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CAPÍTULO I-TERMINOLOGIA: ENQUADRAMENTO E DELIMITAÇÃO

Mapa 2: Representação da Terminologia (baseado em Roche, 2012, p 17).

1.4 Relações interdisciplinares com a Linguística

Não deixa de ser curioso observar que o interesse da Linguística pela Terminologia haja sido algo tardio, tendo germinado – sobretudo – a partir da década de 1950 do Séc. XX. Com efeito, durante a primeira metade daquele século, os profissionais da Terminologia foram fundamentalmente especialistas de domínio e não terminólogos. À medida que a dimensão normalizadora da Terminologia deixou de ocupar uma posição nuclear, passou a assistir-se à valorização do seu papel no âmbito da comunicação de especialidade. Depecker (2002, p. 13) salienta que há uma forte ligação de parentesco entre a Linguística e a Terminologia /.../ même si la seconde s’est développée en marge de la première. Do seu ponto de vista, ambas as áreas beneficiam com o estabelecimento de relação dialéctica que poderá contribuir para a progressão teórica mútua. No que respeita ao aporte da Terminologia, o trabalho terminológico evidencia – para o investigador – aspectos respeitantes à relação entre língua e pensamento e língua e realidade, aos quais nem sempre tem sido dada a devida atenção, na perspectiva da Linguística, nomeadamente a premissa de que /.../ il y a un ordre de

la langue et un ordre de la pensée (Ibidem, p. 13)40. Com efeito, a Terminologia, pela

sua tradição de trabalho associado à Tradução, postula a existência de elementos comuns às línguas, mas também a existência de elementos independentes das línguas.

A questão da relação entre Linguística e Terminologia é também perspectivada por Humbley (1996) e retomada por Costa (2006; 2013). Ambos os investigadores identificam contingências diacrónicas, geográficas e geopolíticas que poderão ter contribuído para dificultar a construção de uma identidade própria por parte da segunda. Neste sentido, abordaremos em particular a problemática da distinção entre Terminologia e Lexicologia de Especialidade.

1.4.1 Terminologia e Lexicologia de Especialidade

40Sublinhado nosso.

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No entendimento de Costa (2006, p. 1), nos países europeus de línguas românicas, a Terminologia é perspectivada como uma disciplina autónoma, compreendendo uma pluralidade de teorias e de metodologias, sendo, no entanto, a abordagem linguística a mais prevalente. Tal orientação justifica-se pela influência diacrónica da Lexicologia e da Lexicografia. O debate teórico e metodológico sobre a proximidade e as dissemelhanças entre Terminologia e Lexicologia de Especialidade é, como sustenta mais tarde Costa (2013, p. 1), uma questão – dada a evolução da Terminologia para outras esferas de actividade, além da Lexicografia e da Comunicação Especializada que justifica uma reavaliação do estado de coisas – o qual se manifesta crescentemente complexo e multifacetado. Na verdade, as comunidades que trabalham com e em Terminologia são inúmeras e não raro advogam enquadramentos epistemológicos singulares, que se revelam controversos, até mesmo no cerne de cada área científica.

Recorde-se que foi na década de 70 de século XX, com os estudos de Quemada (1971), Guilbert (1973) Rey (1979), que emergiu o interesse pelo termo, com incidência na análise semântica e numa abordagem metodológica de carácter semasiológico. O debate deste período inicial focalizou-se substancialmente na definição do estatuto da Terminologia enquanto área de estudo das unidades de conhecimento especializado, o que acabou por ter como resultado a perspectivação das terminologias como nomenclaturas. E esta foi uma etapa fulcral, dado que dela nasceu uma disciplina: a Lexicologia de Especialidade, a qual, no pensamento de Costa (2006, p. 2) é, não raro, confundida com a Terminologia, não obstante ter objectivos claramente distintos:

This dichotomy still exists today. Many linguists assume that, by analyzing and describing the terminological units that occur in specialized texts, they are doing

terminology41. This ambiguity is however understandable, since for the majority of

linguists the terminological unit remains the main object of study, whatever their linguistic theoretical framework may be. Although understandable, this ambiguity, however, can no longer be maintained in the current state of affairs42.

Calberg-Challot et al. (2009) acrescentam que a definição de termo proposta por Kocourek (1991) terá contribuído para que este fosse considerado idêntico a uma

41Sublinhado nosso.

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palavra comum, validando uma perspectiva exclusivamente linguística da Terminologia e fomentando a confusão entre esta área e a Lexicologia de Especialidade:

La définition de Kocourek fait du terme un mot "presque" comme les autres. Partant de cette vue uniquement linguistique de la terminologie est apparue une terminologie qui se confond avec une lexicographie de spécialité.

