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Universidade e televisão – tensões em campo

No documento PUC-SP VILMA SILVA LIMA (páginas 120-125)

Para abordar as questões relativas às tensões existentes entre os campos televisivo e universitário, considera-se adequado utilizar uma afirmação da diretora do Departamento de Tecnologia Educacional da Fundação Roquete Pinto (Leite, 1998), no ano de 1998, quando da realização do I Fórum de Televisões Universitárias. Segundo ela:

No início das TVs educativas, tentou-se reproduzir a escola, através da TV. Pensava-se que bastaria levar a tradicional aula da escola para a televisão que estaria garantida a aprendizagem dos alunos. Seria só colocar o professor na tela (o teleprofessor) dando aula para os alunos que o sucesso se faria presente. [...] Em um segundo momento histórico, já no final dos anos 70 e início dos anos 80, a sociedade vive um período de crítica ideológica aos meios de comunicação de massa, quando o politicamente correto seria ―desligar a TV‖. A televisão era vista como um poderoso meio de massificação e dominação, e tudo que nela aparecia estava implicitamente condenado, principalmente pela academia (Leite, 1998:24 grifo nosso).

Essas palavras permitem uma reflexão, acerca da importância da televisão na sociedade, que possibilita observar que a televisão e a escola, apesar de serem instituições com características diferentes, podem se integrar. Essa argumentação é reiterada por Marcovitch, que diz:

Aproveitar mais a mídia eletrônica é um processo inovador e possível dentro da atual realidade. Temos tratado até agora a escola e a televisão como rivais. Os pais alertam os jovens para diminuírem o seu tempo de televisão para poder estudar. Por que não transformar essa rivalidade em complementação? Como fazer com que o tempo dedicado à televisão, sem prejuízo do lazer que sempre é necessário, também seja útil para o aprendizado? (Marcovitch, 1998: 83).

Se é válida e oportuna a comparação entre TV e Escola, já que ambas mantém alguns pontos de cruzamento, uma vez que cabe às duas a função de informar e educar, é preciso, no entanto, resguardar essas instituições naquilo que lhes é inerente. Tevê e escola configuram-se como realidades distintas uma da outra, seja pela suas origens, seja pelas suas naturezas. Tevê e escola não são perfeitamente complementares, nem se mostram como radicalmente contraditórias. Se o objetivo principal da escola é promover a educação formal, na qual está compreendida também a informação, cabe à tevê, fundamentalmente, propiciar lazer e divertimento ao

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público por meio da informação e, ainda, por que não dizer, por meio de propostas educativas de caráter não-formal. Não se pode esquecer, que "se a escola impõe", "a TV oferece", e que "a escola foi feita para um tempo sem televisão" (Chalvon, 1979).

Ainda que presente nos lares53 de praticamente todos os brasileiros, a televisão tem seu potencial educacional ainda pouco utilizado, de fato, nas instituições de Ensino. A experiência televisiva faz parte do cotidiano de professores e alunos e, apesar dos diferentes papéis que possuem na sociedade, a tevê e a escola têm aproximações, pois, enquanto a tevê detém um grande potencial de comunicação, a escola, embora não centralize mais a transmissão do saber e da cultura como fazia no passado, ainda mantém a função de formação do aluno. Bourdieu (1998) vê, na escola, o ambiente ao qual as crianças chegam com variadas quantidades e qualidades de conhecimento trazidas de casa, além de várias "heranças", como a postura corporal e a habilidade de falar em público. Atualmente, muitos desses conhecimentos são adquiridos no consumo televisivo. São habitus que se estabelecem a partir das relações desenvolvidas como telespectador e que interferem em diversas áreas da vida – moda, cultura, ideologia –, caracterizando um tempo no qual televisão é sinônimo de orientação para o cotidiano, o que acaba por influenciar os percursos formativos desenvolvidos no ambiente escolar.

A escola, enquanto instituição de educação formal, ao longo de sua existência, protagonizou três diferentes papéis: num primeiro momento, o de redentora, responsável por grandes mudanças individuais e sociais; num segundo, o de reprodutora das desigualdades sociais, ou seja, reforço ao status quo, uma espécie de predestinação; e atualmente é vista como dialética, capaz de reproduzir e de transformar (Saviani, 2003). Bourdieu (1998), no entanto, entende que a escola se configura como sendo um espaço de reprodução das estruturas sociais e de transferência de capitais de uma geração para outra, papel que a televisão desempenha em conjunto com as demais instituições contemporâneas.

