• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III AS TROCAS E OS ENCONTROS NO ESPAÇO DA RUA

3.1 O IMAGINÁRIO URBANO E SUA INTERLOCUÇÃO COM O ESPETÁCULO DE RUA

3.1.2 As vozes da rua e o espetáculo de rua

As funções essenciais de uma cidade são a troca, a informação, a vida cultural e o poder. (Le goff,1998:29).

Acompanhei uma apresentação do espetáculo Bulha dos Assombros, do grupo Menestrel Faze – dô em um bairro da cidade de Lages, em julho de 2008. Nesta ocasião, ao término da apresentação, colhi alguns depoimentos do público, a fim de utilizá-los como material para este capítulo da pesquisa. Os entrevistados foram quatro (04) homens e oito (08) mulheres na faixa etária de 20 a 59 anos de idade.

Nas falas que seguem, podemos identificar a questão do imaginário e a relação com o espetáculo apresentado, através de diferentes trocas, como se explicitam nos depoimentos. O espetáculo apresentado despertou no público sentimentos como, o retorno a memórias de infância, o sentimento do resgate e

valorização da cultura local e a identidade lageana. Além disso, revela-se através da fala dos entrevistados, a oposição entre o trabalho e o lazer, o despertar de um prazer estético inaugurado através da experiência teatral vivenciada. Podemos analisar tais depoimentos e afirmar que estas pessoas falam do que sente falta, do ausente, do que está se perdendo, ou seja, do sentimento de comunidade, de compartilhamento e de identificação, de pessoa para pessoa.

Seguem alguns depoimentos:

Eu gostei do teatro, estava bem incentivante, as crianças principalmente meu filho que gostou, ele estava ali bem emocionado. E eu adorei, incentiva as crianças para gostar da cultura daqui de Lages. Que é difícil a gente ir ver, né. Não sai pra ir ver o teatro, é difícil. Simone, 34 anos.

Muito lindo, gostei muito. Ainda nunca tinha visto teatro, mas eu gostei. Zilma, 39 anos.

A apresentação foi muito bonita, gostei. Desejo que vocês continuem apresentando mais vezes isso aí, porque agrada o público, a criançada, os velhos os novos, todos. Norberto, 58 anos.

Gostei muito do teatro, foi bem divertido, deu pra dar umas risadas bem gostosas. E acho que as crianças também gostaram muito. Até minha netinha tava ali com muito medo, de repente virou numa gargalhada e ainda vai a mulher lá e puxa ela pela perna. Daí eu pensei, agora ela perdeu o medo. Eu nunca tinha visto teatro assim, bem desse jeito, a gente já assistiu uns outros. Mas eu gostei. Nair Andrade, a minha idade... fica chato né...deixa assim, só o nome.

Achei a apresentação muito bonita, a nossa cultura aqui da serra é bem valorizada, achei legal, gostei mesmo, parabéns para o grupo que se apresentou e espero que eles se apresentem mais aqui. Márcio 28 anos

Achei muito legal que eles valorizam a cultura, eles passam além da parte do teatro a valorização do ser humano, isso que é importante e pra gente resgatar a cultura, as raízes locais e valorizar dando continuidade às tradições. Karine, 28 anos.

A apresentação foi muito bonita, o espetáculo, acredito que seja de nível profissional, esse pessoal acho que faz tempo que faz esse teatro e passou uma mensagem legal. Contos de antigamente, de lobisomem, de cemitério. Sempre vai ter um conteúdo a mais, as pessoas sempre lembram de vários fatos que ocorreram nessa época assim. Então faz a gente voltar ao passado esse teatro. Clenílson, 30 anos

Achei bom. Bom mesmo. É a primeira vez que eu vejo teatro e achei bonito. Tinha que ter mais coisa desse tipo, né. Muito bom.

Maria, 42 anos.

Tava bom, eu já tinha visto teatro, mas faz muito tempo sabe. Agora tenho sempre que trabalhar e essa oportunidade foi bom. Muito bom. Bastião, 46 anos.

Achei bem legal, eu já tinha visto teatro. Todas as apresentações deles são legais. É bom quando vem pro bairro, incentiva o pessoal. Não dá pra ir lá, pelo menos eles trazem até aqui, né a vantagem é essa. Bem legal, bem aproveitativo. Solange, 46 anos.

Gostei muito. Eu já tinha visto teatro, mas outros. Eu gostei desse por causa dos movimentos, das coisas que eles fizeram. Apresentaram-se muito bem. Ivanilda, 56 anos

Eu gostei muito do teatro porque devolve a gente pro tempo da infância, ver aqueles bonecos, aquelas histórias, resgata a cultura, principalmente do gaucho, aqueles ditados, eu gostei. Me transportou assim, pra minha infância. Que a minha família, morava assim, tudo no sítio, então eu me criei com os meus avós falando esses ditados, essas coisa engraçada. Eu já tinha visto teatro, uma vez eu fui, no cine Marajoara, mas eu sou apaixonada pelo teatro Não tenho muito tempo né, mas eu gosto. Admiro quem faz teatro. Edinara, 47 anos.

