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Behaviorismo Radical como pragmatismo na epistemologia

José A ntônio Damásio A b ib Universidade f c d c m ! dc SJo C m /o s

A rgu m en ta-se neste ensaio qu e o b e ha viorism o radical é uma filosofia pragm ática da cléncia: define ciAncla com o açflo

prática e nâo c om o con te m p laçã o. D efe nd e-se a te se g u e o pra g m a tism o de fino açAo prá tica com o açAo ética, po lítica e com valor do sob revivên cia. Do con ceito pragm Atico d e ciên cia exclu em -se, portanto, a re p re sen taçã o té cnica da ciên cia e o da rw im sm o social. S ugere-se que o be ha viorism o radical de fin e ciên cia no Am bito da ética e da po lítica e que nâo abrig a as tensões e p istem o ló glca s m od erna s re p re sen tad as pe lo o b jetivism o e relativism o. C on clul-se que o be ha viorism o radical com o ep istem o lo gia pragm ática é um a ep istem o lo gia pôs-m o de rn a: um a e p istem o lo gia do presente.

Palavras-chave: pra gm atism o, b e ha viorism o radical, ciên cia, ética, pô s-m o de rn o.

In this essay, It ia argued that radical beha vlorlsm is a p ra gm atic p h iloso ph y o f Science: it de fine s Science as pra ctlcal actio n and not as con te m p latio n The th esls that pra gm atism de fine s pra ctlcal actio n as ethlcal and polltlcal actio n, w ith survival value, is do fo nd ed A ccordingly, th e te chm cal rep re sen tatio n o f scien ce and social D arw ln lsm Is exclu de d from th e pragm atic con cep t of Science It Is suggested that radical behaviorism de fine s science w ithin lhe sph ore s of ethics and po lltics and that /{ do na n o t co n ta in tho m od orn ep late m olog lcal tenalo na o f ob/o ctlvla m a n d r e la t lm m It Ia con clu d e d that rad ica l bahavtorlam as a pragm atic epistem o lo gy is a post-m o de rn ep istem olo gy: an e p lstem o lo gy of th e presnnt

K e y w o rd s : pra gm atism , radical beha viorism , science, ethics, po st-m o de rn.

O behaviorismo radical não é somente filosofia da ciência do comportamento. É também filosofia da ciência. Segundo Skinner (1957,1974), ciência é o comportamento verbal de cientistas governado por regras aprendidas com comunidades cientificas. Regras científicas podem ou não ser efetivas. Regras efetivas encerram descrições para o comportamento bem sucedido de cientistas e são corroboradas pela experiência do cientista. Regras inefetivas também encerram descrições para o comportamento bem sucedido de cientistas, mas não são corroboradas pela experiência do cientista. Ciência é, então, o comportamento verbal de cientistas governado por regras (aprendidas com comunidades científicas) cujas descrições podem ser corroboradas ou falsificadas pela experiência do cientista. Ou ainda, ciência é ação, atividade, processo: ó o comportamento verbal de cientistas cujo curso é um fluxo constante de interações com as regras científicas e com as contingências de sua própria experiência.

Apreende-se melhor o valor e importância dessa definição no seu contraste com a definição de ciência como contemplação. Como contemplação, Ciência é desvelamento do Real. O Real usa véus, se encobre. Ciência é retirar véus, é "des-velar", "des-cobrir".

Ciência ó contemplar o Real, é espiar, o lh a ra Realidade. Metáfora belíssima e sedutora. Afinal, não é a Beleza que se esconde por trás de véus e não é sedutora a Beleza? O Real, a Realidade, a Beleza: isso ó a Verdade. Ciência ó a investigação da Verdade, da Realidade, da Beleza. A opinião contenta-se com véus (mas, não há beleza no disfarce?). É o reino da aparência, do falso, da falsidade. Realidade ou Verdade refere-se a entidades subjacentes, eternas, imutáveis e sem determinações espaciais e temporais. Aparência ou falsidade refere-se ao mutável e perecível e ao que ó situado de uma perspectiva histórica e temporal.

