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O posicionamento contrário ao PLNA 1756-2003 por parte de organização de apoio à adoção

REGISTRO DA TRAMITAÇÃO PLENARIO E SENADO PL 6222-2005 2008 e

3.3 O posicionamento contrário ao PLNA 1756-2003 por parte de organização de apoio à adoção

Por isso, o Instituto Amigos de Lucas entende que a adoção é uma exceção. A nosso ver, é temerário falar sobre uma lei que trate da adoção, visto que ainda não conseguimos colocar em prática o Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre a manutenção da criança na família de origem e a abrigagem como medida de proteção excepcional e provisória, que deveria ser um recurso amplamente utilizado. (Maria Helena Martinho, presidente do Instituto Amigos de Lucas - RS, EVENTO: Audiência Pública N°: 0380/05 DATA: 13/4/2005)

A audiência publica de 13.04.2005 que, contou com a participação de duas convidadas representantes de grupo de apoio à adoção e também por membro da comissão responsável

pela elaboração do PNCFC, foi impactante devido ao posicionamento crítico em relação ao PLNA com embasamento racional ancorado nos dados da pesquisa do IPEA que fora divulgado.

Helena Martinho representou o Instituto Amigos de Lucas que apesar de ter sua origem pautada nas ações relacionadas à adoção, ao compreender que a anteriormente ao abandono da criança havia uma família abandonada pelo Poder Público, ampliou sua missão institucional:

O Instituto Amigos de Lucas começou com o Grupo de Apoio à Adoção, mas logo percebemos que era impossível falar em adoção sem falar em abandono. O abandono pode ser prevenido, evitado; basta trabalhar pela garantia de direitos. Não é preciso inventar novos direitos porque eles já estão previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente.

(...)

Por isso, o Instituto Amigos de Lucas entende que a adoção é uma exceção. A nosso ver, é temerário falar sobre uma lei que trate da adoção, visto que ainda não conseguimos colocar em prática o Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre a manutenção da criança na família de origem e a abrigagem como medida de proteção excepcional e provisória, que deveria ser um recurso amplamente utilizado. (Maria Helena Martinho, presidente do Instituto Amigos de Lucas - RS, EVENTO: Audiência Pública N°: 0380/05 DATA: 13/4/2005) Partindo dos dados sistematizados pela pesquisa do IPEA nos serviços de acolhimento que indicavam que a maioria das crianças estava fora do perfil desejado pelos adotantes e tinha família em condições de vida precárias, Maria Helena afirmou que se aprovado, o PL não atenderia suas necessidades:

Segundo dados do IPEA — divulgados hoje pela manhã e publicados nesse livro —, de 20 mil crianças pesquisadas 24,1% foram abrigadas em razão da situação de pobreza; apenas 10% estão em condições de ser adotadas; 52% estão num abrigo há mais de 2 anos, abrigo transitório e emergencial; 54% não têm processo na Justiça, são filhos de ninguém, são filhos do Estado; 61% têm entre 7 e 15 anos, ou seja, não têm o perfil de uma criança adotada. Para essas crianças, também não serviria essa lei. No nosso entendimento, para essas crianças, brasileiras o importante é a implementação dessa lei (o ECA).

A Lei da Adoção, da forma como está no projeto, não beneficia crianças mais velhas, grupos de irmãos, negros, portadores de deficiência — e 63% dessas crianças pesquisadas pelo IPEA são afrodescendentes.

(...)Iniciamos em Porto Alegre um projeto em parceria com o UNICEF, que tem como objetivo resgatar o pertencimento familiar e efetivar o desabrigamento. Nos próximos meses, junto com o Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, vamos fazer um mutirão jurídico, pelo qual serão organizados os processos e buscadas as famílias de cerca de 500 crianças abrigadas no Município de Porto Alegre. Este é um grande desafio. A ideia é levar essas crianças, a grande maioria, para casa, já que pelos próprios dados do IPEA 86% das crianças abrigadas têm família. (ibid)

E Maria Helena ainda se posicionou de forma crítica sobre a adoção internacional, ponderando que teria que ser revista a abrigagem e não a adoção.

