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O sentido comunitário da educação: a preparação dos indivíduos para o

3 MARTIN BUBER E A EDUCAÇÃO

3.2 A RELAÇÃO PEDAGÓGICA NO PENSAMENTO BUBERIANO: os sete

3.2.7 O sentido comunitário da educação: a preparação dos indivíduos para o

Participação

A propósito das palavras de Hilel: “Se eu não sou por mim, quem será por mim, e se eu sou só para mim mesmo, o que sou eu?”, comentou o Rabi Mihal:

– “Se eu não sou por mim”, se eu não ajo só por mim, mas participo constantemente da comunidade, “quem será por mim”? Então todo e qualquer “quem”, ou seja, qualquer membro da comunidade que aja em meu lugar, é como se eu próprio tivesse agido. Mas, “se eu sou só para mim”, quando não participo dos outros, não me uno a eles numa aliança, “o que sou eu”? Então tudo o que eu efetuo sozinho, na senda das boas obras, é igual a nada diante de Deus, fonte de todo o Bem (BUBER, 1967, p. 194).

Este sétimo e último elemento destacado trata do sentido comunitário da educação em Martin Buber. Os estudiosos de Buber afirmam que a concepção buberiana indica que se educa para a vivência comunitária, para o sentido comunitário. A formação, através da educação, implica na preparação dos indivíduos para o vínculo inter-humano; implica na formação do grande caráter (BANIWAL, 2014; BLENKINSOP, 2004; BOURCKHARDT, 2013; PARREIRA, 2010; SANTIAGO, 2008; SANTIAGO e RÖHR, 2006; SCHAURICH, CROSSETTI E PADOIN, 2011).

O conto presente nesse subtópico nos direciona, novamente, à reflexão sobre a ontologia da relação defendida por Buber. Segundo essa compreensão, a essência humana se abriga e se volta para as relações que o homem estabelece, possibilitando-nos a compreensão da importância que tem a comunidade na qual crescemos e através da qual nos desenvolvemos. Ou seja, a ontologia da relação aponta para os vínculos autênticos estabelecidos entre os homens e para a sua importância na constituição de um mundo mais harmônico.

Percebemos que essa ontologia se faz presente na interpretação que o Rabi Mihal faz das palavras de Hilel: que a essência da existência e das ações humanas deriva e se destina aos vínculos que o homem estabelece; ou seja, que “a fonte de todo o Bem” nos encaminha para a vivência comunitária, na qual podemos experimentar algo maior que a nossa própria existência, que é o vínculo total entre os seres e as coisas existentes. A participação constante – e não pontual – numa comunidade, portanto, se configura como esse vínculo maior, como essa unidade de singularidades existentes que vive e que responde a partir desse centro vivo, que é a convivência autêntica.

Interligando o conto à filosofia de Buber, podemos depreender que essa comunidade não significa um amontoado de singularidades, ou uma soma quantitativa de diferenças que co-habitam em um determinado espaço físico. Nessa comunidade pensada por Buber, existe interação autêntica, responsabilidade pessoal mútua e respeito à alteridade. Buber (1987), inclusive, utilizou-se da distinção entre a roda e o círculo para caracterizar o que entende por

comunidade. A roda seria o amontoado de singularidades, em que bastaria que cada singularidade desse a mão ao ser que está à sua esquerda e ao ser que está à sua direita para formar um coletivo estático, sem interação. O círculo, por sua vez, se constitui a partir da existência de um centro vivo e de muitas pessoas; e “de cada uma delas, parte um raio que leva ao centro vivo; e a atuação do centro através dos raios instaura o círculo” (BUBER, 1987, p. 71). Este, sim, por gestar e ser gestado de vida, por ser dinâmico e por demandar a espontaneidade, corresponde à imagem feita por Buber de uma comunidade.

O grande diferencial que se apresenta nessa comparação é o respeito à vida como uma realidade concreta, ou seja, é a abordagem da coletividade humana a partir do prisma da autenticidade, da dinamicidade e do respeito à alteridade. Nesse sentido, a educação buberiana tem o objetivo de formar o grande caráter no homem para que, assim, ele esteja preparado para estabelecer relações verdadeiras e para participar de uma comunidade autêntica.

Tratar a questão do caráter, em nosso entendimento, foi o eixo filosófico e educacional encontrado por Buber no qual ética e formação humana se encontram associados. Preocupado com as consequências das ações do homem, o filósofo austríaco defendia que toda educação deveria apontar para o grande caráter42.