Ciência como contemplação, essa idéia sedutora que nos revela a Natureza como obra de Deus, teve seu início com os filósofos gregos (especialmente com Sócrates, Platão e Aristóteles) e arrebatou o pensamento ocidental até muito recentemente. Ciência como ação não dá lugar a esse jogo de linguagem, pois define Realidade como efetividade e Verdade como utilidade. Logo, aparência é inefetividade, e falsidade é inutilidade. Esse jogo de linguagem pode ser criticado e desqualificado como uma representação técnica da ciência e dal reduzido á condição de mera ideologia. Requer por isso alguma elucidação.

Ciência como ação, e verdade como utilidade fundamentam-se no pragmatismo ou co nte xtu a lism o filo só fico (Jam es, 1907/1988; Pepper, 1 94 2/1970). O termo

pragmatismo é derivado de uma palavra grega que significa ação prática (James).

Transliterada, essa palavra é praxls. Mas poiesis também significa ação. As obras do grande filósofo sofista Protágoras, do polêmico Sócrates, e de Aristóteles são relevantes para o pragmatismo (James, Pepper). Com seu conceito de episteme, Aristóteles (s.d./ 1985) esclarece a diferença entre praxis e poiesis. Episteme refere-se ao conhecimento, organizado por Aristóteles como ciência teórica ou teoria (theoria), ciência prática ou prática (praxis), e ciência produtiva ou técnica (techne). "Stricto sensu" somente teoria

é ciência. Prática e técnica são formas legítim as de episteme ou de conhecimento, mas

não são "stricto sensu" ciências. Teoria refere-se a fenômenos que sâo regidos pela natureza ou pela necessidade (imutáveis e eternos), fenômenos que são e que náo podem deixar de ser, cuja existência é independente da deliberação humana - por exemplo, o movimento dos astros, os solstícios, o nascimento de estrelas, o ciclo das estações, a forma dos minerais, vegetais e animais. Lembra-se de ciência definida como contemplação? Teoria é isso.

Prática e técnica referem-se ao possível, ao que pode ser e deixar de ser, e que depende da deliberação humana: escolhe-se o possível e não o necessário. Prática e técnica são ações; mas, apesar de ser ação, técnica não é prática. Ação prática é praxis e ação técnica é poiesis. Em ambas a ação tem finalidade Na técnica, a ação é diferente de sua finalidade, como nos casos da medicina, estratégia, arquitetura e construção naval. Na prática, a ação é idêntica à sua finalidade. Passando a palavra a Aristóteles: “Ao passo que o produzir [técnica] tem uma finalidade diferente de si mesmo, isso não acontece com o agir [prática], pois que uma boa ação é seu próprio fim" (s.d./1985, p. 141). Pessoas se identificam com ações práticas, que sáo de natureza moral e política, mas nâo com ações técnicas. Ê por isso que só na ética e na política se pode falar em praxis, prática. É a praxis (ética e política) que define o homem. A deliberação que está na origem "de uma ação dessa espécie [prática] é um homem" (Aristóteles, p. 142). O homem não pode ser definido pelo que não resulta de sua ação (como na teoria) nem pelas conseqüências técnicas de suas ações. O que define o homem são as conseqüências práticas de suas ações.

Darwin (1859/1970) demonstrou que, para sobreviver, os organismos precisam se adaptar aos seus ambientes. Com base nessa tese revolucionária, o pragmatismo dá uma guinada na reflexão sobre o conhecimento, passando a fundamentá-lo na ação ou no comportamento (James, 1899/1983; Joas, 1985). Com Aristóteles e Darwin, o pragmatismo forja um conceito sólido de conhecimento como ação prática. Com efeito, ação prática produz conseqüências práticas: conse q ü ên cia s éticas, p olítica s e com va lo r de sobrevivência. Ações práticas são efetivas, se são adequadas às suas finalidades e são úteis, se essas finalidades são éticas e políticas e se tambóm favorecem a sobrevivência, com exclusão do darwinismo social. Isso significa dizer que ética, moralidade e política são compatíveis com a sobrevivência. Por exemplo, cooperação e solidariedade são armas imprescindíveis na luta pela sobrevivência (Skinner, 1971, 1978; Abib, no prelo). Como teoria do conhecim ento, o pragm atism o e o behaviorism o radical defendem uma representação ética e política da ciência. Nessa representação, a tecnologia é avassalada pela filosofia, servindo*lhe desde o princípio. Nessa acepção, um livro como Tecnologia do

Ensino trata não só com tecnologia mas tambóm, e principalmente, com ciência do

comportamento, ética e política educacional (Skinner, 1968).

