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O aspecto dinâmico da relação pedagógica: imediatez, disponibilidade e

3 MARTIN BUBER E A EDUCAÇÃO

3.2 A RELAÇÃO PEDAGÓGICA NO PENSAMENTO BUBERIANO: os sete

3.2.5 O aspecto dinâmico da relação pedagógica: imediatez, disponibilidade e

A Oração no Campo

Um hassid que ia a Mesbitsch a fim de passar o Iom Kipur junto ao Baal Schem, por um estorvo, encontrou-se, ao aparecerem as estrelas, a uma boa distância da cidade. Para grande pesar seu, precisou orar sozinho no campo. Quando chegou a Mesbitsch, depois do dia santo, recebeu-o o Baal Schem com alegria e cordialidade especiais.

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“[…] the teacher, for Buber, is someone who guides the pupils, but does so with a sense of responsibility; who points the way, but towards the ‘Thou’; who chooses the effective world for the child, but without any intention of exerting control; who relates with the pupil, but not as an ‘It’”.

– Teu orar – disse ele – elevou todas as orações que jaziam naquele campo (BUBER, 1967, p. 109, grifo do autor).

O Homem de confiança

Um discípulo contava: “Certa vez em que me achava no quarto do meu amo e mestre, o Rabi de Kotzk, entendi o que reza o provérbio de Salomão: ‘O homem fidedigno, quem é que o achará?’. Com isso não se quer significar que só é possível encontrar um entre mil, mas antes: o homem de confiança, o verdadeiro fidedigno, não é encontrável na realidade, pois está bem escondido – podes estar diante dele e, no entanto, não o encontrarás” (BUBER, 1967, p. 599).

Este quinto elemento versa sobre o aspecto dinâmico da relação pedagógica. Alguns trabalhos entendem essa relação como um encontro dinâmico que não pode ser concebido a priori, uma vez que o encontro entre educadores e educandos é recém-promulgado toda vez que ocorre (BANIWAL, 2014). Por esse aspecto dinâmico, a relação pedagógica comporta em si a imediatez, a disponibilidade e a espontaneidade (BANIWAL, 2014; BOURCKHARDT, 2013; CORDEIRO, 2006; KÜSTER, 2008; LIMA, 2011; PARREIRA, 2010; PASSOS, 2015; SANTIAGO, 2008; SANTIAGO e RÖHR, 2006).

Do primeiro conto apresentado no presente subtópico, destacamos uma importante mensagem chassídica, a qual também se faz presente na obra buberiana: é imprescindível que cada um de nós se faça inteiramente presente onde e com quem esteja, diante das diferentes situações, seres e coisas que se apresentem a nós.

Essa exigência é derivada de outro aspecto fundamental: a imediatez que acompanha a vida de cada homem. Tal aspecto significa que o homem pode estabelecer uma relação direta e sem reservas com as pessoas, as coisas e os lugares com os quais se relaciona nas mais diferentes situações de sua vida. Entendemos que a imediatez diz respeito ao fato de que nada se interpõe nessa relação: nenhum objetivo individual, nenhuma projeção idealista ou política, nenhum preconceito ou visão a priori a respeito do outro.

É disto que trata a recepção especialmente alegre e cordial do Baal Schem ao chassid, que chegou atrasado à sua cidade e perdeu a celebração do dia santo: sermos autênticos nos diferentes encontros que estabelecemos em nossa vida, ajudando a concretização das essências que nos são confiadas pelo destino. Essa história representa a disponibilidade e a espontaneidade do chassid em honrar – através da imediatez de sua ação – o espaço do mundo que foi confiado a ele naquele exato momento. Nesse exemplo, o mestre parabeniza o discípulo e justifica que a oração solitária feita naquele campo, em específico, elevou todas as orações que se encontravam à espera de algo que as pudesse redimir.

Nesse mesmo sentido, o segundo conto do presente subtópico nos fala sobre as relações estabelecidas entre os homens: o encontro humano é recém-promulgado cada vez que

acontece, ou seja, as relações estabelecidas pelo homem são sempre relações novas, pois partem de realidades diferentes, em contextos e situações diferentes. Isso nos aponta o entendimento de que a vida é dinâmica e que o caminho do homem só pode ser considerado passo a passo, a cada situação, a cada encontro, a cada exigência, a cada pergunta que lhe é feita e a cada resposta que ele dá.

