• Nenhum resultado encontrado

1 INTRODUÇÃO

1.5 TRACEJOS DOS SENTIDOS DE UMA METODOLOGIA: interligações

buberiano

Nós não encontramos o sentido nas coisas, também não o colocamos dentro das coisas, mas entre nós e as coisas ele pode acontecer (BUBER, 2014, p. 72).

Nossa metodologia foi delineada a partir dos sentidos que surgiram durante a nossa pesquisa, inclusive daqueles oriundos das nossas vivências, leituras, reflexões e, também, dos encontros e desencontros que tivemos.

Nesse percurso de pesquisa, o nosso olhar se voltou para a palavra teoria, especialmente para a definição que nos permitiu compreendê-la como ato criador, não restrito aos limites e às cristalizações que algumas definições lhe atribuem. Assim, como já declaramos anteriormente, nossa compreensão sobre teoria se aproxima daquela apresentada por Gadamer (1993), que a entende não somente como ato contemplativo e passivo, mas como ato ativo, comprometido, no qual o teórico participa com toda a sua inteireza do processo reflexivo. Ou seja, enquanto um ato que exige daquele que teoriza um movimento composto por sua presença e pelo momento presente.

Compreendemos que essa concepção não situa a teoria como um construto meramente erigido a partir da singularidade daquele que teoriza, nem somente a partir daquilo que é observado através do exterior: teorizar significa o surgimento de um sentido a partir do encontro entre o ser do teórico e aquilo que ele observa, num momento específico situado no espaço e no tempo.

Dentro dessa noção mais ampla de teoria como ação criadora, outro estudioso nos diz que

[o homem] como um todo é um ser muito mais completo e complexo que um simples ente dotado de razão. Antes de ser um animal racional ambulante, o homem é um ser que permanentemente busca um sentido para si e para o mundo em que se vê envolvido. Que o homem, protagonista de todo ato teórico, não é um ser que só

possui cabeça, mas também corpo, coração... que manifesta paixões, desejos, angústias e sobretudo possui braços e mãos para agir. É por causa de tudo isso que

teoriza. Não teoriza só porque pensa. Teoriza também porque sente, porque age. E

seu ato teórico tem tanto a ver com seu desejo, sua paixão e sua ação do que com sua racionalidade. Vale dizer, sua capacidade para teorizar não implica apenas a condição pura e simples de poder elaborar ideias ou adquirir conhecimentos. Uma boa compreensão de teoria é algo mais profundo que imaginamos (PEREIRA, 1990, p. 14).

Imbuídos dessa compreensão de que uma teoria é algo mais complexo, que não está tão somente ligada à pura racionalidade, que necessita das outras dimensões do humano e que demanda nossa inteireza no momento presente, aproximamo-nos das tessituras de uma teoria da relação pedagógica em Martin Buber.

Também ressaltamos que, durante esse processo, aproximamo-nos de outras linhas teóricas que nos ajudaram a melhor compreender o nosso objeto. Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica, a abordagem hermenêutico-fenomenológica foi de suma importância, visto que ela nos possibilitou uma aproximação – cada vez maior – aos horizontes que circunscreviam o nosso objeto, fazendo com que significações e experiências se retroalimentassem formando uma rede de sentidos sempre maior, mais complexa e sutil.

Autores como Emerich Coreth e Gadamer subsidiaram nossa compreensão e assunção das linhas hermenêuticas. Para Gadamer (apud FLICKINGER, 2014, p. 30), a hermenêutica é “uma prática, a arte de compreender e de fazer compreensível”; para Coreth (1973, p. 20), através dela, “o indivíduo se compreende pelo todo, e o todo pelo indivíduo”, denotando o imbricamento existente entre o pesquisador e o objeto de sua pesquisa.

À luz da hermenêutica, aproximamo-nos dos autores e das teorias estudadas, bem como compusemos a presente pesquisa a partir do desvelar dos seguintes horizontes, a saber: a) os principais conceitos afirmados por Buber; b) sua biografia; c) as afirmações dos teóricos buberianos; d) nossas vivências como educandos e educadores; e) a integralidade do ser humano; f) nosso entendimento sobre teoria.

Aprofundando a influência que a hermenêutica teve na composição desse trabalho, podemos dizer que, com ela, aprendemos também a nos aproximar dos trabalhos encontrados na revisão da literatura, levando em consideração as leituras prévias que tínhamos da obra de Buber e de sua biografia, além das nossas próprias influências e perspectivas. Assim, fomos ampliando nossos horizontes de compreensão.

