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CAPÍTULO III DESENHO DE UMA METODOLOGIA DE BASE CONCEPTUAL

3.5 Para lá do texto de especialidade: recolha de evidência

Nos capítulos anteriores, definimos com precisão a relevância e o papel do texto de especialidade no contexto deste trabalho, entendendo-se que a sua análise para fins onomasiológicos consiste em partir da observação de contextos ricos em informação conceptual, neles procurando indícios de candidatos a características, no

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nosso caso concreto), os quais triangulados com outras fontes de evidência poderão ou não ser considerados válidos para integrar a definição de <blended learning>. Fica assim claro que a combinação do texto com a interacção com especialistas de domínio implica integrar instrumentos de recolha empírica que, muito embora sejam igualmente enformados pela língua, poderão estar mais próximos do plano conceptual, como se procurará defender.

No plano qualitativo, são múltiplos os formatos ao alcance do investigador para coligir evidência. De entre tais instrumentos, destaca-se uma multiplicidade de opções que se escoram na dimensão verbal como sistema semiótico mediador desse processo: o diário, o questionário, a entrevista individual e o focus group (sessão de grupo). Em função do desenho de investigação que se irá propor circunscreveremos esta breve contextualização à entrevista e ao focus group.

3.5.1 Ambientes discursivos de acesso ao plano conceptual

A entrevista, enquanto instrumento de elicitação de conhecimento, constitui uma das técnicas mais utilizadas para obtenção de evidência sobre uma determinada realidade empírica (Yin, 2009, p. 106). De acordo com Fontana & Frey (1994), trata- se de instrumento de validade sobejamente demonstrada para capturar a diversidade de descrições, percepções e interpretações que os sujeitos têm sobre determinada faceta da realidade envolvente. Torna-se, no entanto, crucial assinalar que, ao abrir um espaço dialógico - no interior do qual o sujeito-investigador e o entrevistado se constituem como vozes em interacção - passam a ser convocadas para a investigação todas as contigências inerentes ao discurso (Quivy & Campenhoudt, 1992, p. 78):

O discurso é um momento num processo de elaboração, com tudo o que isso implica de contradições, incoerências e lacunas. O discurso é a palavra em acto... Em toda a comunicação (entrevista não directiva), a produção da palavra ordena-se a partir de três pólos: o locutor, os seus objectos de referência e o terceiro, que põe a pergunta-problema.

Tais contingências serão, do nosso ponto de vista, menores do que as do texto de especialidade escrito. Será pois pertinente perguntar, no âmbito do trabalho terminológico, que vantagens oferece ao terminológico e à qualidade da investigação o recurso ao procedimento de entrevista? O facto de o terminológo poder colocar ao

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especialista um conjunto intencional de perguntas, fá-lo, em nosso entender, aproximar-se do plano conceptual. A possibilidade de reformulação, de repetição, de directividade, torna-a, para nós, um contexto rico em informação conceptual – mais valorizável, em alguns aspectos, do que o texto de especialidade.

No entanto, será necessário admitir que se, por um lado, esta opção poderá permitir ao terminólogo perscrutar o inaudível – aceder a conhecimento tácito - abre também espaço a um conjunto de fragilidades que têm de ser, em primeira instância, reconhecidas para poderem ser, posteriormente, debeladas. A conversão do terminólogo em entrevistador, mediador, facilitador e moderador implica uma preparação prévia com uma consistência muito maior do que se possa pensar.

Como sustentam Quivy & Campenhoudt (1992, p. 193), a entrevista é um processo comunicativo diádico de elevada complexidade, pautado pela alteridade, pelas contingências das coordenadas espácio-temporais e por outros condicionamentos internos e externos. Dado que a objectividade - tal como é definida pelo paradigma positivista - é um ideal impossível de alcançar, deverá procurar-se, na perspectiva dos autores, uma subjectividade disciplinada124.

3.5.1.1 Entrevista semi-estruturada ou semi-directiva

No que diz respeito aos graus de estruturação e de directividade, as entrevistas variam num continuum, envolvendo diferentes tipos de preparação, de conceptualização e de instrumentação: das estruturadas ou directivas às não estruturadas não-directivas. Nos pontos intermédios da directividade encontrar-se-ão as entrevistas semi-estruturadas, durante as quais o entrevistador procura obter resposta a um conjunto intencional de perguntas. Tal implicará a realização prévia de um protocolo, o qual é utilizado no decurso da entrevista com o intuito de auxiliar a

124 Uma entrevista demasiadamente dirigida e com respostas controladas na sua extensão discursiva

pode condicionar o êxito dos resultados obtidos. A sua extensão está naturalmente determinada pelo fim a que se destina e pelos meios de produção que a sustentam. Poder-se-á falar de territorialidade

interaccional, na óptica de Goffman (1967), dado que a entrevista tem uma sequencialidade dialogal- conversacional com condições pragmaticamente concretas que implicam um difícil gestão da face, nas palavras Goffman.

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monotorização e a condução da interacção dialógica (Quivy & Campenhoudt, 1992, p. 185):

/.../ trata-se de levar a pessoa interrogada a exprimir-se de forma muito livre acerca dos temas sugeridos por um número restrito de perguntas relativamente amplas, para deixar campo aberto a respostas diferentes das que o investigador teria podido explicitamente prever no seu trabalho de construção.

