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CAPÍTULO III DESENHO DE UMA METODOLOGIA DE BASE CONCEPTUAL

DOMÍNIO-OBJECTO

4.1 Blended Learning e Ensino Superior Pós-Bolonha

O lapso temporal que decorre entre os primeiros passos encetados para instauração do Processo de Bolonha (Declaração de Sorbonne (1998144) e Declaração

de Bolonha (1999145)) e o momento presente é já suficientemente longo para

possibilitar uma perspectiva crítica das transformações efectivamente ocorridas no Ensino Superior, sendo ingénuo não admitir, como ponto de partida, uma articulação inescapável entre todo este processo e a crise genérica do paradigma sociocultural e económico da modernidade (Magalhães, 2004, p. 109). Não obstante a influência de um contexto global (Lazarinis et al., 2011, p. 236), as mudanças estruturais ocorridas, nas duas últimas décadas, permitem estabelecer um nexo directo de causalidade entre a expansão do conceito de <blended learning> e a instauração do Processo de Bolonha:

/.../ No doubt that the growth of blended learning has been favored by the

changes higher education is experiencing. To begin with, structural changes of great significance in Europe are being carried out to implement the Bologna process146; but then, on a wider scale, changes are also occurring in the traditional way of teaching and learning all around the world.

Independentemente da índole das motivações reais para implantação de um Espaço Europeu de Ensino Superior147, o cerne de tal desafio pareceu, desde início,

144 Que apresentou as premissas para harmonização do sistema europeu de Ensino Superior.

145 Que definiu o conjunto de estratégias necessárias a levar a cabo para fomentar a transparência das Instituições do Ensino Superior com vista à criação de um espaço europeu coeso, harmónico,

competitivo e atractivo.

146 Sublinhado nosso.

147 No ano de 2000, um grupo de Instituições do Ensino Superior aceitou colectivamente o objectivo proposto por Bolonha e elaborou o Tuning - sintonizar as estruturas educativas da Europa, um projecto piloto que se materializou em várias linhas de acção acordadas em Bolonha, em particular na adopção de um sistema de títulos reconhecíveis e comparáveis, a na adopção de um sistema sustentado em ciclos.

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dizer fundamentalmente respeito à necessidade de desenvolvimento de metodologias adequadas à concretização de um modelo de ensino inovador e disruptivo preconizado desde as primeiras declarações. No contexto português, essa visão é reiterada pela linha argumentativa já muito citada e patente no Decreto-Lei nº 74/2006, de 24 de Março, promulgado pelo então Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago:

Questão central no Processo de Bolonha é o da mudança do paradigma de

ensino148 de um modelo passivo, baseado na aquisição de conhecimentos, para

um modelo baseado no desenvolvimento de competências, onde se incluem quer as de natureza genérica — instrumentais, interpessoais e sistémicas — quer as de natureza específica associadas à área de formação, e onde a componente experimental e de projecto desempenham um papel importante.

Fica claro que se assistiu, desde um primeiro momento, à divulgação de uma construção retórica oficial em prol da qualidade e da transparência processual e curricular149, que para além da harmonização de aspectos formais implicaria,

assumidamente, levar a bom porto, alterações profundas no âmbito pedagógico (Monteiro, 2011, p. 25):

/…/ em prol de uma nova didáctica150 que visa a promoção da autonomia, de uma maior integração social e da concretização de igualdade de oportunidades a partir da cooperação em comunidades de aprendizagem.

Face a tal desafio, a grande maioria das Instituições de Ensino Superior tem promovido medidas que visam a transformação dos processos de ensino e aprendizagem, sendo uma das principais opções estratégicas o recurso a plataformas de aprendizagem perspectivadas, fundamentalmente, como um complemento às sessões presenciais (Peres, 2011, p. 8):

Uma análise global das actuais práticas de e-Learning no ensino superior público, revela uma preocupação crescente das instituições que procuram disponibilizar uma plataforma -e-Learning para ser utilizada tanto pelos professores como pelos alunos.

