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CAPÍTULO III AS TROCAS E OS ENCONTROS NO ESPAÇO DA RUA

3.3 AS ESTÉTICAS DOS COLETIVOS LAGEANOS – AS TROCAS E OS ENCONTROS

3.3.2 Pontos de afastamento

Dois grupos de teatro de rua que surgem na mesma cidade, com a distância entre eles de quase duas décadas e que apresentam tantas semelhanças, certamente fazem parte de uma mesma história. Porém, levando-se em consideração os diferentes contextos em que se encontram inseridos, é certo que existem além dos pontos de contato, os pontos de divergência, ou de afastamento, na trajetória destes grupos.

Ao ser perguntado sobre as influências do Gralha Azul no trabalho do Menestrel Faze - dô, Márcio Machado42 coloca que:

Nós não conhecemos o Gralha Azul, mas conhecemos as pessoas depois do Gralha. E com certeza tudo que a gente escutou, foi referência para a gente fazer teatro de rua e a querer trabalhar com raiz, com estas questões culturais da região. Então, existem referências boas e referências ruins. Referências a não serem seguidas e outras a serem seguidas.

Com esta fala, Márcio faz alusão a um fato que talvez seja o ponto de maior afastamento entre os dois grupos. Como já descrito neste trabalho, o Grupo Gralha Azul surgiu e foi mantido, de acordo com a pesquisa realizada, através do poder público municipal. Tanto que o período de existência do Grupo Gralha Azul, que de acordo com pesquisa realizada, data de 1978 a 1987, sendo que os anos mais expressivos, ou seja, os anos de sua maior produção foram durante a gestão de Dirceu Carneiro, que ocorreu de 1977 a 1982.

Já o Menestrel prossegue trabalhando desvinculado de qualquer instituição e sobrevive através de prêmios, editais, projetos de circulação, venda de apresentações e etc. Em um depoimento crítico, Márcio reflete sobre este ponto de afastamento na história dos dois grupos:

Por exemplo, a questão com o poder público, de ter sido um grupo atrelado ao poder público, eu acho que é uma referência a não ser seguida. Porque se você se atrela ao poder público,

ele funciona de quatro em quatro anos e sempre tem interesses. Sempre existe toda uma burocracia, uma demora. E todas as vezes que a gente trabalhou com o poder público, sempre foi assim, muito entruncado. Parece que você trabalha quatro anos com o poder público e é um paraíso, você tem a verba, você tem a máquina da prefeitura funcionando à teu favor, mas depois que passa isso... Nosso trabalho vai, além disso, na verdade, vai até quando nós morrermos. Nós não temos um plano, nós temos planos, como de dez em dez anos estar reavaliando como é que está caminhando. Mas isso é algo que está se construindo. Não vai parar daqui a pouco. E o poder público, ele dá um fim, ele dá uma pausa.

[...] Com o Gralha o que realmente culminou foi isso, que quando acabou a administração do Dirceu Carneiro, ele acabou. Alguns dos artistas ainda continuaram [...] E nós não, nós trabalhamos de forma contínua. Muitas coisas que nós pensamos em 1993, ainda são nossas metas até agora. E vão continuar sendo. Mas foi pela relação que eles mantiveram com a cidade, pela qualidade artística, pela reunião de artistas, de pessoas valorosas, que nos identificamos. Nós não conseguimos assistir espetáculos, mas nós encontramos estas pessoas e elas puderam nos dizer como acontecia, de que forma era o processo criativo deles e a relação com a comunidade.

Podemos perceber que Márcio credita influências herdadas do Gralha Azul, mas também pontua diferenças entre os dois grupos. E o principal ponto de fuga entre os dois coletivos, de acordo com Márcio, é o fato do trabalho independente contraposto ao trabalho vinculado com o poder público.

No aspecto poético, é possível dizer que os grupos, apesar de apresentarem algumas semelhanças, guardam também diferenças que se destacam. Como por exemplo, a questão da utilização da figura do diretor, já descrito acima. Enquanto em um grupo esta função é claramente ocupada (Fernando Fierro e Hector Grilo), no outro a mesma função é dividida entre todos do grupo.

Na questão da utilização de recursos para a rua, a pesquisa fundamental do Gralha Azul baseou-se na linguagem de animação para a rua. Enquanto que no caso do Menestrel, utilizam-se diferentes elementos além dos bonecos, como malabares, monociclo e a perna de pau. Este último talvez apareça na trajetória do grupo, como um dos elementos mais fortes com relação à pesquisa de linguagem.

E finalmente, dentro do trabalho relacionado à construção de dramaturgia, ambos se voltaram para a cultura serrana. Porém o Gralha Azul preocupou-se mais com uma perspectiva sócio-política, no sentido de atuar/interferir na realidade do cidadão. Esta maneira de atuação do grupo diz respeito, é claro, ao contexto histórico no qual o grupo estava inserido – momentos finais de um regime militar/ditadura, onde a consciência estética- política tinha que estar em primeiro plano. Enquanto para o Menestrel, o período histórico é o democrático, portanto, a atuação do grupo trabalha sobre outras questões, como por exemplo, a preocupação com a estética, ou com os temas abordados pelas montagens, temas mais lúdicos, que abordam a realidade de modo menos direto.

O orgulho urbano é feito da ibricação entre a cidade real e a cidade imaginada, sonhada pelos seus habitantes e por aqueles que a trazem à luz, detentores do poder e artistas.43

Por fim, podemos concluir que apesar de seus pontos de divergências e além de suas semelhanças, estes dois grupos constituem a história de uma cidade. E têm em comum o fato de promoverem a cultura local, através de suas intervenções na própria cidade e da representação desta região em diferentes lugares, para diferentes públicos.

43LE GOFF, Jacques (1998:119)