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Entre a formação do psicólogo e a expansão universitária: construindo sínteses

4 PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE PSICOLOGIA: AS REPRODUÇÕES E RUPTURAS EM TELA

4.6 Entre a formação do psicólogo e a expansão universitária: construindo sínteses

A análise do PPC foi profícua, especialmente por propiciar a visualização de traços tanto do movimento de expansão universitária, como em relação à profissão do psicólogo, em específico, à sua formação. Assim, o olhar em retrospectiva para os três blocos constituintes do documento conduz-nos a realçar alguns pontos sobressalentes, com a intenção de articular os capítulos da Parte I. Tais pontos demarcam as especificidades do curso em tela, suas qualidades e dificuldades, as principais discussões que o permeiam e as lacunas a serem refletidas. Além disso, a análise sinaliza a constante movimentação da Psicologia, realçada nos tensionamentos entre os modelos de atuação e a formação subjacente a eles, entre os lugares da teoria e da prática, entre a necessidade de expansão universitária e o cuidado com sua qualidade, dentre outros.

Primeiro, a referência a elementos próprios do curso, como o processo de interiorização e a necessidade de infraestrutura, os quais demarcam fortemente sua identidade: um curso no interior, novo, em construção e que desenvolve suas atividades em meio a condições precárias. Não restam dúvidas da relevância do curso diante da realidade alagoana. Como foi discutido, a universidade federal tem um surgimento tardio em Alagoas e mais tardio ainda no interior do Estado. Apesar disso, a possibilidade de trabalhar com jovens de regiões diferentes e de comunidades diversificadas é um importante passo na democratização do ensino superior.

Entretanto, o documento do PPC e a literatura aqui consultada revelam as fragilidades do processo de expansão universitária. Apoiadas em Dias Sobrinho (2010), Lima (2011) e Carvalho (2014), consideramos que é preciso ampliar a ideia de expansão, transcendendo a mera quantificação de vagas e pensar a permanência, a qualidade do ensino e da formação proposta. Essas reflexões perpassam pela revisão da política educacional, especialmente, quanto às suas prioridades em termos de financiamentos e à defesa da educação como um bem público. Esse caminho talvez leve a uma extinção do quadro presente no PPC em que se listou as demandas para o funcionamento do curso e se foram alcançadas ou não.

tradicional, em específico, quando se constata a redução do serviço-escola à prática clínica psicoterápica. Essa ênfase contribui na manutenção do modelo clínico-liberal, problematizado por Mello (2010a), Dimenstein (2000), Cruces (2006), Seixas (2009), dentre outros, e expõe uma das faces mais recorrentes das representações sociais sobre o psicólogo. Ora, desde a regulamentação da profissão que se tem buscado refletir acerca das práticas em Psicologia e a necessidade de conceber esse profissional para além do consultório clínico, estendendo sua atuação e seu compromisso a outros grupos sociais, de forma contextualizada e crítica. Daqui, depreende-se a importância da diversificação das ações do psicólogo, bem como uma profunda reflexão acerca de seu papel social.

Terceiro, há uma significativa desarticulação no PPC em diversas dimensões: ele nasce fragmentado, como expusemos com suas reformulações parciais, e tem disciplinas, assuntos e práticas fragmentados e dispersos (vide a relação entre teoria e prática). Assim, até se tem um avanço com a inserção de determinadas discussões, com a presença de conteúdos críticos e contextualizados com a realidade, mas isso é fragmentado e restrito a algumas disciplinas.

Tratemos, aqui, do perfil profissional. Primeiro, há que se mencionar que o perfil é herança do PPC da UFAL maceioense, o que já pode se desdobrar em problematizações sobre sua pertinência à comunidade acadêmica de Palmeira. Acrescente-se que o perfil sublinha determinados aspectos, que se traduzem parcialmente nas ementas e práticas. Assim, há a recorrência a um perfil formativo que seja crítico, reflexivo e ético, como sublinhado no segundo capítulo, por exemplo, na Carta de Serra Negra (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2014).

Essa recorrência perpassa o Bloco I, quando se explicita o perfil do egresso, mas também se manifesta nos demais blocos, especialmente em disciplinas e na oferta de atividades que visam discutir e proporcionar novas formas de intervenção que transcendam às práticas clássicas. É o caso de discussões acerca das políticas públicas, da inclusão escolar de pessoas com deficiência, da exclusão social, do conceito de saúde, da saúde mental do trabalhador, entre outras, que são muito caras à Psicologia contemporânea, dadas as demandas que o psicólogo vem sendo solicitado a trabalhar.

Embora esse seja um avanço comemorável, deve-se considerar que o desenvolvimento desse perfil é deveras prejudicado por algumas permanências e por outras ausências, como as temáticas referentes à ruralidade e às comunidades tradicionais. Com efeito, não é ignorada a presença nas ementas de enfoques em relação à sociedade brasileira – inclusive, nas

disciplinas do Tronco Inicial -, à ética, ao compromisso social e à formação científica. Mas compreende-se que tais discussões não estão de todo descentralizadas, ficando restritas a algumas disciplinas, enquanto que, em outras, elas passam ao largo.

