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Bloco I Fundamentos teóricos, filosóficos e pedagógicos

4 PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE PSICOLOGIA: AS REPRODUÇÕES E RUPTURAS EM TELA

4.3 Bloco I Fundamentos teóricos, filosóficos e pedagógicos

Os elementos componentes do primeiro bloco são os fundamentos teóricos, filosóficos e pedagógicos, além da descrição do funcionamento geral do curso, dados institucionais,

como a quantidade de vagas, o turno de funcionamento, quantidade de docentes e o histórico do curso (SEIXAS, 2014).

Em suas análises, Seixas (2014) observa que, apesar dessas informações em comum, há uma certa heterogeneidade quanto a outras informações mais específicas. No caso do PPC de Psicologia de Palmeira dos Índios, também estão nesse bloco tópicos sobre os objetivos do curso, sua justificativa, infraestrutura e o processo avaliativo do curso e do próprio PPC. Destarte, seguindo Seixas (2014) e articulando com as especificidades desse curso, elencamos como tópicos de análise desse bloco: o perfil do egresso, os objetivos, as justificativas, as competências, a infraestrutura e a avaliação.

O curso de Formação em Psicologia da Unidade Educacional de Palmeira dos Índios obteve sua autorização em 2007, com o Parecer CNE/CES nº 52 (UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS, 2009a). E seu reconhecimento ocorreu com a Portaria nº 489 de 20/12/2011 (BRASIL, 2015d).

Seu funcionamento é diurno, com carga horária de 4.100 horas, duração mínima de cinco e máxima de oito anos. Inicialmente, eram ofertadas 40 vagas anuais, mas com a adesão ao REUNI, em 2009, passou-se a ofertar 50 vagas por ano (UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS, 2009a). Tem atualmente 17 docentes, assim distribuídos: 05 alocados entre os Troncos Inicial e Intermediário (esses docentes são compartilhados com os cursos de Serviço Social da própria Unidade e de Medicina Veterinária, na Unidade de Viçosa) e 12 situados no Tronco Profissionalizante. Esses 12 professores distribuem-se nos setores de estudos: 01 da Psicologia Geral (e no Tronco Intermediário em Psicologia e Serviço Social), 03 da Psicologia Escolar/Educacional, 03 da Psicologia Social Comunitária, 01 da Psicologia Organizacional e do Trabalho (também dividido com o curso de Administração, na Unidade de Arapiraca) e 04 da Psicologia Clínica.

O perfil do egresso que consta no PPC reproduz o mesmo explicitado no PPC de Psicologia da UFAL de Maceió (UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS, 2006) e se divide entre um perfil geral e outro específico. No primeiro, o que emerge são características que reafirmam o tipo de formação preconizada em estudos diversos citados no segundo capítulo: uma formação generalista, científica, crítica e reflexiva, interdisciplinar, pluralista, com autonomia, compromisso ético e compromisso político-social. Já no perfil específico, tem-se

Um profissional comprometido com a educação integral e a formação do cidadão, com a promoção da saúde nos diversos níveis de atuação, capaz de compreender e intervir na estrutura e funcionamento da sociedade, numa abordagem pluridisciplinar e numa visão histórica, ética e política, bem como um profissional atento à constituição e estruturação do sujeito psíquico, seus padecimentos e meios de conquista da saúde. Um profissional atento à pesquisa e desenvolvimento dos vetores teóricos de que se utiliza na prática profissional (UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS, 2009a, p. 9).

Nos perfis apresentados, destacamos dois tópicos que permeiam esse primeiro bloco: o enfoque em uma formação crítica e comprometida socialmente. O perfil específico, por seu turno, expõe aspectos de suas duas ênfases: a preocupação com a educação e com a saúde do sujeito. Além disso, veremos que, apesar das ênfases escolhidas estarem devidamente explicitadas no documento, isso não se converte na organização da matriz curricular, tampouco em práticas no cotidiano do curso.

Em relação aos objetivos, constata-se no PPC uma preocupação com a formação de profissionais que possam realizar análises conjunturais e contextualizar demandas de trabalho. Há um realce à inserção do profissional na estrutura socioeconômica e política de modo a pensar a intervenção nas questões psicológicas presentes nas várias instâncias sociais. Também vê-se o foco nas competências e habilidades tal como dispostas nas DCNs. Todavia, o que se destaca é a ratificação do compromisso ético-político, a busca da construção de uma leitura da realidade social e a contribuição na transformação social (UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS, 2009a).

