• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – A CONSTRUÇÃO ATORAL NO TEATRO DE RUA

2.1 A TRAJETÓRIA DO GRUPO MENESTREL FAZE-DÔ

2.1.1 Os quatro menestréis a procura de um caminho

O ano de 1996 é significativo para a história do teatro em Lages. Neste período, ocorreu na cidade o processo de uma montagem teatral que reuniu atores de diferentes grupos. O fato decorreu de uma iniciativa da Prefeitura Municipal, através da Fundação Cultural de Lages que contratou o diretor itajaiense Lourival Andrade, para a montagem de um espetáculo que, aproveitando os ‘talentos’ locais, construísse um espetáculo que representasse o município de Lages. No material pesquisado, não foram encontradas maiores informações sobre os reais motivos que levaram o poder público municipal a investir novamente na arte dramática. Mas, de acordo com os depoimentos colhidos esta experiência não guardou nenhuma semelhança com a ocorrida na década de 1970.

18 Idem.

Em todas as entrevistas que foram realizadas para este capítulo, foi unânime entre todos os entrevistados a menção ao fato desta montagem como algo marcante nas suas trajetórias. Uma experiência que reuniu diferentes atores, de distintos grupos, na montagem de um grande espetáculo que representaria a cidade: O Milagre do Mercado Velho. A idéia parecia ser muito boa, porque tinha um diretor experiente, premiado em vários festivais e ia montar um texto que era muito bom, de Osvaldo Dragun19 e iria trabalhar com

várias pessoas atuantes na cidade, de vários grupos.20 De acordo com Márcio,

houve um processo de “seleção-natural” para a escolha dos atores que participariam da montagem. Ele relembra que todos os candidatos receberam, na parte da manhã, um texto de Macbeth, que deveria ser decorado para o teste que ocorreria à noite. Porém, no período noturno, apenas nove pessoas compareceram ao teste, e foram estas nove pessoas, que trabalhavam vinculadas ao SESC, que compuseram o primeiro elenco de O Milagre do Mercado Velho. Entre estas pessoas estavam Guiguí Fernandes e Robson Andrade, além de Márcio Machado, três pessoas que posteriormente dariam continuidade para a história do grupo Menestrel Faze-dô.

Durante o período que durou os ensaios de O Milagre do Mercado Velho, a experiência de estudos à cerca da arte teatral, iniciada por aquele grupo que já formava o gérmen do grupo Menestrel Faze-dô continuou paralelamente à nova experiência de montagem na qual estavam envolvidos. Já o grupo Dragões de Dragún, nome dado ao coletivo que participava da montagem de O Milagre do Mercado Velho, não foi tão bem sucedido quanto se esperava. Logo desavenças e diferenças de opinião acabaram por fragilizar o grupo. Além disso, a dificuldade de trabalhar com um diretor que não residia na cidade e a falta de recursos financeiros para tocar o trabalho, foram pontos cruciais para o desmantelamento do grupo. Márcio aponta algumas razões para o fracasso desta iniciativa:

[...] o processo foi legal, foi interessante... Mas tinha a mão do poder público e ela queria que se montasse algo para

19 Osvaldo Dragun, nasceu em Colonia Berro, Entre Rios, Argentina, em 7 de maio de 1929 em uma família judaica de imigrantes. Com o texto Milagre do Mercado Velho recebeu o prêmio Casa das Américas, em 1962. O dramaturgo argentino faleceu em junho de 1999, com 70 anos.

apresentar na Festa do Pinhão, na Mostra de Arte e Cultura. Queria que colocasse o nome como se ela estivesse incentivando a arte. Só que com o passar do tempo, o Lourival só vinha no final de semana para trabalhar. Precisava de mais... Precisava de algo mais. Nós montamos personagens e eles começaram a ficar daquele jeito, cada um era dono de seu personagem e se tivesse que desenvolver cada um que fizesse sua parte... Mas o contexto, a encenação toda, o jogo, não tinha mais. Daí começou um processo que foi parar durante um tempo, porque não tinha mais condições, ele não podia vir regularmente [...]21

Depois desta primeira fase do trabalho, frustrante para muitos dos atores envolvidos no projeto, pois o apoio prometido pela prefeitura, segundo depoimentos, não passava de propaganda e a questão de trabalhar com um diretor de outra cidade acabou se tornando problemático, surgiu à possibilidade de uma apresentação na Mostra de Arte Latino Americana, que ocorria junto à Festa Nacional do Pinhão22. O grupo Dragões de Dragún retomou então os ensaios do espetáculo, porém neste ínterim algumas pessoas saíram do grupo, como por exemplo, a atriz Guiguí Fernandes, que em entrevista concedida para esta pesquisa relata que a experiência foi em parte frustrante. Em parte, segundo ela, pois, desta experiência também surgiu à necessidade de se desvincular do poder público e criar e produzir a qualquer custo. De acordo com a entrevistada, neste ponto se inicia uma história nova no teatro de Lages.23

Mesmo com a saída de alguns participantes o grupo Dragões de Dragún retoma o trabalho e novos integrantes passam a integrar o grupo substituindo àqueles que deixaram o processo. Dentre eles se encontra Sérgio Gregório, que virá a fazer parte do Menestrel Faze-dô, pouco tempo depois.

Segundo Márcio Machado, O Milagre do Marcado Velho durou mais algum tempo, até meados de 1995, quando, como relembra o artista:

De fato se viu que não havia mais condições de continuar, algumas pessoas queriam continuar, mas outras não queriam. Nós, pelo menos, não tínhamos interesse em continuar se

21 Márcio Machado entrevista Op. Cit.

22Evento que começou no início da década de 1980 como uma mostra do campo, denominada Festa do Interior, atualmente é uma festa nacional que atrai a Lages todos os anos mais de 300 mil pessoas. Hoje o evento movimenta todo o setor econômico da Serra Catarinense. 23 Guiguí Fernandes entrevista realizada por Loren Fischer em julho de 2008.

fosse daquele jeito, sair por aí, fazendo propaganda da prefeitura de Lages, de graça, trabalhando de graça para o poder público.24

Quando o entrevistado se refere a nós, está falando de sua pessoa, de Guiguí Fernandes, que já participava do grupo de estudos anterior ao Dragões de Dragún e também de Sérgio Gregório e Robson Andrade, que durante o processo de O Milagre do Mercado Velho se aproximaram de Márcio e Guiguí e passaram a compartilhar um outro projeto de teatro, a formação de um outro tipo de coletivo e de uma outra maneira de fazer arte, que dialogava com os primeiros anseios que levaram um grupo de atores para um caminho de pesquisa de linguagem.