Ancorado numa outra premissa argumentativa, mas concorrendo para a mesma conclusão, Depecker (2002, p. 17) demarca-se de alguns dos posicionamentos diacronicamente assumidos pelo Comité Técnico 37, da ISO (Terminology and other language content resources43) - nomeadamente da concepção excessivamente instrumental da língua. A seu ver, na esteira de uma abordagem normalizadora criou-se uma tendência para um certo nominalismo, por si entendido como a redução do real à organização de conjunto de denominações. A consequência indesejável materializou-se na percepção dos termos como meras etiquetas.

Poder-se-ia pensar que, actualmente, a questão identitária estaria ultrapassada, mas o debate prevalece com notável intensidade. Na perspectiva de Roche (2012), a autonomia da Terminologia continua fortemente ameaçada: por um lado, pela Lexicografia de Especialidade; por outro lado, pela designada Engenharia do Conhecimento (Roche, 2012, p. 17):

Nowadays, terminology, as an independent discipline, risks being absorbed into specialised lexicography or knowledge engineering; the former reducing it to a

study of linguistic phenomena and the latter, to an issue of computational knowledge representation. Nevertheless, terminology as a scientific discipline is crucial if we consider that its primary aim is to understand the world, describe the objects that populate it and find the right words to talk about them.

Em nosso entender, num dos seus trabalhos mais recentes, Costa (2013, p. 3), problematiza muito pertinentemente esta questão da identidade: a pluralidade de perspectivas representativas de pressupostos linguísticos e epistemológicos

43A missão deste comité é claramente explicitada no sítio da Infoterm: I

SO/TC 37’s mission is to provide standards and guidelines to standardization experts, language professionals in all institutions and organizations creating and handling terminology, language and other content resources (including ISO itself, other international organizations, national standards bodies, national government services, companies, non-governmental organizations, etc.) in order to enable them to prepare high-quality language resources and tools for a wide variety of applications in professional and scholarly information and communication, education, industry, trade, etc.

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diferenciados, no panorama de investigação actual em Terminologia não contribui, com seria desejável, para o fomento da autonomia desta área científica:

In Terminology there are several theoretical perspectives – some clearly opposed to others – that coexist and represent distinct epistemological and linguistic assumptions /…/ The perspectives are communicative, socio-cognitive, cognitive, and many of them, in our opinion, fail to focus on what characterizes Terminology as an autonomous discipline and enables its distinction from other related areas44.

Como já foi referido, a Terminologia mantém relações de interdependência com várias disciplinas da esfera das ciências sociais e humanas e das ciências computacionais. É, por conseguinte, normal que com elas partilhe alguns dos seus conceitos mais nucleares de que termo, conceito, definição, característica, entre outros, são exemplo. De entre as várias relações de interdependência, a relação que estabelece com a Lexicografia de Especialidade parece, no entendimento de muitos, ser a mais ameaçadora à sua autonomia. Efectivamente, a Terminologia e a Lexicografia de Especialidade são dois domínios que partilham o mesmo objecto de estudo, o termo (Costa, 2013, p. 1), como ilustra a representação proposta:

Figura 1: Terminologia e Lexicografia de Especialidade.

Porém, o lexicógrafo de especialidade olhará para o termo de uma perspectiva distinta da do terminológo orientado para o conceito. O primeiro terá em linha de conta componentes de ordem gramatical, semântica e pragmática, enquanto o segundo transcenderá o nível linguístico para entrar no nível conceptual, no interior do qual se jogam questões topográficas, ou, por outras palavras, questões relacionadas com a delimitação de fronteiras de um determinado sistema conceptual e a sua organização interna em termos de conceitos e das suas inter-relações. Tomando como exemplo uma perspectiva possível de materialização do nosso trabalho que implicaria metodologias,

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construção de recursos e resposta a necessidades sociais distintas: um enfoque na componente denominativa do termo implicaria, por exemplo, o estudo das diferentes alternativas de designação de <blended learning> em Português, estando fundamentalmente orientado para a questão discursiva e, por conseguinte, para a Lexicografia de Especialidade.

Por outro lado, o enfoque na representação e na delimitação do espaço conceptual do conceito de <blended learning>, face, por exemplo, ao conceito de <e- learning> ou de outros conceitos que viremos a considerar integrados no continuum presença-distância que se desenha no cenário educativo do Ensino Superior, transcende a análise de componentes discursivas, dado estarem em causa elementos que pertencem à esfera conceptual. Como afirma com veemência Roche (2012, p.72): Il convient de se rappeler que tout travail terminologique devrait être fondé sur les notions et non sur les termes.