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Código Civil de 1916: adoção restrita, estímulo à “circulação” de crianças e foco na prática da institucionalização

CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA: O DIREITO PELO AVESSO A engenharia construída com o sistema de proteção e assistência, sobretudo,

1.1 Código Civil de 1916: adoção restrita, estímulo à “circulação” de crianças e foco na prática da institucionalização

O capítulo V do Código Civil (CC) de 191619 dispunha sobre adoção nos artigos 368 a 378 que tratavam em geral: da idade (acima de 50 anos e sem prole), do estado civil dos adotantes (somente os casados podiam adotar), dos consentimentos necessários, das possibilidades de dissolução da adoção (sendo uma delas “quando o adotado cometer ingratidão contra o adotante”), do parentesco resultante da adoção, da sucessão hereditária dos adotantes e do parentesco, que não era extinto com a família natural do adotando. Tratava-se, portanto, de uma medida restritiva também para os adultos, utilizada como tardia alternativa de tornar pai e mãe o casal que não podia ter filhos biológicos.

Segundo Marcílio (1998) no Brasil colonial e durante o Império, a maioria das crianças abandonadas eram acolhidas por famílias, sendo bem difundido e valorizado o sistema informal de filhos de criação, pois na verdade eles significavam mão de obra gratuita, ajudando nos trabalhos domésticos e na roça. Assim, aqueles que não podiam comprar escravos tinham uma forma de obter uma ajuda.

18 SILVEIRA (2003), GUEIROS (2007), GOES (2014) e BARBOSA (2013) – assistentes sociais- resgatam em suas dissertações, dentre outras questões - as particularidades históricas que revelam a perspectiva adultocêntrica desse instituto.

O CC de 1916, em vários artigos, tratava da guarda ou tutela de menores, órfãos que possuíam bens, indicando que a lei se preocupava em regular as situações relacionadas a bens e posses, portanto, direcionada a determinada classe social. Apenas o artigo 412 se limitava a indicar a nomeação, pelo juiz, de tutor à criança abandonada, sendo esta entregue a “estabelecimento público” ou a pessoas que “voluntária e gratuitamente, se encarregarem de sua criação”, reproduzindo a lógica posta na sociedade brasileira de institucionalização das crianças e dos adolescentes das camadas populares e do apelo à solidariedade.

Sabemos que a prática da institucionalização de crianças iniciou-se com a colonização do Brasil quando, então, os curumins eram separados de suas famílias e tribos e enviados para a Casa dos Muchachos, com o intuito de serem catequizados pelos jesuítas, por serem almas menos duras que os índios adultos (MARICONDI: 1997).

Como metrópole que recebeu intenso fluxo de imigrantes no século XIX, em São Paulo foram criados inúmeros internatos seculares. No século 20 foram criadas várias unidades da Fundação Estadual do Bem Estar do Menor – FEBEM destinadas ao atendimento dos “carentes e abandonados” que, por sua vez, foram desmontadas no fim da década de 1990. A imagem a seguir ilustra a escolha histórica pela institucionalização de crianças e adolescentes na cidade de São Paulo.

Imagem 2: Foto do Asylo dos Expostos (que se tornou posteriormente Unidade Sampaio Viana da Febem- SP), São Paulo, 1919, publicada na Revista Cigarra.

Observamos na imagem muitos meninos e meninas, “rapazes e moças”, abrangendo uma faixa etária ampliada, destacando-se, porém a ausência de bebês20, atendendo alguns princípios do ECA que, em 2015, são desrespeitados em várias instituições de acolhimento, até mesmo no estado de São Paulo.21

A foto publicada em 1919 fora tirada antes da epidemia de gripe que a matéria se referia, com o objetivo de divulgar a campanha de angariação de fundos para a instituição. Quais as consequências da epidemia que teriam motivado a campanha e a matéria? Quantos

20 Questão que pode ser compreendida ao abordarmos o Código de Menores Mello Mattos de 1927.

21 Para conhecer o processo de reordenamento nos abrigos da cidade de São Paulo, ocorrido desde a década de 1990, sugerimos consultar o relatório “Por uma política de abrigos em defesa de direitos das crianças e dos adolescentes na cidade de São Paulo”. Em relação à cidade de São Paulo, por exigência do CMDCA –SP, dentre outras instituições com papel de supervisão e fiscalização, os abrigos que atendiam apenas a um dos sexos, passou a receber ambos para preservar o convívio entre irmãos. Algumas instituições adaptaram o imóvel, mantendo, ás vezes, uma explícita separação, além daquela de dormitórios, o que continua violando tal convívio. Superamos importantes desafios para o convívio entre ampla faixa etária, mas há alguns abrigos com atendimento exclusivo de bebês, o que é defendido por alguns profissionais.

grupos de irmãos existiam entre a centena de crianças e adolescentes que aí aparecem? Quais as histórias dessas crianças, adolescentes e de suas famílias? Haveria algum contato dos abrigados com suas famílias? Há quanto tempo viviam a institucionalização?22

Mesmo depois de decretado o fim do sistema da Roda dos Expostos com a promulgação do Código Mello Mattos em 1927, o modelo que se seguiu – fortalecido pelas ideias higienistas da época23 – enfatizou a institucionalização e, portanto, o alijamento do convívio com a família e a comunidade de origem, legando-nos um vazio no que se refere ao trabalho social com famílias.

Marcílio (1998) destaca três fases distintas da assistência à infância abandonada brasileira. A mais longa foi a Fase Caritativa que se prolongou até meados do século XIX, marcada principalmente pelo sentimento de caridade e fraternidade humana através da inspiração religiosa e uma prática social paternalista e imediatista. Nessa fase, o atendimento às crianças abandonadas se deu pela via informal (filhos de criação) e pela via formal através da assistência das Câmaras Municipais e da Roda dos Expostos.

A segunda identificada como Fase da Filantropia, ao seu ver, se estendeu até meados do século XX, demarcada por profundas transformações sociais com a industrialização, urbanização e crescimento demográfico e a instalação do ideário da modernidade. Nesse período também ocorreram a abolição da escravatura (1888), a queda da Monarquia e do monopólio religioso da assistência social, redundando em profundas mudanças no que diz respeito às políticas públicas sociais.

Médicos higienistas e juristas abrem o debate sobre a moralidade das Rodas, posicionando- se a favor de sua extinção e da adoção de novas formas de assistência à infância abandonada.

O Código de Menores – primeiro conjunto de leis estabelecido no Brasil para as crianças (em 1927) – visava diretamente o controle da infância e adolescência abandonadas e delinquentes.

22 Quantas questões essa imagem nos suscitou... Em 1980-1981 todos os sábados utilizamos essa mesma escada para desenvolver o trabalho como voluntária de um dos berçários “B12”que comportava quarenta crianças de zero a um ano. O foco do “voluntariado” era a estimulação e a atenção individualizada aos bebês. 23A tese “Controle e repressão em uma sociedade de classes: estudo da institucionalização e do processo educativo de dois abrigos infantis em Bragança Paulista” de Monica Nardy Marzagão Silva (2009) explora o exercício do controle social por meio da perspectiva médico-higienista-profilática.

1.2 Código de Menores Mello Mattos (1927): o foco nos cuidados por nutrizes, na

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