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3 MARTIN BUBER E A EDUCAÇÃO

3.4 O PAPEL DO EDUCADOR NA VISÃO BUBERIANA

O educador pode despertar nos jovens a coragem para enfrentar a vida, presenteando-os com a imagem de um grande caráter que não se nega a responder à vida nem ao mundo, mas que aceita sua responsabilidade por todo o essencial que cruza o seu caminho (FRIEDMAN, 1993, p. 264).

Na busca por desvelar as linhas que compõem a concepção educacional de Buber, encontramos um aspecto-chave que foi abordado por quase todos os estudiosos pesquisados na revisão da literatura: a grande responsabilidade que compete ao educador diante de seus educandos (RÖHR, 2013a). A importância da figura do educador – e, principalmente, de sua ação – no pensamento buberiano foi resumida nas palavras de Morais (2003, p. 108):

Como gostava de afirmar o filósofo austríaco Martin Buber: cumpre ao educador bater à porta do educando, ele não tem o direito de arrombar essa porta; mas sempre poderá bater outras vezes, bater de vez em quando, caso haja uma resistência inicial em abri-la.

Aproveitando as palavras de Morais e as reflexões dos demais autores pesquisados, podemos dizer que a responsabilidade que Buber atribui ao educador consiste em cuidar do elo existente entre seu educando e o seu processo de atualização singular; ou seja, em Buber, o educador é responsável por insistir, de forma respeitosa, em favor de tudo aquilo que confere autenticidade a seus educandos. O respeito pensado por Buber, portanto, significa a consciência tanto dos limites da ação do educador quanto de sua responsabilidade em persistir em favor da autenticidade de seus educandos. Afinal, por mais comprometida que seja a ação do educador, pode ser que o educando não faça a adesão às proposições educacionais presentes nessa relação pedagógica, o que exige do educador tanto a não imposição das contribuições que julgar necessárias, quanto a abertura e a disponibilidade para não ignorá-lo por conta disso.

Esse elemento já foi abordado pelos estudiosos apresentados neste trabalho, mas achamos essencial acrescentar que cabe ao educador persistir e auxiliar as forças atualizadoras44 que agem no mais íntimo de seus educandos, bem como fazer com que eles tomem consciência das artimanhas das forças contrárias, que os desviam de seus caminhos próprios, isso porque

Todo ser com características pessoais mostra-se para ele [o educador] como incluído num tal processo de atualização e ele sabe de própria experiência que as forças atualizadoras estão cada vez mais empenhadas numa luta microcósmica com forças contrárias. Ele aprendeu a se compreender como um auxiliar das forças atualizadoras (BUBER, 2014, p. 150-151).

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Essas forças atualizadoras representam todos os elementos que favorecem o afloramento da singularidade em cada um de nós (BUBER, 2014).

Essa é uma imagem buberiana que nos ajuda a compreender o papel do educador: auxiliar as forças atualizadoras. Tal auxílio não se dá através da imposição de valores, mas através da sensibilidade em perceber o que se apresenta como autêntico em cada um deles e da ação persistente em auxiliar o desenvolvimento de suas singularidades e a assunção de suas responsabilidades diante da concretude do mundo.

Dessa forma, passamos a compreender que o educador pode e deve – a partir de sua própria maneira de ser – proporcionar a seus educandos a abertura ao que lhes é certo, à sua realidade original, a essas forças que os direcionam às suas maneiras próprias de ser. Partindo da importância que as forças atualizadoras têm na formação do homem, Buber (2014, p. 151) afirma que o educador

conhece estas forças: elas também giram sobre ele e sobre ele continuam a agir. É esta obra sobre ele realizada que ele as faz encontrar sempre de novo e [se] coloca à sua disposição para uma nova luta e uma nova obra. Ele não pode querer impô-la, pois crê na ação das forças atualizadoras, isto é, crê que, em todo homem, o certo está instalado de uma maneira singular, de uma maneira única, própria da sua pessoa; nenhuma outra maneira deve impor-se a este homem, mas uma outra maneira, a deste educador, pode e deve propiciar a abertura daquilo que é certo – tal como aqui este quer se realizar – e ajudá-lo a se desenvolver.

Com isso, o ponto de vista educacional de Buber não se baseia em uma verdade única a ser imposta; mas, na verdade de um sentido existencial próprio a cada ser, a qual só é acessível a cada ser singular. Tal verdade é, antes, uma possibilidade entre outras tantas; o essencial a ser buscado é a abertura do educando a esse caminho próprio e responsável.

Enfatizamos que essa abertura só acontece quando, numa ambiência de confiança, o educando (ser que pode vir a ser) busca seu educador (ser que já é) para estabelecer uma comunicação existencial com ele (BUBER, 2014); ou seja, quando o educando aprende a perguntá-lo sobre o seu próprio caminho, sobre suas próprias decisões, sobre sua própria existência, uma vez que reconheceu em seu educador uma espécie de referência existencial confiável, uma parte real desse mundo que o acolheu e que se preocupa verdadeiramente com o seu caminho. Essa comunicação existencial significa, para Buber, a comunicação entre as singularidades existentes, na qual são abordadas as questões e as decisões sobre a vida.

Quando, finalmente, a vida se oportuniza em forma de auxílio existencial aos seus educandos, cabe ao educador fitá-los profundamente, experimentando, a partir de suas singularidades, todas as angústias, as lacunas, as características e as potencialidades que ali habitam. Se seu educando lhe confia dificuldades ou questões existenciais próprias, então aí o educador tem em mãos a oportunidade de educar-lhe o caráter, que é justamente o elo entre o ser do educando e a sequência de suas ações e atitudes (BUBER, 1961). Como veremos a

seguir, o caráter de cada ser singular tem uma relação íntima e direta com a concretude do mundo que se lhe apresenta.