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CAPÍTULO II – A CONSTRUÇÃO ATORAL NO TEATRO DE RUA

2.2 EXPERIÊNCIAS DE DRAMATURGIA E ATUAÇÃO NA RUA

2.2.2 Bulha dos Assombros

O Menestrel Faze - dô sempre esteve em busca de elementos que pudessem tornar seu trabalho cada vez mais comunicante. Por considerar que o teatro de rua apresenta condições específicas na preparação e desafios para o trabalho do ator o grupo buscou trabalhar em função de um corpo mais expressivo, por este motivo recorreram a técnicas lúdicas, como pernas-de-pau no primeiro espetáculo e a manipulação de bonecos gigantes no segundo trabalho, proporcionando ao ator um maior preparo em termos físicos, e um redimensionamento da sua expressividade.

A linguagem com bonecos na rua foi trabalhada intensamente pelo grupo Gralha Azul, durante o tempo que atuou na cidade de Lages. Em maio de 1998 Márcio Machado em contato com Adeodatho Rodhen (integrante do grupo Gralha Azul) construiu os primeiros bonecos do novo espetáculo do grupo Menestrel Faze-dô: Bulha dos Assombros.

O encontro do Menestrel Faze-dô com Adeodato Rohden, integrante remanescente do Gralha Azul, trouxe para o grupo uma importante contribuição na questão estética. Os bonecos gigantes, elaborados para o espetáculo Bulha dos Assombros foram muito importantes na pesquisa do grupo sobre as possibilidades do ator no espaço da rua.

No período de junho de 1998 a junho de 1999 foram confeccionados por Marcio Machado, Guigui Fernandes, Robson Andrade e com a supervisão de Adeodato Rodhen, alguns bonecos que estariam no novo espetáculo. Surge assim o novo trabalho, que ainda sem seu título e com texto de 15 minutos, foi apresentado em junho de 1999, novamente na Festa Nacional do Pinhão. Nesta ocasião o grupo pesquisou a relação dos bonecos com o público, para dar prosseguimento aos estudos do espetáculo.

Construindo os bonecos, aumentando o número de personagens e iniciando a construção da dramaturgia, inspirados nas obras dos escritores regionalistas como Tito Carvalho, Guido Vilmar Sassi, Edson Ubaldo, Enéas Athanásio, Márcio Camargo Costa e à luz dos conhecimentos do bonequeiro Adeodatho Rodhen, com direção coletiva, pesquisavam o teatro de bonecos para a rua.

Após a estréia do espetáculo Bulha dos Assombros, o grupo viajou com o espetáculo para inúmeras cidades, dentre elas: Santo André/SP (2002), Florianópolis (2005), Presidente Prudente/SP (2005), Brasília/ DF (2005), Curitiba/ PR (2008), dentre outras. Com este trabalho o grupo conquistou também alguns prêmios importantes, como o Prêmio Especial pela Pesquisa com Bonecos Gigantes – No VIII Festival Nacional de Teatro Isnard Azevedo, em Florianópolis/SC no ano 2000.

Como o grupo sempre buscou trabalhar em um processo coletivo a construção dos espetáculos e conseqüentemente da dramaturgia sempre foi uma tarefa desenvolvida por todos os participantes. Trabalhando com jogos e improvisações, criaram o texto. Ou melhor, através da construção das personagens, das ações dos atores, o texto se delineava e assim aos poucos constroem a dramaturgia do espetáculo. O ator é também autor, e o grupo atuante é que constrói o enredo, roteiro, ações, conflitos, falas, e todo o texto, direcionado para a rua. A dramaturgia se define na medida em que consegue tocar o espectador e fazer agir os personagens.

Com Bulha dos Assombros o grupo conquistou alguns prêmios, dentre eles o Prêmio Especial pela Pesquisa com Bonecos Gigantes e a indicação de Melhor Espetáculo de Rua de Teatro no VIII Isnard Azevedo em Florianópolis/SC no ano 2000.

Imagem no 12 – Apresentação do espetáculo Bulha dos Assombros no centro da cidade de Lages

em 2005. Em cena os atores manipuladores Guiguí Fernandes e Gilmar costa, manipulando respectivamente a velha feiticeira e o velho Idino. Acervo do grupo.

Imagem no 13 – Cena do espetáculo Bulha dos Assombros. Ator Márcio Machado.

