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Brasil – A Universidade tardia

No documento PUC-SP VILMA SILVA LIMA (páginas 41-46)

O ensino superior brasileiro é considerado, na América Latina, um caso peculiar em função, principalmente, de dois fatores: o primeiro diz respeito à alta qualidade de seus cursos, de suas escolas de pós-graduação e de seus programas de pesquisa; o segundo, seu atraso, pois, em outros países da região, as universidades

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surgem entre os séculos XVI e XIX, ao passo que as universidades brasileiras começam a aparecer nos anos 1930 e 1940.

Contudo, os primeiros cursos superiores organizados no Brasil coincidem com a chegada da Família Real ao país, em 1808. Nessa época a política de Portugal era bastante restritiva às colônias no que concerne a questões relativas ao saber. As ordens religiosas eram os núcleos responsáveis pela disseminação do conhecimento e da cultura. Para entender a história das Instituições de ensino superior no Brasil, é importante buscar explicações acerca do tema no final do século XIX, quando três grandes forças políticas da época buscavam soluções para a implantação da Universidade Brasileira.

Segundo Romano (1996), naquela época existia um grupo composto pela igreja, outro pelos civis liberais e um terceiro pelos pensadores positivistas. Havia grandes divergências quanto ao papel da universidade na vida política e social brasileira: a igreja católica via na universidade a possibilidade de aumentar seus quadros intelectuais; os liberais, orientados pelas Revoluções Francesa e Industrial, buscavam uma universidade totalmente desvinculada da igreja; já os positivistas entendiam que os brasileiros precisavam de ensino técnico.

Foi nesse contexto que o governo federal, em 1922, ou seja, cem anos após a emancipação política e trinta e três anos após a substituição da monarquia pela república, no Rio de Janeiro, criou, após junção das escolas politécnicas de medicina e direito, a primeira universidade brasileira, recebida pela sociedade sem grande interesse, visto que se deu para que fosse possível conceder ao Rei da Bélgica um título de Doutor Honoris Causa em função de sua visita ao país.

[...] existia na época, a Universidade do Rio de Janeiro, mas só no papel. Ela foi criada pelo presidente Epitácio Pessoa para, numa demonstração de status cultural, receber o rei Alberto da Bélgica. Mas o rei foi embora, passou poucos dias aqui e a universidade do Rio foi fechada: já tinha cumprido seu papel (Azevedo apud Favero, 1977:30).

O estabelecimento da Universidade do Rio de Janeiro, mesmo que apenas no papel, aguçou alguns questionamentos acerca do tema, possibilitando, à época, o surgimento da Associação Brasileira de Educação, criada em 1924; a formação do Ministério dos Negócios de Educação e Saúde Pública, em 1930; e a movimentação de

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vários educadores e pesquisadores, com posicionamentos diversos, visando a reformas educacionais que atendessem às novas necessidades da sociedade. Neste contexto, em função de todo esse movimento, em 1932, foi apresentado um documento denominado Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que objetivava traçar as diretrizes de uma nova política para a educação nacional em todos os níveis, aspectos e modalidades (Azevedo, 1932).

Diante do atraso com que se configuraram as instituições universitárias no Brasil, consideradas tardias por Schwartzman (2006)18, pois surgiram somente nos

anos 1930 e 1940, o país não participou de movimentos que ocorreram em outros países da região, como afirma o autor citado:

Com isso, o ensino superior brasileiro permaneceu por muito tempo imune ao movimento de ―reforma universitária‖ que, começando em Córdoba, Argentina, em 1918, espalhou-se por muitos países da região – Argentina, Peru, Uruguai, Venezuela, México – e engendrou não só uma mescla peculiar de autonomia e politização da universidade, mas também padrões acadêmicos que deixaram bastante a desejar (Schwartzman, 2006).

Embora houvesse, segundo Romanelli (1996), experiências e tentativas independentes para se organizar universidades em Minas Gerais, São Paulo, Paraná e no Rio de Janeiro, na prática, as instituições educacionais do período configuravam-se como a união de algumas escolas.

Os primeiros embriões para a organização das universidades brasileiras também ocorreram nessa época. Onze anos após a criação da Universidade do Rio de Janeiro – criada para oferecer o título ao Rei Belga - nasceu a primeira legislação que visava a organizar o setor - Decreto 19.851, de 11 de abril de 1931 - que, segundo Schwartzman (2006), tinha como missão controlar os padrões e os tamanhos das profissões e, em função disso, criou controles rígidos de fiscalização. Tanto a legislação quanto as práticas daquele período pressupunham a criação de uma ―universidade modelo‖, a partir da qual as demais seriam criadas.

18 Texto de uma conferência: ―The Flagship University and Development: The Role of Research-

Oriented Universities in Middle-Income and Developing Countries‖, Boston College, June, 2005 e publicado, simultaneamente, como Brazil‘s leading university: between intelligentsia, word standards and social inclusion, em Philip G Altbach and Jorge Balán (ed.) Empires of knowledge and development: the roles of research universities in developing countries (Baltimore, MD: Johns Holpkins University Press, 2006).

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É importante destacar que, ainda que existissem, no país, cursos superiores realizados em instituições que não se caracterizavam como universidade, a primeira instituição de ensino organizada, realmente, de acordo com o Estatuto das Universidades Brasileiras foi a Universidade de São Paulo-USP, criada em 1934. Nela, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras consistia no cérebro do sistema, pois possuía o objetivo de formar professores para o magistério secundário e, além disso, a pesquisa configurava-se, nesse cenário, como suporte que perpassava todo o processo didático pedagógico.

