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A seguir será apresentado, como ilustração do processo terapêutico, o caso de uma cliente que já teve a terapia concluída. PM iniciou terapia em fevereiro de 1999, aos 32 anos de idade, com duas queixas bastante definidas: a ocorrência de crises de pânico e a insatisfação com seu casamento. Em relação ao pânico, PM esteve em vários médicos (clinico geral, cardiologista, otorrinolaringologista), procurando uma causa para as alterações físicas e de comportamento que estavam ocorrendo há cerca de dois meses. No mês que procurou terapia, PM já havia sido atendida por uma psiquiatra e estava medicada há cerca de um mês, tomando um ansiolítico e um antidepressivo.

No mês anterior a consulta do psiquiatra, PM teve crises de pânico, nas quais ela sentia fortes palpitações, falta de ar, um medo intenso de morrer ou de desmaiar e não ter ninguém que a socorresse, sudorese, tontura, mãos geladas, pesadelos, fraqueza nas pernas, entre outras sensações. Essas crises aconteciam sem qualquer controle de PM e em momentos diversos do dia, até mesmo durante a noite. PM muitas vezes acordava se sentindo mal e com um medo intenso de morrer. Isso a angustiava muito e começou a impedi-la de realizar suas atividades diárias. PM começou a ter medo de dirigir, de ir para um lugar longe de sua casa, de ficar sozinha, etc., sempre pensando na possibilidade de ter uma crise e de não ter ninguém para ajudá-la. Começou a pedir a presença de uma pessoa adulta sempre por perto, tomava banho de porta aberta, parou de dirigir e pediu licença no trabalho, além disso queixava-se de depressão e de não estar motivada para as tarefas diárias.

Esse não foi o único episódio de crise de pânico na história de PM. Ela relatou ter sofrido crises como essas em outras duas ocasiões. A primeira delas foi há cerca de 8 anos, ocasião que coincidiu com o nascimento de sua primeira filha e com uma separação conturbada do primeiro marido. A segunda foi há cerca de dois anos, coincidindo com a perda do emprego.

Na entrevista inicial (que durou 4 sessões), além das informações sobre as crises de pânico, foram coletadas outras informações sobre as diferentes áreas da vida de PM, tais como sua relação com o marido, seu trabalho e as relações profissionais e sociais, sua relação com seus filhos, com seus pais, como ela era antes da ocorrência das crises e quais eram seus objetivos com a terapia. Foram relatados dois objetivos principais: manejo e controle das crises de pânico (inclusive com retirada total da medicação) e tomada de decisão sobre seu casamento.

A entrevista inicial permitiu entrar em contato com uma série de informações sobre o histórico de vida da cliente e com a situação atual. Em relação à situação atual, PM estava medicada e não tinha ocorrido nenhuma crise após o inicio do tratamento medicamentoso. Entretanto, PM estava descontente com sua vida. Tinha medo que uma crise ocorresse a qualquer momento. Sentia-se doente. Além disso, estava insatisfeita com sua vida afetiva (marido, filhos) e profissional. Dizia não ter mais qualquer interesse sexual e emocional em relação ao seu marido. Sonhava em encontrar um homem que viesse protegê-la, que fosse trabalhador e lhe desse melhores condições financeiras e afetivas. Em relação a sua vida profissional, queria mudar de emprego, e até mesmo abandonar sua formação universitária, para trabalhar em outro ramo, mas não sabia ao certo qual ramo.

A formulação comportamental de PM foi esquematizada na Figura 1, que apresenta as variáveis - antecedentes e conseqüentes - sob as quais o comportamento de PM (crises de pânico) era função. Baseado no relato da cliente, foi possível observar que PM sempre foi bem sucedida naquilo que se propôs a fazer, sendo uma pessoa segura, que tinha iniciativa e controle de sua vida. Em relação ao casamento, ela se casou com homens que eram diferentes dela, que não tinham iniciativa e eram acomodados. Isso exigiu de PM uma participação maior nas decisões sobre os relacionamentos e sobre atividades do dia a dia. Essa participação a deixava cansada e esgotada. Freqüentemente, ela começou a entrar em contato com situações nas quais aquilo que ela tinha planejado não dava certo. Dessa forma, os comportamentos de decidir por si e pelos outros e a segurança em estar fazendo tudo certo foram gradualmente punidos. Esses comportamentos diminuíram de freqüência e concomitante a isso, PM começou a acreditar que nem tudo está sob seu controle e que ela não tem condições de resolver sozinha todos os problemas que surgem em sua vida.