Chamamos a atenção para o fato de que essa noção que Buber tem do grande caráter guarda em si os elementos de sua filosofia dialógica abordados acima: o respeito à alteridade e à imediatez dos encontros; a busca da autenticidade em cada situação vivenciada; bem como o imbricamento entre a realização existencial e a responsabilidade pelo mundo. Educar para a formação do caráter implica, portanto,

no resgate de relações mais autênticas entre as pessoas; de relações em que a humanidade entre os homens seja o principio, o meio e o fim em todas as interações estabelecidas. Em outras palavras: a abertura, o envolvimento e o reconhecimento do outro em sua alteridade. Para Buber, (também) da relação entre professor e aluno, isto pode advir para as demais relações entre as pessoas. Sendo assim, a humanização do ser –‘reconhecimento de si como pessoa real e inteira’– está estreitamente vinculada com a função educadora: a formação do caráter (PARREIRA, 2010, p. 149).

A formação do grande caráter, como veremos mais adiante, significa a preparação do homem para a vivência do vínculo inter-humano, para a edificação da autêntica comunidade. Assim, visando ao estabelecimento de pequenas comunidades autênticas, pensamos que as relações pedagógicas devem contemplar a autenticidade existencial de educadores e de educandos, de modo a permitir que a vida se insira nessa relação educativa e, dessa maneira,

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que os homens envolvidos consigam estabelecer vínculos verdadeiros com os seus semelhantes.

Assim, a comunidade é, para Buber, o local vivo onde cada pessoa é co-responsável pela plena realização dos entes e das coisas do mundo (RÖHR, 2013b); é o lugar sagrado do cotidiano onde todas as oportunidades e possibilidades humanas se encontram em estado de latência, esperando de nós um posicionamento autêntico, responsável e respeitoso. Não significa, com isso, um espaço que se fecha aos diferentes, mas, sim, uma busca pela inclusão cada vez maior das diferenças aparentes através do encontro dialógico, da responsabilidade diante do mundo, da disponibilidade ao encontro, da valorização da concretude de cada hora mortal e da espontaneidade. Como o próprio Buber (1987, p. 70) afirmou, a “comunidade pode surgir somente na medida em que houver verdadeira vida entre os homens”.

Todos esses elementos abordados até então nos preparam para encarar a vida de uma forma séria; principalmente a nossa vida, os nossos passos, as nossas ações. Dessa forma, Buber se preocupou em nos dizer que um dos grandes problemas que acompanham o ser humano – e que, assim, afeta o mundo – é o fato de ele internalizar o mundo em si mesmo, de ele não considerar o mundo como uma realidade concreta com a qual ele se defronta e a partir da qual ele o experiencia como algo diferente (BUBER, 1987).

O grande problema é incluir o mundo em nossa alma, reduzindo sua extrema grandeza e diversidade a elementos de nossa própria existência, a elementos de nossa própria interpretação (psicológica, emocional, racional ou fantasiosa). Buber (1987) defende que a vida do homem se desvia do caminho quando há o rompimento do concreto vivido, quando paramos de nos relacionar com a vida real (pessoas, coisas, encontros, situações, etc.) e passamos a nos relacionar com nossas próprias interpretações/sensações/opiniões sobre ela. Esse rompimento, para Buber (1987), é a completa reificação do homem e da vida.

Dentro dessa perspectiva, o sentido comunitário se faz tão importante para a filosofia e a educação de Buber, porque carrega consigo os demais elementos dialógicos e humanos citados. Tais elementos convergem para que o homem singular possa crescer de forma autêntica; para que ele busque estabelecer relações autênticas; para que ele entenda a realidade social não como um “estar-com” estático, mas, sim, como um “estar-com” dinâmico que não se funda nas semelhanças entre as pessoas ou na busca por estabelecer tal semelhança entre elas; para que ele aprenda que o bem-estar do mundo passa pelo estabelecimento de relações autênticas; para que ele compreenda que a concretização das existências dos outros seres vivos, coisas e lugares depende, em grande parte, de sua autêntica contribuição; para que ele compreenda que a sua própria concretização existencial passa pelo auxílio à concretização

dos demais entes e coisas desse mundo; e para que, enfim, ele possa compreender que é na autenticidade dos encontros que estabelece com as demais singularidades que ele se volta para a unicidade que concebeu a tudo e a todos, a qual continua a se fazer realidade presente, centelha de vida a cintilar aqui e acolá, sempre que houver disponibilidade e abertura.

Dessa forma, conceber a contribuição de cada um desses elementos abordados e a interligação entre eles nos proporcionou um entendimento aprofundado sobre a temática da relação pedagógica no pensamento de Martin Buber.