É preciso ponderar que, como aponta Seixas (2014), esse discurso tornou-se hegemônico nos PPCs de Psicologia, demonstrando que as reivindicações das diferentes entidades profissionais repercutiram nos cursos. Entretanto, a presença do discurso do compromisso social em um PPC não implica sua materialização ao longo do percurso formativo. Seixas (2014) explica que o conceito de compromisso social que é trabalhado nos PPCs investigados, em geral, não é claro, além do que ainda há a reprodução de elementos da formação que não coadunam com a construção de um compromisso social, na medida em que não rompem com o modelo tradicional de atuação em Psicologia: a clínica liberal-individual. Essa não ruptura pode contribuir com a manutenção da hegemonia dessa forma de atuação e das representações sociais acerca do psicólogo que vinculam tal profissional ao clínico tradicional.

graduada do psicólogo no Piauí, Silva e Yamamoto (2013) realizaram uma análise dos projetos pedagógicos de quatro cursos do referido Estado. Os autores verificaram a presença, no perfil do egresso, de aspectos relacionados, de modo direto ou indireto, às políticas sociais, além de uma ênfase em três dos cursos pesquisados no conhecimento da realidade nacional e das transformações sociais, por exemplo. Contudo, o olhar para a forma como os cursos estão estruturados revela que há uma distância entre o perfil traçado e o desenvolvimento da formação.

Conforme os autores, não foi identificada uma coerência entre o perfil almejado e a operacionalização nas matrizes curriculares. As disciplinas concernentes às políticas sociais são periféricas, há lacunas de conteúdos e são desarticuladas, não seguindo uma linearidade no currículo ou conexão entre elas. Ao mesmo tempo, também foi constatada a presença marcante de disciplina e ênfases voltadas para clínica tradicional, confirmando a sua força no Estado do Piauí (SILVA; YAMAMOTO, 2013).

Essas constatações remetem a Yamamoto (2009) quando defende que a questão do compromisso não diz respeito a com quem nos compromissamos, mas de que forma o fazemos. Nesse sentido, não é suficiente inserir no curso a discussão sobre esse tal compromisso e ampliar o raio de ação do profissional, abarcando classes populares. Tomando o exemplo do trabalho do psicólogo na saúde, Yamamoto (2009, p. 49) explica que o eixo que movimenta o compromisso é outro:

A questão em jogo, sem embargo, não nos parece simplesmente a possibilidade ou não da transposição de recursos técnicos tradicionais da Psicologia, em especial, o instrumental clínico desenvolvido para contextos socioculturais bastante diversos nos serviços públicos de saúde, mas a viabilização de uma prática que possa se articular, de forma qualificada, nas chamadas “políticas de vigilância da saúde” [...].

Conscientes dessa pertinente problematização, o que percebemos com a leitura do PPC de Palmeira dos Índios é que o perfil delineado e os objetivos elencados evidenciam a preocupação com o compromisso social da profissão, o que repercutirá na matriz curricular. Isso representa um aspecto positivo, mas adiantamos a importância da oferta de atividades que conduzam esse perfil ao campo de atuação dos graduandos. Nesse sentido, não é suficiente inserir no curso um perfil que abarque sobre esse tal compromisso, sem que determinadas discussões, reflexões e práticas sejam concretizadas e se tornem cotidianas na formação.

Reafirmamos que o texto que trata desse perfil é uma reprodução do texto de um outro PPC, o da UFAL de Maceió. Em nossa apreciação, a continuidade da cópia, mesmo depois das reformulações, pode ser negativa por dar indícios de que talvez a discussão sobre esse perfil não tenha sido realizada de forma aprofundada. Apesar disso, esse perfil foi apropriado pelo curso de Palmeira e a preocupação nele delineada perpassa todo o documento, estando presente sob vários aspectos na matriz curricular. Esse é um ponto importante que expõe a busca por coerência entre os fundamentos e princípios do curso e sua operacionalização. Como veremos, admite-se a necessidade de aprofundar e elucidar melhor alguns tópicos da matriz curricular de modo a trazer mais concretude e vida a esse discurso, mas esse processo já foi iniciado com as discussões do perfil.