Apresentação em Santo Amaro da Imperatriz durante a II Mostra de Teatro de Rua – Realizada pelo Grupo Teatro em Trâmite – 2007.

Imagem no 14 – Cena do espetáculo Bulha dos Assombros. Na imagem o ator Fabiano Ribeiro.Lages / SC 2005. Acervo do grupo.

No espetáculo Bulha dos Assombros, a manipulação de bonecos gigantes é o elemento escolhido pelo grupo para a pesquisa sobre a linguagem do teatro de rua. Com este trabalho o grupo prossegue utilizando a roda como o espaço do público e continua, portanto, executando a ação de consagração do lugar, como já citado na análise das imagens do espetáculo Histórias de Amor.

Como podemos perceber nas imagens acima, a roda constitui um espaço em que o público não só vê ao espetáculo, como também vê as outras pessoas do público que compõe esta roda. Então, neste sentido, o público se

vê no outro e se sente assim parte de um todo, que no momento do espetáculo compartilha de uma sensação de comunidade, deste modo, podemos pensar o teatro de rua que utiliza a roda como o espaço para o público, um teatro que

tem como uma de suas funções a reconquista da coesão social. Para Márcio, ator do grupo:

[...] Pelo menos o nosso espetáculo, depende muito do público. Tanto que, dependendo de alguns lugares que acontecem as apresentações, principalmente em centros maiores, em festivais, estão habituados a colocar as apresentações em frente à escadarias, que o público fica mais acomodado. Mas nunca funciona direito. Então a gente sempre está fugindo desses locais. A gente precisa que o público esteja ali ao redor, a qualquer momento alguém vai entrar ou sair pelo meio do público. Em qualquer momento você vai encostar-se a alguém e o público está se olhando. E nesta questão da relação com o público, é isso. Você provoca uma pessoa e ela reage. Todo mundo lá está vendo a reação dela. Que seja sorrir, que seja fechar a cara e você está observando o público o tempo todo, então você está vendo como é que ele está reagindo. Então às vezes uma pessoa que está muito sisudo num canto, que está te analisando muito, às vezes é aquela pessoa que você vai provocar com algum dos jogos para ver como ela vai reagir. De um jeito ou de outro, todo mundo está se observando. Todo mundo tem essa necessidade de se olhar, de se ver. Então às vezes a pessoa está olhando o espetáculo, mas está olhando como é que a pessoa do outro lado está reagindo.31

A troca direta com a platéia citada por Márcio pode ser observada na imagem 12, onde se vê um dos atores arrastando alguém do público para dentro do espetáculo. Esta troca direta com o espectador é uma das marcas do trabalho do Menestrel Faze - dô. Seus espetáculos contam com o público como parte integrante da encenação. Podemos visualizar também na imagem 12 alguns espectadores com objetos cênicos nas mãos, aguardando o momento para a participação, como um senhor de boné, de pé, à direita da foto que segura uma cruz de madeira.

Já na imagem 14, podemos perceber um momento de contemplação do público, que admira a manipulação de um objeto colorido. Por mais que o trabalho do Menestrel proponha um contato direto com a platéia, existem momentos em que o público está em posição de observador. Observador, como podemos constatar no depoimento de Márcio, do espetáculo e também, espectador uns dos outros, uma vez que no formato da roda, todos se vêem.

2.2.3 – Outros Projeto s do Menestr el Faze - O Grupo Menestr el Faze

– dô, em sua prática, realiza além da pesquisa do trabalho de interpretação dos atores e da construção de espetáculos, um trabalho de oficinas. Por um longo tempo, estas oficinas, direcionadas para a comunidade, ocorreram dentro dos espaços do Salão da Capela e Teatro Herbert de Souza, junto ao prédio do antigo Seminário Diocesano da Lages. Espaço este, recém locado pela UNIASSELV - Faculdade Metropolitana de Lages

Durantes aproximadamente dez anos, o Grupo desenvolveu um importante trabalho de ação continuada de desenvolvimento artístico, social e cultural neste local. Mediante acordo com a entidade, o Grupo fez deste espaço sua sede, ateliê e em contrapartida ofereceu oficinas variadas, além de realizar eventos como Mostras de Teatro de Bonecos, Mostra de cinema, Intercâmbio com os outros grupos, dentre outros.