Temos ainda muitos questionamentos em relação ao projeto de lei de adoção, principalmente no que diz respeito à adoção internacional, mormente vinda de países que não ratificaram a Convenção de Haia. Tememos muito por isso. Causa- nos incômodo pensar que o Brasil é país com a mais avançada lei da criança e do adolescente na América Latina, mas que ainda não conseguiu implementá- la e, pior, aceita que mandem seus pequenos cidadãos para outros países. No nosso entendimento, adoção é exceção; o que precisamos rever é a abrigagem, para garantir de fato a convivência familiar e comunitária. (ibid)

Nessa mesma audiência, Vera Lucia Alves Cardoso, representando o Grupo de Apoio à Adoção de Goiânia, apesar de naquela data “não ter uma posição fechada em relação ao PLNA como um todo”, manifestou-se claramente contrária ao subsídio para adoção e ressaltou, inclusive, a contradição diante da não prioridade das famílias de crianças acolhidas nos programas sociais (conforme grifos nossos).

Subsídio para mim não é solução. Não concordo com isso, não é uma política pública adequada. Programas compensatórios criados pelo Governo gradativamente estão melhorando de qualidade, à custa de muita luta. Cito como exemplo do Programa Bolsa-Família.

Parece que a adoção é a grande solução. Não é. Não para todas as crianças. Não podemos assumir este risco.

É importante lutar, como tenho feito em Goiânia. Por que a criança que está em risco de abrigamento ou está abrigada não tem uma cota no Programa Bolsa- Família ou, no caso do Governo do Estado, no Programa Renda Cidadã, se a família está desestruturada, se precisa de apoio financeiro? Por que não lhe é dada prioridade no ingresso a programas sociais de Governo, como o Salário Escola, Bolsa-Família, Renda Cidadã etc? (Vera Lúcia Alves Cardoso, Grupo de Adoção de Goiânia, Audiência Pública N°: 0380/05 DATA: 13/4/2005)

Ao final dessa audiência pública, Luiza Erundina fez uma ponderação que resume a tramitação do PLNA 1756-2003 até a promulgação da Lei 12.010- 2009 como “chover no molhado”:

Sra. Presidenta, sei da pressa de V.Exa., mas acho que fica um ponto para se responder. Pelas brilhantes intervenções que ouvi — lamentavelmente, perdi a primeira parte, mas a segunda me deixou muito impressionada —, faço a seguinte indagação: há ou não há necessidade desse projeto de lei? Acho que isso tem de ser respondido. Concordo em que houve ricos debates, troca de informações fantásticas. Por si só, esse projeto de lei já se justificaria, mas acho que temos de responder a essa indagação. Há ou não há necessidade de um projeto de lei para regular a questão? Segundo as intervenções aqui e em outros locais em que o tema foi debatido, isso já estaria respondido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, restando, evidentemente, a necessidade de se regulamentar a adoção internacional.

Acho que se essa é uma tese já respondida, temos de definir se vamos ou não até o fim para votar esse parecer do projeto de lei, ou se vamos pensar numa regulamentação sobre adoção internacional e não insistir numa discussão já muito clara, pelo menos para mim. Seria chover no molhado, com riscos de enchentes, se se insistisse numa certa direção, quando o marco regulatório já está dado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. (Deputada Luiza Erundina - Audiência Pública N°: 0380/05 DATA: 13/4/2005)

Embora nessa fase talvez já estivesse mais claro, especialmente para a presidente da comissão, que dar andamento ao PLNA seria um equívoco, foi essa a escolha feita.

O diálogo ocorrido às vésperas da votação do PL, em 12.12.2006, deu indicativos de que a essência do que era para ser consensuado ainda estava sendo colocado em xeque especialmente entre o autor, a relatora e a presidente da comissão:

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Maria do Rosário) - Deputada, é o art. 1º, não é? Essa lei dispõe sobre a adoção de crianças e adolescentes. Há um problema de origem aqui. Essa lei deveria dispor sobre o direito à convivência familiar, sendo a adoção uma das medidas para se garantir essa convivência.