Outro assunto que não possui um tópico específico, mas que está presente, é a justificativa, que está inserida na “Introdução” do documento. No caso em estudo, justifica-se a presença do curso de Psicologia no interior alagoano, com os argumentos de que esse tem sido o caminho da universidade pública, ou seja, interiorizar-se; e de que há uma demanda local pelo profissional de Psicologia.

Esse é, de fato, o ponto central sobre o qual se desenvolverá o curso de Palmeira dos Índios. Aqui, sua existência e trajetória aproximam-se do momento atual que a Psicologia no Brasil vem experimentando. A Psicologia vem expandindo-se em diferentes aspectos e uma dessas direções diz respeito à existência de cursos de graduação em cidades interioranas, de pequeno e médio portes (BASTOS; GONDIM; RODRIGUES, 2010; MACEDO; DIMENSTEIN, 2011).

Daí, extraem-se questionamentos sobre os desdobramentos da expansão da formação em Psicologia para o interior, especialmente se considerarmos sua marca eminentemente urbana. Essas questões, pois, encontram-se com os anseios presentes no PPC: “[…] estamos lidando com uma experiência nova, lançando as bases para um desenvolvimento profissional que não precise dos recursos e estruturas do campus central, incentivando a criação de um pólo [sic] de investigação e desenvolvimento da Psicologia no interior do estado” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS, 2009a, p. 6).

A competência, elemento das DCNs e que já discutimos no capítulo dois, é outro aspecto obrigatório no PPC e, aqui, há a reprodução literal do rol de competências elencadas no artigo oitavo das DCNs. Essa conduta não é exclusiva do curso em questão. No trabalho de Seixas (2014), esse ponto foi recorrente nos PPCs: 37 de 40 PPCs analisados listaram as

competências a serem desenvolvidas, dos quais 31 copiaram fielmente a lista contida nas DCNs. Concordamos com o autor quando levanta a hipótese de que isso se deve à possibilidade da discussão sobre as competências e habilidades não estar suficientemente sedimentada nos cursos, no sentido de que ainda não houve debates suficientes na comunidade acadêmica de modo a permitir uma maior apropriação sobre isso.

Tal condição também foi observada por Silva e Yamamoto (2013) na análise dos PPCs do Piauí, uma vez que as competências e habilidades são idênticas àquelas constantes nas DCNs. Tal situação funciona como um índice da desarticulação dos elementos dos PPCs, na medida em que não dialogam diretamente com o perfil anteriormente descrito e voltado às políticas sociais. Essa constatação leva os autores a questionar

[…] como cursos que pretendem formar um profissional voltado para questões políticas e sociais e para atender às demandas da população não apresentam nenhuma competência e habilidade relacionadas às políticas, ou seja, até que ponto os perfis e os processos formativos traçados se restringem ao discurso (SILVA; YAMAMOTO, 2013, p. 831).

De fato, essa desarticulação levanta indagações se os PPCs têm conseguido superar críticas históricas à formação e se apropriado de temáticas atualmente caras à construção de um perfil crítico e compromissado, o que precisa ser contemplado não somente no texto do perfil, mas ao longo do PPC. Como se apropriar dessa discussão sem que incorramos em equívocos anteriores ou em meras reproduções que mantêm a desconexão na matriz curricular?

Retomamos Bernardes (2012) em sua crítica a essas noções no que tange ao indivíduo que aprende, expondo uma concepção utilitarista e instrumental de currículo. Isto porque é premente nessa concepção que, ao se traçar tipos de competências ou habilidades a serem desenvolvidas, o curso deve prover instrumentos e procedimentos diversos para alcançar tal objetivo.

Acompanhamos Bernardes (2012) em suas observações quando lança o desafio de refletirmos sobre como ressignificar o conceito de competência de modo a não reduzi-lo a uma perspectiva individualista ou cognitivista. Para tanto, o autor explicita duas possibilidades de ressignificação: a competência linguística e a competência ética. A primeira diz respeito às “condições da dialogia, compreendida aqui como uma prática social e em seu potencial de produção da realidade (mais que descritivo)” (BERNARDES, 2012, p. 227).

Aqui, o autor atenta para a consideração dos contextos específicos de cada curso, respeitando sua polifonia e polissemia, além da evitação do uso abusivo das relações de poder e o abandono de posições hierarquizantes, neutras e de metalinguagens na produção da ciência. O centro do conhecimento está na relações entre as pessoas e não na mente de um indivíduo. Desse modo, resgata-se “a raiz da palavra diálogo (dia – entre; logos – conhecimento): o conhecimento que é produzido entre as pessoas” (BERNARDES, 2012, p. 227).