Nas imagens que seguem, podemos constatar a amplitude dos projetos realizados no espaço do Seminário Diocesano e o atendimento dado a população, aproximando-a do universo teatral e proporcionando assim, um maior contato com a arte. Da mesma forma que o Grupo Gralha Azul, a popularização do teatro e das artes é um dos focos de trabalho do Grupo Menestrel Faze – dô.

Imagem n° 15 - Oficina Teatro ministrada por Ilo Krugli - Grupo Vento Forte - SP. Realizada em 2004 no espaço da capela do prédio do antigo seminário Diocesano de Lages.

Image

m n° 16 - Mostra de Cinema –Realizada através de parceria entre o Grupo Menestrel Faze – dô, SESC de Lages e Teatro Herbert de Souza 2006.

Ocupando este espaço, cedido em troca da produção e difusão da arte, o Grupo pôde dar continuidade as suas pesquisas, firmando-se como um agente cultural em meio à população, contribuindo assim para o desenvolvimento e a reflexão sobre questões como arte, educação, cidadania e lazer. Com esta experiência no espaço do Seminário Diocesano, o Grupo pretendeu dar maior acesso a arte para população e por outro lado a aproximação dos artistas à população.

No ano de 2008, em virtude do aluguel do espaço para sediar a Faculdade Metropolitana de Lages, o grupo Menestrel perdeu a possibilidade de utilização do mesmo. Em matéria de jornal veiculada em 21 de janeiro de 2008, podemos observar de que maneira o grupo recebeu esta decisão da entidade:

Além da tristeza de deixar o lugar onde trabalhou por 10 anos, o "Menestrel Faze-dô" vive o drama de estar instalado provisoriamente em duas salas do Centro Comunitário do bairro Petrópolis. Guigui Fernandes, umas das integrantes da companhia, explica que o "Menestrel" mantinha um acordo de comodato para usar o teatro e a capela do prédio do Papa João XXIII. "Era uma parceria de troca. Nós prestávamos trabalhos para o Instituto Vianei e comunidade em geral das redondezas", alega.32

Com a perda deste espaço, o Grupo recebeu o apoio da comunidade e hoje utiliza duas salas da Associação Comunitária do Bairro Petrópolis, para ateliê e local para guardar seu material de trabalho. Também utilizam a sede da Associação para realizar ensaios. Sem dúvidas, a saída do espaço Seminário Diocesano foi marcante na trajetória deste coletivo. Podemos observar a importância do trabalho realizado pelo Menestrel durante os dez anos que ocupou junto à comunidade, através deste trecho de matéria de jornal:

[...] Na tentativa de conseguir uma sede própria, com arena, ateliê, sala para reuniões, banheiros e camarins, o grupo elaborou um abaixo-assinado que pede à prefeitura a doação de um terreno para instalar um Centro Cultural e Artístico para

Lages e Região. O documento já tem 400 assinaturas, que reivindicam um pólo receptor e produtor de arte e cultura.33

Imagem n° 17 - Registro do dia da saída do grupo da sede do Seminário Diocesano para a Associação Comunitária do bairro Petrópolis.

As negociações com a Prefeitura caminham a passos lentos. Mesmo diante do envolvimento da população com os projetos do grupo. Verifico neste ponto que as histórias dos dois grupos estudados nesta dissertação se diferenciam. Enquanto o primeiro grupo (Gralha Azul) trabalhava com total apoio do poder público, o segundo (Menestrel) não encontra espaço para diálogo. O abaixo – assinado, contendo aproximadamente 400 assinaturas, requerendo um espaço para sede do grupo, não surtiu o efeito esperado.

Portanto, como podemos perceber a situação do grupo neste momento foi dramática no tocante a espaço de trabalho. Na imagem acima, pode-se notar a quantidade de material transportado no dia da mudança. Materiais sem

espaço adequado, dificuldade pra realizar as oficinas para a comunidade e o desejo de uma sede própria, esta foi a realidade do grupo durante o ano de 2008.

Atualmente (2009), ainda sediados na sede da Associação Comunitária do Bairro Petrópolis, o grupo segue no árduo trabalho de fazer com que a arte faça parte da vida das pessoas e da cidade. O teatro é o meio de sobrevivência do grupo, em um município onde o valor dado a esta atividade já teve mais apoio, por parte do poder público, mas onde a população ainda reconhece o valor e a importância do desenvolvimento artístico para a melhoria da convivência em sociedade.