A SRA. DEPUTADA TETÉ BEZERRA - Estamos tentando, nessa lei, legislar sobre a excepcionalidade. O que é excepcionalidade? É o caso da criança que não pôde conviver com a sua família. Então, isso está intrínseco na lei, está muito claro. O SR. DEPUTADO JOÃO MATOS - É, e a proposta original foi para a adoção e não para a convivência familiar como um todo.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Maria do Rosário) - Deputado João Matos, durante todo o tempo em que trabalhamos aqui ouvimos as pessoas dizerem que era importante haver uma abertura sobre esse tema, observando-se a questão da família como um todo. Se ela é medida excepcional, tem de estar situada dentro do direito à família. Não deve haver o contrário: primeiro a adoção e depois a família. O SR. DEPUTADO JOÃO MATOS - É que estamos voltando à discussão que fizemos há alguns meses.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Maria do Rosário) - Sim, mas não há problema. Está em tempo.

O SR. DEPUTADO JOÃO MATOS - Temos de avançar.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Maria do Rosário) - Estamos avançando. Mas temos de avançar com base no debate. Às vezes, dizemos que estamos chegando a uma conclusão, mas, quando retomamos a leitura, vemos que não estamos. V.Exa. é testemunha de que abordei várias vezes esse tema do abrigamento, desde o início dos trabalhos.

A SRA. DEPUTADA TETÉ BEZERRA - Deputada Maria do Rosário, vamos ler novamente o art. 7º. Ele diz o seguinte:

"Art. 7º A adoção é direito da criança e do adolescente sempre que sua situação levar a autoridade judiciária a inferir que haverá grave comprometimento de sua criação e adequado desenvolvimento (...)".

Sempre que a autoridade judiciária entender que está havendo comprometimento para sua criação e para o adequado desenvolvimento, a criança será colocada numa família substituta. Esse é o caso de excepcionalidade. Qual é a regra? É que a criança seja criada na família biológica.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Maria do Rosário) - Deputada, eu concordaria com essa formulação, da forma como está no art. 7º, se no art. 1º houvesse o direito

à família anteriormente e a adoção como medida excepcional. As coisas deveriam vir numa lei de forma hierárquica: do mais importante, do mais geral para o mais específico.

A SRA. DEPUTADA TETÉ BEZERRA - Desculpe-me, Deputada, mas viver em família biológica é a regra. Estamos aqui legislando sobre a exceção, e a exceção é essa criança que não consegue viver na família biológica.

A SRA. PRESIDENTA (Deputada Maria do Rosário) - Mas aí nós vamos voltar a um problema original, Deputada. V.Exa. sabe que, na minha opinião, deveríamos manter o que existe no ECA e legislar de forma complementar a ele. Do contrário, se não dissermos que a família é o direito, antes da adoção, vamos estar revogando isso que está no ECA, sem dizê-lo em lugar algum. Não podemos substituir o texto inteiro do ECA que trata da família substituta por esse texto, sob pena de não tratá- lo com a mesma generalização que o ECA trata. Não podemos revogar esse texto todo que trata dessa questão sem repetir alguns aspectos. Ou então aproveita-se o que está aqui e diz-se: permanece o ECA valendo nisso, nisso e nisso. É também uma sugestão de técnica legislativa.. (Reunião Ordinária N°: 1348/0699, de

12/12/2006)

Tal diálogo é emblemático para compreendermos que por fim, a aprovação do PL na Câmara dos Deputados se deu menos por consenso e mais por pressão do tempo decorrido após exaustivo trabalho. Teria a deputada Maria do Rosário carregado consigo a contrariedade e a discordância que resultou em sua articulação mais efetiva com o grupo do PNCFC e, por fim, na reelaboração do substitutivo? Teriam sido os profissionais da SEDH que acompanhavam nos bastidores a incongruência entre o trabalho da comissão do PLNA e do PNCFC que fortaleceram essa perspectiva?

3.4 A desarticulação da comissão do PLNA 1756-2003 com o processo de construção

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