Sendo a integração gradual de tecnologias uma premissa fundamental na senda

148 Sublinhado nosso.

149 Graus académicos passíveis de serem comparados no interior do espaço europeu. 150 Sublinhado nosso.

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do que se designou uma Pedagogia 2.0 (McLoughlin & Lee, 2008, p. 2), (Peres, 2011, p. 11-12), ou de uma didáctica nova ou renovada (Monteiro & Moreira, 2013, p. 39), perguntar-se-á então: em que medida os ambientes de aprendizagem que integrem tecnologias digitais se coadunam com o paradigma de ensino-aprendizagem para o qual aponta o Processo de Bolonha? A resposta à questão implica inevitavelmente resgatar alguns dos marcos diacrónicos fundamentais de instauração europeia do processo, assim como algumas premissas da linha argumentativa patente no discurso oficial do Estado português. Recorde-se que programa do XVII governo português estabeleceu como objectivo crucial da sua política para o Ensino Superior assegurar qualificação dos cidadãos portugueses no espaço europeu, concretizando, deste modo, o Processo de Bolonha no período compreendido entre 2005 e 2009, comprometendo- se, em particular, a melhorar a qualidade e a relevância das formações oferecidas, fomentar a mobilidade dos estudantes e diplomados e promover a internacionalização das formações.

O compromisso de harmonização de um espaço europeu de Ensino Superior teve naturalmente reflexo na regulamentação que passou a vigorar, em Portugal, desde há quase uma década. Os Decretos-Lei nº 42/2005, de 22 de Fevereiro e nº 49/2005, de 30 de Agosto151, relativos à alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo

consagraram as conhecidas proposições: (1) modificação das condições de acesso ao Ensino Superior, de modo a que todos possam ter acesso à designada aprendizagem ao longo da vida; (2) criação de um modelo organizativo constituído por três ciclos; (3) estabelecimento de um sistema de ensino ancorado no desenvolvimento de competências (concretizado nos descritores de Dublin152); e (4) introdução de um

sistema flexível e facilitador da mobilidade e promotor da empregabilidade, através do sistema europeu de transferência e de acumulação de créditos (ECTS – European Credit Transfer and Accumulation System), aferido com base no trabalho dos estudantes.

Em 2009, na reunião Ministerial de Lovaina teve como propósito central analisar a evolução da concretização das metas estabelecidas. No relatório recomendativo resultante desta etapa - The Bologna Process 2020 -
The European

151 Artigo 13º (Organização da formação, reconhecimento e mobilidade).

152Desenvolvidos pelo Joint Quality Iniciative Informal Group (JQI), que congregou membros pertencentes a diferentes entidades de avaliação e de acreditação. Os descritores visam facilitar a análise comparativa de ciclos de formação à escala europeia.

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Higher Education Area in the New Decade (S./A., 2009, p. 1) 153– ficou acordado um

alargamento do prazo para implementação de mudanças de 2012 para 2020:

In the decade up to 2020 European higher education has a vital contribution to make in realising a Europe of knowledge that is highly creative and innovative. Faced with the challenge of an ageing population Europe can only succeed in this endeavour if it maximises the talents and capacities of all its citizens and fully engages in lifelong learning as well as in widening participation in higher education.

De entre o elenco de boas práticas definido desde a primeira declaração (equidade, mobilidade, inovação, internacionalização, empregabilidade e formação ao longo da vida, entre outros), no ponto 14, lê-se claramente a enfatização da visão pedagógica preconizada para o espaço europeu (S./A., 2009, p. 3):

/…/ new approaches to teaching and learning, effective support and guidance structures and a curriculum focused more clearly on the learner in all three cycles. Curricular reform will thus be an ongoing process leading to high quality, flexible and more individually tailored education paths.

