo e o que é errado em determinada situação (RÖHR e SANTIAGO, 2006).

3.2.5 O aspecto dinâmico da relação pedagógica: imediatez, disponibilidade e