Na etapa exploratória do nosso trabalho, optou-se por um formato semi- estruturado, no âmbito do qual se introduz um determinado tópico, guiando a interacção e colocando questões que, na sua totalidade, deverão cobrir a questão de investigação. A existência de um guião regulador da interacção não implica que o entrevistador abdique de fazer a gestão da sequencialidade comunicativa da forma que entender mais pertinente (Flick, 1998, p. 94), uma vez que o guião visa fundamentalmente assegurar uma atitude sistemática, de delimitação prévia da orientação discursiva da entrevista, de modo a potenciar a comparação dos dados obtidos. De acordo com Quivy & Campenhoudt (1992, p. 194), poderão coexistir questões com maior directividade e questões de natureza mais exploratória:

A entrevista semidirectiva ou semidirigida é certamente a mais utilizada em investigação social. É semidirectiva no sentido em que não é nem inteiramente aberta, nem encaminhada por um grande número de perguntas precisas.

Tal significa que a heterogeneidade tipológica das perguntas do guião poderá ser justificável pelos objectivos que as enformam, tornando-se imperativo não esquecer que - enquanto instrumento flexível de recolha e elicitação de dados - a entrevista semi-estruturada constitui uma das principais bases metodológicas da investigação qualitativa, logo, a formulação do guião de questões tem como subjacente o princípio de que estas devem permitir ao sujeito-entrevistado materializar as suas conceptualizações sobre o objecto inquirido, sem excessivos condicionamentos.

Na fase inicial de um trabalho de investigação, é muitas vezes utilizada a entrevista exploratória, a par das leituras para definição da problemática. Este tipo de trabalho tem uma função heurística, podendo ser directiva e não directiva. Há também métodos exploratórios complementares, como por exemplo, a observação de documentos (Quivy & Campenhoudt, 1992, p. 87):

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As entrevistas exploratórias completam utilmente as leituras. Permitem ao

investigador tomar consciência de aspectos da questão para os quais a sua própria experiência e as suas leituras, por si só, não o teriam sensibilizado. As entrevistas exploratórias só podem preencher essa função se forem pouco directivas, dado que o objectivo não consiste em validar as ideias pré-concebidas do investigador125.

Revemo-nos em absoluto neste excerto, ao perspectivar as entrevistas exploratórias em interacção e em simultaneidade com a revisão da literatura. Como será demonstrado na fase de análise, trata-se de um procedimento de grande utilidade para contextualizar, categorizar e hierarquizar o conhecimento apreendindo numa primeira etapa.

3.5.1.2 Focus group

Para Litosseliti (2013, p. 166), existem fortes similaridades entre o procedimento de entrevista e o procedimento do focus group, sendo a diferença mais evidente o carácter diádico da primeira face ao carácter grupal da segunda:

/…/ interviews and focus groups are seen as closely related. Some researchers maintain that they are similar but nevertheless distinctive (see Dörnyei, 2007), whereas others tend to treat one (i.e. focus groups) as a subcategory of the other (e.g., as in the phrase ‘focus group interviews’). To us, they are best thought of as two related forms of practice that often overlap or bleed into each other126.

A dimensão colectiva do focus group visa minimizar a influência do observador sobre os observados, uma vez que há uma interacção grupal entre vários interlocutores, sendo que se espera que as intervenções sejam produzidas com mais naturalidade do que numa entrevista estruturada. Na opinião de Flick (2004), as vantagens principais das entrevistas de grupo é serem ricas em dados, pois vão para além da interacção diádica das entrevistas individuais, estimulando uma dinâmica interaccional com mais sinergias. Desta forma, e entidade grupo converte-se numa ferramenta para construir a negociação de ideias entre os intervenientes, útil para comparar, debater e replicar diferentes opiniões. Nesta situação, os elementos do

125Sublinhado nosso.

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grupo poder-se-ão sentir mais à vontade, uma vez que não estão isolados nem se sentem objecto de avaliação directa.

Este tipo de opção é, de acordo com Litosseliti (2013, p. 168), particularmente adequado para a etapa conclusiva de um estudo. Produz uma visão múltipla, plural sobre determinado assunto, numa etapa em que o investigador já trilhou um percurso consistente, pelo que estará mais apto a filtrar as dimensões verdadeiramente relevantes da evidência obtida e a descartar outras. No entanto, será importante contar com a hipótese de o grupo ter colectivamente uma resposta mais forte do que cada um dos elementos teria individualmente:

/…/ we re-specify the focus group127 as a locus of knowledge creation or

construction – rather than as a means of data collection – then the presence and

impact of the moderator (on the data) becomes more a matter of academic interest than a ‘concern’ that has to be acknowledged and ‘allowed for’. As mentioned above, it is assumed that the moderator is another participant whose presence, contributions, perceived background, etc. influence the group discussion128.

Subscrevemos o entendimento da investigadora, razão pela qual o recurso ao focus group é apenas concretizado na etapa de validação da definição de blended learning. Revemo-nos em absoluto na ideia de que este procedimento se constitui mais como um locus de construção e criação de conhecimento, do que propriamente um meio de recolha de evidência.

Em suma, em função do exposto, consideramos que entrevista e texto de especialidade constituem dois ambientes discursivos distintos e complementares para o trabalho do terminológo, razão pela qual serão dois instrumentos de recolha de evidências a incluir no desenho de uma metodologia conceptual.