O behaviorismo radical como pragmatismo na epistemologia não transige nem com o objetivismo nem com o relativismo. No caso do objetivismo, por causa da vinculação dessa doutrina com ontologias realistas, ou seja, aquelas que se comprometem com a existência de uma Realidade em si, seja ela a Mente, a Matéria ou o Físico. O behaviorismo radical não ó um projeto epistemológico com o objetivo de investigar a Realidade e a Verdade, conseqüentemente, não tem afinidades com o objetivismo. Tampouco tolera representações relativistas da ciência. Isso talvez não seja convincente porque o relativismo é um discurso cético quanto à possibilidade de se descobrir a Realidade e a Verdade, precisamente o que é defendido pela epistemologia do behaviorismo radical. Porém, o relativismo permanece aprisionado ao jogo de linguagem que define ciência como contemplação, criticando a ontologia realista, desqualificando a Realidade e a Verdade, e argumentando em prol de realidades e verdades com determinações locais e temporais. Como epistemologia pragmática, o behaviorismo radical introduz uma descontinuidade nesse discurso. Começa de novo, com um jogo de linguagem radicalmente diferente, onde ciência é ação prática, efetiva e útil.

Como epistemologia pragmática, o behaviorismo radical representa um rompimento radical com o discurso moderno. Na epistemologia e na filosofia da ciência, o debate envolvendo objetivismo e relativismo dominou o discurso moderno. Foi só com o advento do discurso pós-moderno que essa dicotomia começou a ser desconstruída, quando não escapou à acusação de pertencer a discursos sobre fundamentos, discursos orientados pela encantadora idéia do conhecimento de uma Realidade em si, um crédulo e outro cético (Bernstein, 1989; Polkinghorne, 1989; Murphy, 1990; Lather, 1992). Nesse sentido, a epistemologia pragmática do behaviorismo radical é uma epistemologia pós-moderna: uma epistemologia do presente.

R eferências

Abib, J. A. D. (no prelo). Teoria moral de Skinner e desenvolvimento humano. Psicologia: Reflexão e Critica, 14 (1).

Aristóteles (1985). Ética a Nicômacos (M. da G. Kury, Trad.). Brasília: Editora Universidade de Brasília (Trabalho original publicado em s. d.).

Bernstein, R. J. (1989). Beyond Objectivism and Relativism. Oxford: Basil Blackwell. Darwin, C. (1970). The Origin of Species. Middlesex: Penguin Books (originalmente publicado

em 1859).

James, W. (1983). Talks to Teachers in Psychology. Cambridge: Harvard University Press (originalmente publicado em 1899).

James, W. (1988). Pragmatism. Cambridge: Hackett Publishing Company (originalmente publicado em 1907).

Joas, H. (1985). G. H. Mead: A Contemporary Re-examination ofhis Thought(R. Meyer, Trad.). Cambridge: The Mit Press.

Lather, P. (1992). Postmodernism and the human sciences. Em S. Kvale (Org.), Psychology and Postmodernism (pp. 88-109). London: Sage Publications.

Murphy, J. (1990). Scientific realism and postmodern philosophy. British Journal Philosophy of Science, 41, 291-303.

Pepper, S. C. (1970). World Hypotheses. Califórnia: University of Califórnia Press (originalmente publicado em 1942).

Polkinghorne, D. E. (1989). Chaging conversations about human Science. Em S. Kvale (Org.),

Issues of Validity in Qualitativo Research (pp. 13-45). Sweden: Studentlitteratur. Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1968). The Technology of Teaching. New York: Meredith Corporation. Skinner, B. F. (1971). Beyond Freedom & Dignity. New York: Alfred A. Knopf Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Alfred A. Knopf.

Skinner, B. F. (1978). Reflections on Behaviorism and Society. New Jersey: Prentice-Hall.

Capítulo 21

O toque do amor num universo