Ao vivenciar tal situação, PM se sente impotente e sente a necessidade de ter o apoio de alguém. Esse apoio era fornecido por seus familiares (pais e irmã), especialmente quando ela apresentava os sintomas de uma crise. A crise de pânico que, inicialmente pode ter sido causada por problemas orgânicos relacionados à gestação e parto de sua primeira filha, adquiriu, depois, a função de comportamento operante, funcionando como uma fuga de situações "estressantes" que PM não conseguia controlar, resolver ou modificar. Nesse sentido, após algumas ocorrências, a crise começou a se generalizar para situações diversas, onde nem sempre era possível identificar um estim ulo fóbico específico. Além disso, as crises eram reforçadas positivamente pelo apoio e amor da família.

O processo terapêutico teve como base a relação terapeuta-cliente e a ocorrência das crises não foram o foco da terapia. Não foi esquecida a importância da ocorrência das crises, mas elas estavam apenas sinalizando que a vida de PM não a estava satisfazendo, e que e sta va a p re se n ta n d o c o m p o rta m e n to s d is fu n c io n a is em seu am biente. Possivelmente, ao serem resolvidos os problemas relativos ao casamento, à criação dos

filhos e ao trabalho, as crises seriam extintas. Em termos de técnicas adotadas durante o processo foram realizados treinos de respiração para o manejo das crises, e de relaxamento. O relaxamento, contudo, não se tornou uma prática na vida da cliente, pois ela sentia dificuldades de realizar os exercícios sozinha, e logo desistiu de adotar a técnica. Foram

também realizados treino de habilidades sociais e assertividade, de acordo com situações

que a cliente trazia para discussão nas sessões.

Crises de pânico

Fuga/esquiva de todos Reforçadas os problemas que a positivamente com incomodavam e que não atenção, cuidados. sabia ou rolo conseguia proteção e resolução de

re s o lv e r alguns problemas pela família

Figura 1

. Variáveis antecedentes e conseqüentes que controlavam as crises de pânico de PM.

O processo terapêutico de PM teve duração de 45 sessões, com término do

follow-up em julho de 2000. Durante o processo de alta, foi diminuída a freqüência das

sessões, iniciando com sessões a cada 15 dias, mensais e bimensais. Em resumo, pode-se dizer que desde o início da terapia, PM teve apenas algumas situações de princípio de crise de pânico, que foram controlados e não chegaram ao pico. Desde fevereiro de 2000, os medicamentos foram suspensos com a orientação do psiquiatra, e apesar de PM ter sentido algumas alterações nos primeiros 15 dias sem a medicação, tais como tonturas, fraqueza no corpo e nas pernas, dores de cabeça, logo em seguida, PM sentiu-

se melhor e não vivenciou qualquer situação semelhante a uma crise de pânico. Em alguns momentos de muito stress (brigas com o marido, com os filhos, cansaço pelo excesso de trabalho, noites com pesadelos, etc.), PM pensa na possibilidade de ter um novo ataque, mas ele não ocorre. Diz estar se sentindo satisfeita por nunca mais ter tido uma crise e por ter retirado a medicação.

Em relação ao casamento, apesar de estar ciente de que seu marido não é a pessoa que lhe inspire desejo ou satisfação como ela gostaria, resolveu manter o casamento porque se sente protegida e segura na presença de seu marido. PM sabe que não tem vontade ou disposição de enfrentar uma separação, tanto por estar perdendo um ponto de apoio (mesmo que esse apoio seja apenas a presença do marido), quanto por diminuir seu poder aquisitivo (pois teria que sustentar a casa sozinha). Após tomada tal decisão, PM tentou investir um pouco mais na relação e hoje se sente mais satisfeita em relação a si própria e a seu marido, inclusive tentando melhorar a relação com namoro, saídas juntos, demonstração de afeto e carinho, etc. Houve também mudança no comportamento do marido, uma vez que o casamento estava prestes a acabar: o marido começou a se tornar mais participativo na rotina diária da casa, ajudando a cuidar das crianças ou fazendo comida de vez em quando e interessado em melhorar a relação conjugal.

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Capitulo 14

Competências fetais no terceiro trimestre de