A reiteração sucessiva da importância de uma nova pedagogia impulsionadora de uma reforma curricular revela que para lá do processo de implantação institucional (já concluído), está ainda em curso o processo de mudança de paradigma educativo. Será por isso importante referir que na Estratégia Europa 2020154 foram reequacionados cinco objectivos maiores, de entre os quais se destaca o âmbito da educação, voltando a ser asseverada a importância de promover o conceito de aprendizagem ao longo da vida e a qualidade dos sistemas de ensino, aumentado o número de inscritos no Ensino Superior155.

Tendo em conta a cronologia sucintamente descrita, é reconhecido o esforço por parte das instituições de Ensino Superior português espelharem a filosofia de Bolonha (Balula Dias, 2010), diversificando a oferta formativa de forma a cativarem,

153 O documento em referência está disponível em:

http://www.ond.vlaanderen.be/hogeronderwijs/bologna/conference/documents/leuven_louvain-la- neuve_communiqu%C3%A9_april_2009.pdf (consultado a 2 de Setembro de 2014).

154 Sendo os restantes respeitantes ao emprego, inovação, educação, inclusão social e clima/energia. (http://ec.europa.eu/europe2020/index_pt.htm), consultado a 12 de Novembro de 2014.

155 Do ponto de vista nacional, Portugal propôs um aumento percentual no que respeita aos cidadãos diplomados pelo Ensino Superior, na faixa etária compreendida entre os 30 e 34 anos; a percentagem almejada situa-se na ordem dos 40%. (Dados quantitativos patentes na tabela oficial da Objectivos da

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pelo desenho curricular, públicos que, de outro modo, não teriam acesso ou não se sentiriam atraídos por uma educação superior (Balula Dias, 2010: 318):

/…/ não se pode deixar de referir que já se reconhece um esforço por parte de todos os EES156 incluídos neste estudo, no sentido de procurar garantir que os

futuros profissionais tenham literacia digital (outro dos mais importantes pressupostos do Processo de Bolonha) – mais não seja pela escolha e aplicação do bLearning como modalidade de ensino.

Verifica-se, assim, que o cumprimento das boas práticas emanadas de Bolonha faz emergir a integração gradual de tecnologias e a diversificação da oferta formativa. É neste contexto que o blended learning se passa paulatinamente a afirmar como cenário pedagógico promissor, nas palavras de McLoughlin & Lee (2008, p. 2):

Social software tools can be effectively integrated into both face-to-face and online environments; the most promising settings for a pedagogy that capitalizes on the capabilities of these tools are fully online or blended so that students can engage with peers, instructors, and the community in creating and sharing ideas.

Em particular no que respeita à oferta formativa, no âmbito de cursos de mestrado e de doutoramento, a opção estratégica pela modalidade de blended learning tem claro impacto na mobilidade e na internacionalização (Balula Dias, 2010, p. 319):

/.../ não se pode deixar de salientar que fica claro que a opção por um regime

de bLearning promove a mobilidade de alunos, /…/acredita-se que este regime de ensino (bLearning) poderá também vir a cativar alunos provenientes de países da União Europeia em edições futuras dos cursos.

Leite et al. (2009) sustentam que o Processo de Bolonha incita a um modelo de trabalho pedagógico escorado no reforço da comunicação, destacando a importância de serem encontradas soluções criativas para distender a interacção comunicativa com os estudantes, para além do contacto presencial. E é neste contexto que é reconhecida a vantagem estratégica e pedagógica do <blended learning>.

156 Estabelecimentos de Ensino Superior.

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Mapa 3: <Blended learning> e processo de Bolonha.