Assim, avaliamos que tais inserções são fundamentais para atender às pontuações de diversos autores, como Reis e Guareschi (2010) e Alberto (2012) que defendem o rompimento com a ideia de um currículo neutro e a assunção de discussões sociopolíticas na formação. Para tanto, saliente-se a necessidade de um currículo sólido em fundamentos filosóficos, políticos e epistemológicos, mas que evite a dicotomia entre conteúdos e experiências. Resgatamos a fala de Bernardes (2012) em suas reflexões sobre as DCNs para Psicologia quando argumenta que a reformulação curricular não deve se ater às mudanças de conteúdos ou nomenclaturas ou de organização das disciplinas. O autor lança o desafio de ressignificar as competências, ampliando-as com a finalidade de abarcar as competências linguística e ética. Nesse sentindo, não se trata de acumular habilidades e competências individuais, mas de fornecer aos graduandos oportunidades para exercer uma prática social que enfoque a dialogia, a relação entre as pessoas e o conhecimento produzido nessa relação – a competência linguística - e, ao mesmo tempo, que possibilite que esse exercício se materialize – a competência ética.

A fragmentação também pode ser constatada nas relações entre a teoria e a prática, em que esta última se vê formalmente circunscrita aos estágios e a uma única disciplina. Tal condição abre possibilidades de desarticulação entre teoria e prática em vários âmbitos já que não há garantias de que, no planejamento das disciplinas, será enfocada essa relação.

Apesar disso, também vale destacar que as disciplinas e atividades práticas florescem em vários outros campos. Isso pode ser considerado de modo positivo, na medida em que a vivência de campos diversificados de atuação profissional contribuem para uma maior aproximação com outras formas de saber e fazer da Psicologia. Principalmente, se tal diversificação vier acompanhada de questionamentos sobre a reprodução de práticas clínicas tradicionais em contextos institucionais que pouco beneficiam-se dessa reprodução, como foi exposto por Dimenstein e Macedo (2012), que questionam a transposição de práticas de um contexto de atuação para outro e defendem a reinvenção da atuação do psicólogo na saúde pública.

Além do que o PPC prevê a articulação entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão que fortaleçam novos espaços para a prática profissional. Como vimos no terceiro

capítulo, a Unidade tem construído uma característica importante no tocante às práticas extensionistas e de pesquisa. Contudo, há uma precarização dessas experiências, especialmente, no que tange aos recursos para seu desenvolvimento. Em primeiro lugar, as pesquisas são realizadas, mas, em sua maioria, dentro de programas voltados à extensão já que a maior parte dos docentes ainda não possui doutorado e não pode propor projetos nos editais de financiamento. Em segundo lugar, os recursos para extensão resumem-se às bolsas estudantis e aos materiais já existentes na Unidade, como data-shows e notebooks, o que limita as possibilidades de trabalho. Assim, para que a articulação entre ensino, pesquisa e extensão se consolide, é preciso um maior investimento institucional em políticas de incentivo à pesquisa e à extensão no interior.

Ainda, é preciso observar que a (des)estrutura do currículo pode ter implicações na formação. Aqui, está-se tratando da desconexão da matriz curricular, proveniente de revisões parciais do PPC, o que dificulta uma visão total das discussões a respeito da ciência psicológica, além do que propicia a continuidade de enfoques ultrapassados em determinadas áreas, como na disciplina Psicologia da Subjetividade e Processos Psicológicos Básicos. Acrescente-se que a divisão da matriz curricular em troncos, o que é marca do projeto de interiorização da UFAL, provoca uma situação de inflexibilidade, desarticulação e pouca autonomia no curso e dificulta a introdução, nos primeiros períodos, de discussões pertinentes à Psicologia como ciência e profissão.

De fato, tais desconexões na estrutura vinculam-se à possibilidade de uma maior fragmentação nos temas da Psicologia. Talvez elas contribuam para aquela fala de abertura dessa primeira parte, quando a estudante revelava uma visão dicotomizada da graduação, dividida entre social e clínica. Tal fala é provocadora, posto que nos impõe indagações sobre a Psicologia e sua formação. Estaria a formação oferecendo ferramentas epistemológicas e teóricas para refletir sobre a Psicologia em sua complexidade e multiplicidade? Como isso pode ser articulado de modo a construir uma visão crítica e sólida da Psicologia?

Indo além: essa fala provoca pensar as representações sociais sobre o psicólogo e como essas representações são (des)construídas ao longo da formação. O processo formativo de um profissional não envolve a aquisição passiva de conteúdos dispostos no currículo. Na verdade, trata-se mais de uma arena em que saberes de origens diversas entram em embate e, daí, sínteses podem ser produzidas e os conhecimentos podem se movimentar. Temos acordo com Andrade, Carvalho e Roazzi (2003, p. 86) que, ao discutir os dados de uma pesquisa em

que se investigou as representações sociais de aprendizagem construídas pelos professores, afirmam:

Constatou-se que, apropriando-se das informações recebidas em cursos de formação e capacitação […] os professores reconstróem [sic] estas informações a partir de conhecimentos prévios, decompondo os novos conhecimentos e os reorganizando de forma a torná-los possíveis de ser incorporados ao seu referencial.

Destarte, o processo formativo e o PPC que o norteia devem permitir os movimentos dos estudantes na constituição de sua formação profissional, funcionando como um espaço de diálogo entre saberes, que proporcione a movimentação das representações sociais em suas relações com o conhecimento científico. Os capítulos que compõem a próxima parte abordarão a TRS, suas relações com a ciência e as formas de captar tais movimentos.

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