Em maio de 2008, trabalhando na sede da Associação Comunitária, o Grupo Menestrel Faze - dô foi contemplado, dentre mais de 680 inscritos de todo o Brasil, com o “Prêmio Avon Cultura de Vida”. Com este prêmio o Grupo realizou o projeto “Circula – dô Regional” onde apresentaram o espetáculo Bulha dos Assombros em diversas cidades do interior serrano, como: São Joaquim, Bom Jardim da Serra, Urubici, Urupema, dentre outros. Contabilizando ao final do projeto quarenta e quatro apresentações. Além das apresentações, o Grupo ainda realizou trinta e três oficinas intituladas "Oficinas do Imaginário Popular Serrano", com alunos de 33 escolas multisseriadas (itinerantes) das localidades rurais atendidas pelo projeto.

A intenção é estimular entre as crianças a percepção da riqueza da cultura popular que as cerca, além de incentivar a pesquisa e o registro desta cultura em conjunto com os professores e as comunidades.34

A ação deste coletivo é fato importante e marcante na história do município de Lages e certamente contribui para uma aproximação com a arte em diversas outras cidades ou lugarejos, onde geralmente a arte produzida e que circula no chamado circuito das artes, dificilmente chega. A percepção do grupo sobre a função que o teatro de rua pode cumprir é ilustrada com a fala de Márcio, durante entrevista concedida a esta pesquisadora:

[...] Essa questão de você conseguir abrir dentro do meio lá de concreto, do meio cotidiano, você conseguir injetar ali, um trabalho artístico, tentar modificar todo aquele espaço... È incrível como um espetáculo, numa praça ou numa rua fechada consegue alterar toda a redondeza, todo o visual. Mesmo antes de o público chegar. Tiveram cidades aí pelo interior, que a gente chegou e não tinha ninguém. Montar o espetáculo ali naquele lugar, fechar a rua... Para as pessoas que passavam de longe olhando, mesmo nós, que olhávamos aquela rua antes e depois, é incrível como tem essa propriedade de transformação. E depois se encontrar naquele lugar com várias pessoas, bem diferentes, que não se encontrariam ali... Dependendo às vezes da cidade que você chega você olha como é algo que nunca aconteceu para as pessoas. Mas é interessante como depois muita gente vem dizer o quanto faz falta aquilo ali. Por que de repente é aquele concreto armado, aquele espaço... São poucos os espaços que são planejados para o convívio, ou para espetáculos... Na realidade não existe. Então, é uma interferência no meio das pessoas. É algo que assim, primeiro elas param por achar algo estranho, ou por terem a impressão de que vai ser algo, pelas cores, pelos bonecos, pelas pernas-de-pau, que vai ser algo interessante. Algo que elas não vêem na televisão, que elas não vêem em qualquer lugar. E que a cidade por si só, não propõe, não oferece. Por mais árvores que tenha um parque, cheio de árvores, de água, de bichos, sabe, essa relação do teatro é algo que humaniza a cidade.35

Além dos dois espetáculos: Histórias de Amor e Bulha dos Assombros, descritos neste capítulo, o Grupo desenvolveu outras montagens. Apesar de serem estes dois os de maior relevância, é pertinente listar aqui os outros trabalhos desenvolvidos pelo grupo, durante sua trajetória, são eles: A História de Lages - (2006/2007), trabalho de contação de história que trata da história de Lages e região através de um avental com figuras animadas; O Homem Só - (2004), trabalho de rua que utiliza princípios de acrobacia, malabares e manipulação de objetos; Vida Severina (2004 /2005), intervenção teatral baseada na obra de João Cabral de Melo Neto Vida e Morte Severina, construída a partir de reciclagem de materiais; Chapeuzinho Vermelho (2005), baseado no conto clássico de Perrault, este trabalho é um musical realizado com fantoches, bonecos de vara e luva; O Grande Circo de Marionetes (2005), espetáculo que explora a linguagem circense e a técnica de marionetes,

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apresenta números clássicos de circo como o equilibrista, o contorcionista e os palhaços; Praga de Mãe (2007), pesquisa sobre o teatro popular de bonecos para a região serrana catarinense, inspirado no teatro de mamulengo do Nordeste com a participação do acordeonista Daltro Vieira; e por fim, Bonecos de Pano (2007), que se constitui de pequenas histórias para crianças com fantoches de pano.