A flexibilidade espácio-temporal e a flexibilização da aprendizagem passaram a estar plasmadas nos planos curriculares, através do desdobramento da sua estrutura por unidades de crédito que se baseiam não só nas horas de contacto lectivas, mas também na redução dos ciclos de estudo, com consequente diminuição de horas de contacto presencial. Estas alterações convidam, naturalmente à busca de alternativas de comunicação pedagógica complementares, mas também à criação de estratégias de contabilização do tempo e do esforço despendido pelo estudante no desempenho da totalidade das tarefas inerentes ao seu processo de aprendizagem. Assim, no que diz respeito à visão da organização curricular que emana de Bolonha, o incentivo à modelação por via de uma matriz não-linear e não-sequencial reforça o papel da integração das tecnologias digitais, também potenciada pela alteração dos padrões cognitivos em larga medida provocada pela hipertextualidade e pela conectividade relacional (Vidigal da Silva, 2005, p. 43). Com efeito, compreende-se que o redesenho dos planos de estudo penda para uma lógica construtivista sustentada na concretização de resultados de aprendizagem e no alinhamento de objectivos (Peres, 2011, p. 8):

As tecnologias digitais revolucionaram as formas como aprendemos /.../ cada vez mais a aprendizagem informal e ao longo da vida tem o seu espaço. Os hábitos e os costumes dos alunos alteram-se e as escolas não podem ignorar tamanha revolução. Necessitam de acompanhar o progresso para se tornarem num lugar de interesse e motivação para os alunos.

O reconhecimento da mudança dos padrões sociológicos aqui subjacente é visível na forma como os estudantes hoje se percepcionam a si mesmos, enquanto

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estudantes de Ensino Superior. A alteração da idade tradicional para ingressar ou reingressar neste tipo de ensino, assim como a condição de trabalhador-estudante ou de estudante internacional parecem convergir para a afirmação de um modelo que potencie alguma flexibilidade espácio-temporal.

A Declaração de Bolonha, o mercado de trabalho resultante da globalização neoliberal das economias e a emergência de recursos tecnológicos e de modelos de comunicação que fomentam a flexibilidade espácio-temporal parecem apresentar como incontestável a absolta necessidade de articulação da tecnologia com o

curriculum. No entanto, é necessário referir que o debate em torno da reforma ou da

reestruturação do Ensino Superior (Hamilton & Feenberg, 2005, p. 97) tem assumido posicionamentos diferenciados: por um lado, é advogada a inevitabilidade da incorporação da tecnologia, vista como alavanca da reforma neoliberal, conducente a avanços pedagógicos e a novas formas de gestão e administração. Por outro lado, numa posição mais radical estará um certo humanismo anti-tecnicista que encara com cepticismo o entrosamento do domínio empresarial com o Ensino Superior e a consequente tendência para uma diluição entre educação e formação (Reboul, 2000, p. 18-19). Para alguns, a identidade do Ensino Superior157 poderá estar em causa,

encontrando-se em articulação com uma crise mais genérica do paradigma sociocultural e económico da modernidade (Magalhães, 2004, p. 19).

A ideia de Ensino Superior empreendedor ou empresarialista (Ibidem, p. 109), trouxe consigo um conjunto de noções de planeamento estratégico (estando aí incluídas a declaração explícita de uma missão, objectivos, planos de acção e indicadores de desempenho, entre outras dimensões) o que, no seu entender, poderá reduzir a autonomia desta instituição milenar. Também, de acordo com Harker (1995, p. 38), se as Instituições de Ensino Superior não conseguirem restaurar a autonomia que tradicionalmente detinham, o seu fim, enquanto instituições liberais, estará fatidicamente próximo: A dissolução da grande metanarrativa legitimadora da Razão resultou na subjugação das universidades ao princípio da performatividade /.../.

Demarcamo-nos deste cenário menos positivo, acreditando que o princípio da perfomatividade, podendo constituir uma ameaça, tráz consigo a oportunidade para o

157 Teoricamente, de acordo com uma certa historicidade, os sistemas universitário e politécnico perseguem objetivos distintos; todavia, na prática não são totalmente separados, sendo permitido aos estudantes circular entre um e outro subsistema.

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redesenho de um sistema estruturalmente mais transparente e pedagogicamente mais flexível, no âmbito do qual o <blended learning> parece estar a conquistar um lugar não negligenciável (Lazarinis et al,. 2011, p. 236).