Conforme Bernardes (2012), a segunda competência, a ética, toma como norte o entendimento de que se o conhecimento é produzido na relação entre pessoas, é preciso avançar na maneira de concebê-lo ao longo da formação. Nessa direção, Bernardes (2012) defende que mais do que conceber o conhecimento e suas aplicações a um saber/fazer, é preciso compreendê-lo nas relações do como saber/fazer e para que saber/fazer. Assim, tal competência vincula-se ao contexto concreto em que vivem e se relacionam os sujeitos, bem como às produções pertinentes a tal contexto.

Enfim, dessas reflexões, depreende-se que as competências são aspectos centrais das DCNs e não devem ser negligenciadas, mas também não devem ser assimiladas de forma acrítica pelas graduações. Mais do que uma mera operacionalização para colocar em prática as listagens de competências, é preciso pensar para que servem, a quem servem e como elas podem contribuir na construção de um projeto ético-político. Isso perpassa necessariamente por uma ressignificação das competências e habilidades relevantes ao curso de Psicologia, assim como por uma reflexão crítica sobre suas implicações na formação e desdobramentos no exercício profissional.

Há um tópico no PPC em tela que não é comum em outros projetos, mas é plenamente coerente com o histórico da Unidade que desenhamos anteriormente e que está presente somente na versão em análise: a “Infraestrutura”. Esse tópico, que inexistia no texto da primeira versão do documento em análise, sublinha a importância de uma infraestrutura adequada para que haja uma boa formação profissional. Nesse sentido, há a inserção de um elucidativo quadro com a discriminação da estrutura necessária ao desenvolvimento do curso e o que havia até abril de 2009. Salientamos que após a inauguração do Bloco 2, em 2010, algumas solicitações foram supridas, porém, inquieta a continuidade de demandas tão essenciais ao curso, como a construção de um prédio próprio e adequado ao serviço-escola de Psicologia e a perseverança do improviso em determinados serviços.

é evidente a preocupação com a avaliação do curso, de seu PPC e do projeto de interiorização da UFAL. Isso perpassa a “Introdução” e ganha itens específicos, ao final do documento, chamados “Avaliação do Processo Ensino-Aprendizagem”, que é um tópico também presente no PPC maceioense, e “Avaliação do Projeto Pedagógico”, cuja inserção é pertinente somente à versão de 2009.

Em que pese a importância que a avaliação possui no PPC, o que, inclusive, está incluído nas DCNs (BRASIL, 2014a), as estratégias previstas nunca foram implementadas. Há algumas possíveis explicações para tanto, dentre as quais, ressaltamos duas que são complementares: ausência de uma sistematização do processo de avaliação na UFAL e ausência de incentivo institucional à criação de tal processo. Com efeito, desde os primeiros anos que professores, técnicos e estudantes buscam organizar um evento que sistematize uma avaliação do processo de interiorização da UFAL e dos cursos da Unidade. Na verdade, isso foi feito ao longo do Congresso Acadêmico de 2009, em evento que reuniu toda comunidade acadêmica, com reuniões avaliativas e preenchimento de questionários. O trabalho foi muito profícuo, a maior parte dos estudantes participou e expôs suas apreciações sobre a realidade universitária, mas se pode afirmar que não foi finalizado, pois os dados não foram analisados e tampouco debatidos posteriormente devido à falta de condições de dar prosseguimento às avaliações.

Além disso, a intenção dos organizadores era ampliar essa discussão às demais Unidades e criar um evento maior que avaliasse o Projeto de Interiorização da UFAL. Entretanto, a falta de incentivos institucionais, principalmente quanto aos recursos financeiros e de material, bem como à sobrecarga dos docentes, em especial, considerando aqueles que estavam/estão em processo de qualificação, acarretou na não concretização dessas iniciativas.

De fato, há que se reconhecer que a necessidade de avaliação da interiorização da UFAL e do curso de Psicologia, dentre outros, faz-se tão premente que o assunto circula amplamente nos corredores da Unidade e se avolumam os Trabalhos de Conclusão de Curso, teses e outros trabalhos acadêmicos que consideram alguma dimensão desse tema. Em nossa apreciação, isso é deveras positivo, uma vez que é uma significativa contribuição à constituição de uma cultura de avaliação.

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