53 No Brasil, há 162,9 milhões de pessoas que moram em domicílios com televisão colorida —

32,3% a mais do que os 123,2 milhões que estão em domicílio com rede coletora de esgoto ou fossa séptica. Fonte: Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento 24/05/2010

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Segundo Napolitano (2003), desde o século XIX até meados do século XX, a escola foi considerada hegemônica no processo de formação e transmissão de valores, atitudes e conteúdos de conhecimentos básicos. No entanto, esse processo teria sido paulatinamente ―compartilhado‖ com a mídia, especialmente com a televisão, que apresenta uma mescla de interesses ideológicos e comerciais: ―[...] boa parte dos objetivos e dos papéis tradicionais da escola se transferiu para a TV, acirrando a crise da instituição escolar e o questionamento de sua eficácia e lugar nas sociedades de massa contemporâneas‖ (Napolitano (2003:18). Segundo Eco (1970), a televisão, vista como um dos fenômenos de nossa civilização, deve ser estudada a partir de suas manifestações, mas também encorajada nas suas tendências mais válidas. Na perspectiva de Baccega (2000), a televisão faz com que o ambiente escolar deixe de ser um lugar privilegiado, ―[...] sacralizado de acesso à informação e ao conhecimento e passe a ser um espaço onde o ‗aprendente‘ desenvolve a capacidade de inter- relacionar informações construindo e reconstruindo conhecimentos‖ (Baccega, 2000:43).

A televisão proporciona ao cidadão oportunidades sem precedentes de progresso em sua capacidade de registrar, comunicar, pensar, raciocinar, consumir, etc. Num momento em que a educação necessita aperfeiçoar recursos tecnológicos para prender a atenção do aluno da geração imagética, ou geração Y54, a televisão e a universidade têm as condições necessárias para trabalhar de forma colaborativa, utilizando-se da linguagem televisiva para disseminação do conhecimento científico e da cultura universitária, para atender às novas necessidades no campo da educação, criadas pela demanda de novos conhecimentos e, principalmente, pelas mudanças da contemporaneidade, entre as quais se destacam o intenso consumo audiovisual e a circulação de mensagens que relacionam o local e o global, vinculando o cidadão a complexos sistemas de difusão, formas e conteúdos que caracterizam a ―sociedade do espetáculo‖.

54 O conceito de ―geração Y‖ surgiu, nos Estados Unidos, para delimitar as novas características e

hábitos dos jovens que nasceram no final da década de 70 ou início dos anos 80. As gerações anteriores, denominadas baby boom e geração X, são os pais (ou até mesmo avós) dos jovens da geração Y. Tapscott (1999) define a geração Y como sendo a parcela de indivíduos que nasceu entre 1977 e 1997.

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Discutir televisão na universidade não é tarefa fácil; produzir é um desafio ainda maior. Ainda assim muitas instituições de ensino superior têm se lançado na difícil tarefa de tornar público aquilo que a universidade pensa e produz por meio da mídia televisiva. Talvez se possa atribuir às televisões universitárias o que Bourdieu (1997) chamou de meios subversivos. As tevês universitárias estão na contramão da mídia aberta e tradicional, uma vez que não se submetem ao índice de audiência. Para Bourdieu, a televisão não pode ser vista como um meio homogêneo:

[...] há os pequenos, os jovens, os subversivos, os importunos que lutam desesperadamente para introduzir pequenas diferenças nesse enorme mingau homogêneo imposto pelo círculo (vicioso) da informação circulando de maneira circular entre pessoas [...] (Bourdieu, 1997:36)

Nessa passagem o autor refere-se ao jornalista free-lancer. Para Bourdieu esse tipo de profissional, jovem, sem vínculo formal com os órgãos de imprensa, buscaria romper o círculo vicioso ao propor pautas ou interpretações que não atenderiam aos critérios de noticiabilidade da mídia comercial. Segundo Bourdieu tais iniciativas fracassarão em virtude de não atenderem os critérios definidos pelas empresas de comunicação, que, em grande parte, se resumem aos índices de audiência, que balizam o funcionamento da televisão e dos principais meios de comunicação de massa.

A partir dessas considerações, é preciso verificar se a televisão universitária, nas condições atuais dos campos nos quais atua, caracteriza-se como alternativa e propõe habitus que incorporem os potenciais de mudança observados em função das relações e tensões entre os campos televisivo e universitário. A discussão acerca desses temas será retomada no capítulo 4, no qual as relações entre universidade e tevê universitária serão amplamente analisadas.

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Capítulo 3 – Televisão universitária: modos de

fazer

Este capítulo apresenta, também, a partir de uma pesquisa bibliográfica e documental, o estado da arte dos Canais Universitários Brasileiros. Além disso, reflete sobre sua realidade no complexo jogo que se estabelece no cenário no qual dezenas de instituições se aventuram.

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