Portanto, 1934, não mais em função do servilismo político brasileiro, mas como resultado da vontade e da luta de intelectuais brasileiros e franceses, nasceu a Universidade de São Paulo, considerada, até hoje, umas das principais instituições de ensino do país. Segundo Schwartzman (2005)19, ―A Universidade de São Paulo é a

principal Universidade de pesquisa e ensino de Pós-Graduação no Brasil, e sua produção acadêmica é comparável à de várias das universidades consideradas de classe internacional.‖

À universidade criada incorporaram-se as escolas superiores e os institutos de pesquisas existentes, entre eles: Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito, Escola Politécnica, Escola Superior de Agricultura, Escola de Farmácia e Odontologia, Medicina Veterinária, Instituto Butantã, Instituto de Pesquisas Tecnológicas.

É evidente que algumas razões explicam o sucesso da empreitada. O primeiro e mais importante talvez seja o fato de o Estado de São Paulo, na época, configurar-se como o mais significativo polo de desenvolvimento econômico do país, visto ser a principal região de plantio e exportação cafeeira; além disso, mais tarde, tornou-se um dinâmico centro industrial. Por outro lado, não se pode esquecer que a elite paulista liderou a frustrada Revolução Constitucionalista. Segundo Schwartzman (2006), a combinação entre riqueza e frustração certamente contribuiu para explicar as ambições e os êxitos dos primeiros anos da Universidade de São Paulo. Um personagem bastante significativo na constituição da USP é Júlio de Mesquita Filho, que descreve as motivações para o empreendimento da seguinte forma:

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Na conferência The Flagship University and Development: The Role of Research-Oriented Universities in Middle-Income and Developing Contries, Boston College, june 2005.

30 Derrotados pela força das armas, sabíamos perfeitamente bem que só pela ciência, e com um esforço contínuo, poderíamos recuperar a hegemonia gozada na federação por várias décadas. Paulistas até os ossos, tínhamos herdado dos nossos antepassados bandeirantes o gosto pelos projetos ambiciosos e a paciência necessária para as grandes realizações. Que monumento maior do que uma universidade poderíamos erigir àqueles que tinham aceito o sacrifício supremo para defender-nos do vandalismo que conspurcara a obra dos nossos maiores, desde as bandeiras até a independência, da Regência até a República? […] Saímos da revolução de 1932 com o sentimento de que o destino tinha colocado São Paulo na mesma situação da Alemanha depois de Jena, do Japão depois do bombardeio pela marinha norte-americana, ou da França depois de Sedan. A história desses países sugeria os remédios para os nossos males. Tínhamos vivido as terríveis aventuras provocadas, de um lado, pela ignorância e incompetência daqueles que antes de 1930 tinham decidido sobre o destino do nosso estado e da nossa nação; de outro, pela vacuidade e a pretensão da revolução de outubro [de 1930]. Quatro anos de contatos estreitos com os líderes das duas facções nos convenceram de que o problema do Brasil era acima de tudo uma questão de cultura. Daí a fundação da nossa universidade, e mais tarde da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Mesquita Filho, 1969 apud Schawartzman, 1991).

Desde a sua concepção, a Universidade de São Paulo foi uma organização globalizada, buscando, nos centros mais avançados, os intelectuais para formar o seu corpo docente. Naquela época, mais do que formar quadros competentes para fazer crescer a economia, tinha-se, com meta, aproximar o Brasil, por meio da ciência e do pensamento, da civilização europeia.

Nos anos 1940 outras universidades públicas e privadas foram formadas com a fusão de faculdades isoladas. Em 1950, registravam-se cerca de 30 universidades em todo o país, como demonstra Romano (1996).

Hoje, no Brasil, coexistem universidades e instituições de ensino superior federais, estaduais, municipais e privadas. Menos de um século depois da criação da primeira Universidade do Brasil (1922), o panorama do ensino universitário no país mudou consideravelmente, com o crescimento vertiginoso do número de instituições de ensino de nível superior, abrangendo, evidentemente, os setores público e privado.

No decorrer do tempo ocorreu uma mudança no perfil da Universidade Brasileira que deixou de ser, majoritariamente, entidade pública para tornar-se privada. Para Cristovam Buarque, ministro da Educação (2003 a 2004),

31 Houve um surpreendente crescimento do setor privado e uma inesperada interiorização da universidade estatal, voltada, na sua luta pela sobrevivência, para a defesa dos próprios interesses. A universidade privatizou-se de duas formas: a predominância das instituições privadas no número total de alunos e a perda de um projeto social nacional por parte das universidades públicas (Buarque, 2003:22).

A universidade, no Brasil, ganhou legitimidade somente na segunda metade do século XX, profissionalizando a intelectualidade, sem, porém, manter vínculos com a vida simbólica e material da sociedade brasileira (Bosi, 1991). Seja pela iniciativa do Estado, seja pela aparente contradição entre ciência e cotidiano, esse ―distanciamento‖, no geral, manteve-se.

No período em que, tardiamente, a universidade consolidava sua presença no país como responsável pela formação dos quadros para a burocracia estatal e elites políticas, a televisão, precocemente, instalava-se no país, participando da vida dos brasileiros e disputando a hegemonia na formação da opinião pública, questão que será aprofundada no capítulo 4, no qual se discutirão temas relativos às tensões que se estabelecem entre o campo televisivo e o universitário.

No documento PUC-SP VILMA SILVA LIMA (páginas 41-46)