Através dos depoimentos acima citados identifica-se a relação que estes sujeitos/indivíduos/ agentes sociais mantêm com o objeto cultural (teatro), se apropriando dele, interagindo e convivendo com outras pessoas. Para Le Goff (1998) o orgulho urbano é feito da imbricação entre a cidade real e a cidade imaginada, sonhada pelos seus habitantes e por aqueles que a trazem à luz, detentores do poder e artistas. As entrevistas também nos remetem ao pensamento de Lucian Boia, já citado acima, onde coloca que as mulheres e os homens encontram maneiras de escapulir, mesmo que de modo breve, de seu

cotidiano, residindo aí a importância da festa, dos encontros, do teatro de rua, pois ele rompe com o cotidiano, com o regrado, possibilita uma fuga para o sonho, para o desejo de um dia a dia mais harmonioso, rico e compartilhado.

O conceito de imaginário implica por tudo o que foi colocado acima, a construção de sentido, e pode ser expresso por “palavras/discursos/sons, por imagens, coisas, materialidades e por práticas, ritos, performances. O imaginário comporta crenças, mitos, ideologias, conceitos, valores, é construtor de identidades e exclusões, hierarquiza, divide, aponta semelhanças e diferenças no social. (Pesavento, 2003). Pode-se perceber nas falas dos entrevistados que estes tratam de uma identidade, ressaltando a importância do resgate da cultura, dos referencias da cidade de Lages. É isso que significa a fala de Simone, 34 anos, quando afirma: “E eu adorei, incentiva as crianças para gostar da cultura daqui de Lages”. Ou nas palavras de Márcio, 28 anos: “a nossa cultura aqui da serra é bem valorizada”. Ou ainda com a fala de Karine, 28 anos, que também reafirma o acima colocado: “eles valorizam a cultura, [...] isso que é importante e pra gente resgatar a cultura, as raízes locais e valorizar dando continuidade às tradições”. As três falas recolocam o imaginário tribal e comunitário através do referencial cultural. Com isso, creditam as três falas ao teatro o poder de auxiliar na restauração de uma identidade que pode estar sendo perdida. E nesse elemento mágico reside para eles a importância do trabalho que assistiram, e, percebem, que este fator pode ser um desencadeador de preservação das tradições culturais de uma região. Portanto, a problemática de buscar uma identidade, de não perder o que já se teve, é muito presente nas falas dos jovens acima, o que permite pensar o quanto ainda esta problemática esta pulsando entre eles.

Com bastante ênfase aparece nas falas acima, especialmente nas pessoas acima de 40 anos, um desejo de poder apreciar o teatro, de ter tempo para o lazer, e ao mesmo tempo estar impedido de ser atendido neste desejo pelas dificuldades do dia-a-dia, pelo trabalho, pela distância. Este desejo transparece na fala de Maria, 42 anos, “Achei bom. Bom mesmo. É a primeira vez que eu vejo teatro e achei bonito. Tinha que ter mais coisa desse tipo”. Ou nas palavras de Bastião, 46 anos: “Tava bom, eu já tinha visto teatro, mas faz muito tempo sabe. Agora tenho sempre que trabalhar e essa oportunidade [...] foi bom. Muito bom”. Ou ainda em Solange, 46 anos: “É bom quando vem pro

bairro, incentiva o pessoal. Não dá pra ir lá, pelo menos eles trazem até aqui”. O lazer e a obrigação como embates no dia-a-dia, não deixando espaço para poder apreciar a beleza.

Guénoun (2003) continuando suas indagações sobre a natureza específica do teatro questiona: O público se reúne. É para ver. Questão subseqüente: o que é que ele vem ver? O que é que o teatro lhe mostra? Para este autor, o público quer ver e o teatro deve trabalhar no sentido de produzir algo visível a partir das palavras. E este invisível entendido como o imaginário que percorre o trabalho apresentado, nem sempre de modo consciente para ambas as partes – espectadores e o elenco -. Com essa discussão o autor pretende lançar luzes sobre o encontro entre seus atores e o público que os assiste. É isto que o público vem ver no teatro, a passagem do texto para os corpos. Para Guenóun (2003) a encenação é a passagem entre dois domínios, do lingüístico para o visual. E neste caso, o público, que vê também se identifica e dialoga com a cena, através do imaginário, que é um campo compartilhado.