Em relação à fenomenologia, baseamo-nos nos estudos de Antonio Rezende. Segundo esse autor, a preocupação da fenomenologia é apontar a complexidade dos fenômenos e, principalmente, a influência da existência humana na significação destes. Dessa forma,

entendemos que nossa compreensão dos estudos buberianos é uma compreensão discursiva, situacional, derivada da relação entre as estruturas das teorias estudadas e a nossa existência articuladora de sentido. A humildade e a potencialidade contidas nessa compreensão derivam do reconhecimento dos limites de nossa ação teórica sobre o tema, isto é, do entendimento de que o sentido próprio que alcançamos não define sua essência (REZENDE, 1990). Como afirma Rezende (1990, p. 17), a fenomenologia nos ensina que, mesmo tendo chegado a um sentido próprio acerca de um fenômeno, “há sempre mais sentido além de tudo aquilo que podemos dizer”.

Assim, concordamos com Lira (2015) quando diz que a hermenêutica e a fenomenologia são abordagens complementares, visto que a primeira nos possibilita um diálogo entre os textos e nossas experiências, enquanto a segunda nos incita a olhar os fenômenos por múltiplas lentes. Desse modo, a união dessas duas abordagens nos permite uma maior compreensão do fenômeno estudado. Para nós, a abordagem hermenêutico- fenomenológica se constituiu como uma lente formativa e metodológica que nos impediu de ficar presos a ideias pré-concebidas acerca do nosso objeto e do mundo.

Tendo em vista tudo o que pontuamos até o presente momento sobre a construção da nossa metodologia, é necessário explicitar que, se olharmos cuidadosamente, ela é perpassada pela noção de “multidimensionalidade”, haja vista que, para compreendermos a complementaridade entre presença e presente, a qual ancora a ideia de teoria, temos que levar em consideração a complexidade humana e suas múltiplas dimensões.

A multidimensionalidade não é apenas um termo que está sendo empregado em nossa metodologia, mas é uma teoria que subsidia toda a pesquisa. Já tecemos alguns comentários sobre essa teoria em tópicos anteriores, contudo achamos válido pontuar que ela nos permitiu compreender que cada dimensão humana é importante para a compreensão de vários horizontes. Para Cordeiro (2006, p. 92), “o horizonte é um ponto no qual nunca chegamos, mas ele existe, está lá diante dos nossos olhos, é um marco que orienta nosso agir”. Relacionando essas palavras de Cordeiro à Teoria da Multidimensionalidade, podemos dizer ainda que cada horizonte que vemos tem inúmeras dimensões confluindo para a sua formação e para o emergir dos sentidos.

Ainda sobre os tracejos de nossa metodologia, podemos dizer que ela tentou fugir de um construto doutrinário, pois, como diria o filósofo Olivier Reboul (1980, p. 24), “doutrinar não é apenas ensinar uma doutrina; doutrinar intencionalmente é ensinar o desprezo por todas as outras doutrinas”. Dessa forma, ao nos distanciarmos de uma doutrina também nos

aproximamos dos ensinamentos buberianos, pois assim afirmava Buber (apud SANTIAGO, 2008, p. 38):

Devo dizer mais uma vez: não tenho ensinamentos a transmitir. Apenas aponto algo, indico algo na realidade, algo não visto ou escassamente avistado. Tomo quem me ouve pela mão e o encaminho à janela. Escancaro-a e aponto para fora. Não tenho ensinamento algum, mas conduzo um diálogo.

No mais, toda a nossa metodologia procurou primar por uma abertura, uma flexibilidade que nos permitisse teorizar acerca de uma relação pedagógica em Buber, buscando não a cristalização do seu pensamento, mas a condução do leitor a um diálogo com a vivacidade de suas ideias. Por isso, foi tão importante a nossa aproximação com a noção criadora de Gadamer sobre teoria; com a exigência da abordagem hermenêutico- fenomenológica, a qual nos deixou atentos sobre o fato de que nosso olhar acerca dos horizontes nunca era suficiente para expressar todo o fenômeno; e com a compreensão de que a Teoria da Multidimensionalidade perpassa sutilmente cada horizonte desvelado e cada sentido assumido nessa pesquisa.

Sendo assim, podemos dizer que falar sobre uma teoria da relação pedagógica buberiana só foi possível porque nos ancoramos nessas linhas metodológicas. Depreendemos, então, que a ideia de teoria que alicerça a presente pesquisa, a abordagem hermenêutico- fenomenológica, a Teoria da Multidimensionalidade e o pensamento buberiano estão sutilmente interligados5.

Dessa maneira, seguem os quatro capítulos que resultaram do nosso caminhar metodológico: primeiro, abordamos a biografia e as influências que marcaram o pensamento de Martin Buber; depois, aprofundamos o seu pensamento educacional desde o processo educativo, passando pelo papel do educador e chegando à importância da Educação para a construção de uma comunidade autêntica; posteriormente, abordamos os horizontes de uma teoria da relação pedagógica de inspiração buberiana; e, por fim, apresentamos as nossas considerações finais.

5

Achamos que seria interessante um aprofundamento sobre essas interligações. No entanto, não foi possível realizar tal feito em virtude do tempo de pesquisa.

2 OS IMBRICAMENTOS ENTRE A VIDA E A OBRA DE MARTIN BUBER: as