É sobre isso que tratam a dinamicidade e a imediatez que acompanham o encontro humano relatado nesse segundo conto: somente na hora específica em que um homem assume a responsabilidade de responder autenticamente à situação concreta é que o assim chamado homem de confiança se revela. O chassidismo quer nos alertar sobre o perigo de rotularmos a vida (seja uma pessoa, um ser vivo, uma relação, uma coisa ou um lugar), de cristalizarmos um momento específico. O ensinamento que deriva desse alerta é que cada situação concreta de nossas vidas nos proporcionará momentos em que, novamente, podemos assumir a responsabilidade de responder autenticamente à vida que se nos apresenta e, assim, podemos nos firmar cada vez mais no nosso caminho próprio (no caso do mestre chassídico, o caminho da confiança).

Conceber a dinamicidade e a imediatez do encontro humano, por sua vez, não impede a abordagem de questões mais perenes, como a dos valores humanos, a dos rumos existenciais do homem e a das sociedades mais autênticas. Pelo contrário, esses elementos aprofundam a compreensão de tais questões ao revelar suas faces dinâmicas e autênticas. Devido à essência dinâmica do encontro humano, também a relação pedagógica comporta em si a imediatez, a disponibilidade das partes e a espontaneidade.

Segundo os estudiosos buberianos, a relação pedagógica, para Martin Buber, corresponde a um encontro dinâmico entre dois seres que não pode ser concebido a priori, uma vez que é recém-promulgado toda vez que ocorre (BANIWAL, 2014). Para abordar esse assunto no pensamento de Buber, esses estudiosos se basearam, principalmente, na autêntica relação humana, a relação Eu-Tu. O fato de eles se basearem na concepção que Buber tem de uma autêntica relação humana para refletir sobre a relação pedagógica se justifica porque o filósofo do diálogo não pensa a educação como um elemento desligado da vida humana. Em outras palavras, a vida não é um simulacro ou um ambiente seguro e virtual onde podemos testar inúmeras possibilidades existenciais. Dessa forma, como a educação é parte vital da vida do homem, a relação pedagógica também é.

De uma forma resumida, a relação humana que Buber denomina de Eu-Tu é aquela na qual os seres entram em relação um-com-o-outro de forma inteira e se fazem autenticamente presentes um-ao-outro. Por sua vez, Buber entende que o encontro autêntico entre os seres

humanos é dinâmico e demanda a imediatez (nenhuma interposição entre eles), a disponibilidade de ambos para o encontro e a espontaneidade de ambos diante das situações que possam ser vivenciadas.

Por ser pressuposto da relação Eu-Tu, a imediatez também é um pressuposto da relação pedagógica; só que, nesse caso, por ser uma relação assimétrica, a imediatez é demandada apenas da parte do educador, o que significa dizer que a relação que o educador estabelece com seus educandos deve ser uma relação imediata, de pessoa para pessoa, sem a interferência de nenhum outro elemento que não a essência de seus educandos (SANTIAGO, 2008; PARREIRA, 2010; LIMA, 2011; BOURCKHARDT, 2013).

Essa ação do educador – de estabelecer uma relação pessoal e imediata, na qual nada se interponha entre ele e seu educando – é, antes, uma exigência existencial que significa agir de acordo com a autenticidade do seu ser. A justificativa para tal afirmativa está no entendimento que Buber tem sobre a formação humana: pela impossibilidade de ser convertida em ensinamento, ela pressupõe a espontaneidade do educador, “a vivência concreta do educador dos referenciais considerados fundamentais ao educando, que, por expressá-los em sua própria vida, torna-os conteúdos formativos [...]” (SANTIAGO, 2008, p. 84).

Entendemos que a disponibilidade do educador em acolher as diferentes individualidades, a imediatez que deve permear a relação pedagógica e a espontaneidade que deve embasar a ação educadora compõem o caráter dinâmico dessa relação. Por isso é que os estudiosos de Buber são unânimes em defender que a ação do educador, nessa perspectiva, “é vivenciada na medida em que ele toma parte na vida do educando como pessoa, ou seja, é na espontaneidade das suas ações que ele consegue tocar a alma do outro” (SANTIAGO, 2008, p. 294).