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Contextualização da primeira versão do PLNA 1756-

CONTRA A TRAMITAÇÃO DO PROJETO DE LEI NACIONAL DE ADOÇÃO PLNA 1756-

2.2 Contextualização da primeira versão do PLNA 1756-

São quase inexistentes publicações65 que recuperam o histórico de apresentação do PLNA 1756-2003 e do processo que resultou na aprovação da Lei 12.010-2009, o que contribui para o desconhecimento generalizado sobre o embate de ideologias que permeou este

65 Luiz Carlos de Barros Figueirêdo, traz um pouco do histórico e dos bastidores desse processo em seu livro “Comentários à nova Lei Nacional da Adoção: Lei 12.010 de 2009”.

processo e resultou na aprovação da referida lei, após vários substitutivos66. Alguns

chegam a considerar um “equívoco” a lei ser conhecida como Lei Nacional de Adoção, já que trata da convivência familiar e comunitária de forma mais ampliada.

Figueirêdo (2013) relata que a construção da proposta do PLNA se deu, a partir de fevereiro de 2003, com base na troca de ideias entre vários profissionais e instituições relacionadas direta ou indiretamente à convivência familiar, sendo o texto do PL consolidado em agosto.

Em fevereiro de 2003, fui procurado pelo Deputado Federal do Estado de Santa Catarina, João Matos para compor um grupo de trabalho que estudaria as eventuais necessidades de alteração legislativa em relação ao instituto da adoção, tendo me engajado por completo na ideia, ao lado de ilustres companheiros, como o Desembargador do TJSP Samuel Alves de Melo Júnior, a Juíza catarinense Sônia Morozzo, o então presidente da Associação Nacional dos Grupos de Adoção, engenheiro Paulo Sérgio da Silva, psicólogos como Fernando Freire e Gabriela Schereiner e tantos outros colaboradores.

Procuramos especialistas em todos os campos ligados à convivência familiar, no geral e em matéria de adoção, no específico. Mandamos e-mails para todas as entidades representativas de magistrados e promotores, que atuam na área da infância, assim como para os centros de apoio operacional dos Ministérios Públicos de todas as unidades da federação.

Recebemos centenas de colaborações e sugestões, as quais foram consolidadas em um texto, no mês de agosto daquele ano, sendo o mesmo apresentado pelo Deputado João Matos como Projeto de Lei Nacional de Adoção. É que ficamos todos convencidos de que as modificações trazidas pelo Código Civil para a adoção e para a destituição do poder familiar haviam sido nefastas para as crianças e adolescentes, e que a melhor solução seria editar um microssistema jurídico próprio para esses institutos e para os demais aspectos relevantes da convivência familiar. (FIGUEIRÊDO, 2013, introdução)

66 A título de contextualização relembramos que no Brasil, a função legislativa é de competência do Estado em suas diferentes instâncias. No nível da União, ela é exercida pelo Congresso Nacional (composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal) ao qual cabe legislar sobre todas as questões de interesse e competência nacional. À Câmara dos Deputados cabem os primeiros passos da ação legislativa: é perante ela que o Presidente da Republica, o supremo Tribunal Federal, o superior Tribunal de Justiça e os cidadãos promovem a iniciativa das leis, conforme os artigos 61 § 2º. e 64. Em nível estadual, os órgãos legislativos são as Assembleias Legislativas, compostas pelos deputados estaduais. Nos municípios, o poder legislativo é exercido pelas Câmaras Municipais, compostas pelos vereadores.

Nas Câmaras funcionam comissões parlamentares, as quais são geralmente constituídas de número restrito de membros, que são encarregados de estudar e examinar as proposições legislativas e apresentar pareceres. Essas comissões poderão, ainda, discutir e votar projetos de lei que, de acordo com o regimento, dispensam essa competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa.

Atendendo ao direito à informação garantido pela CF, conhecida como Lei de Acesso à Informação, garantindo que as informações referentes à atividade do Estado são públicas, salvo exceções expressas na legislação. Com base nesse princípio a Câmara desenvolveu procedimentos para permitir a transparência das ações e o controle social na administração pública. No site da Câmara Legislativa <www2.camara.leg.br> é possível acessar os discursos e as notas taquigráficas dos projetos de lei sob tramitação. O Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação da Câmara, faz um trabalho minucioso que retrata a discussão ou votação em plenário, de tal maneira, que nos coloca como observador do cenário relatado.

O referido PL teve a autoria assumida pelo Deputado Federal João Matos que - assim como vários integrantes da Frente Parlamentar de Adoção, instalada em abril de 2003 - se mobilizou em torno da adoção, a partir da vivência em sua própria família.

É notória a minha afeição à causa da adoção, mercê de ter tido a ventura de ser pai adotivo. Por isso mesmo sempre tive fortes vínculos com os grupos de adoção do meu Estado natal e resolvi dedicar também o meu mandato de Deputado Federal a essa causa.

Dentro desta ótica, sempre fui extremamente preocupado com o fato de haver tantas crianças nas instituições, tantas pessoas querendo adotar e essas filas paralelas nunca se encontrarem.

Tentando descobrir as causas e soluções capazes de resolver o problema, criei e instalei a Frente Parlamentar da Adoção, com a participação de diversos deputados e senadores, que são pais adotivos ou simpatizantes da causa. Igualmente, criei o Grupo Pró-Convivência Familiar e Comunitária, com a participação de juristas, psicólogos, pais adotivos, pedagogos e outros especialistas da matéria.

(João Matos- autor do projeto que serviu de base à lei 12.010-2009- apresentação de do livro de Luiz Carlos de Barros Figueirêdo: Comentários à nova Lei Nacional da Adoção- Lei 12.010 de 2009)

O autor do PLNA reconhece o destaque de Figueirêdo que, ao assumir a coordenação da comissão constituída para sua formulação, adquiriu importante protagonismo na defesa do PLNA.

O então Juiz Luiz Carlos Figueirêdo foi eleito, por unanimidade, como coordenador do Grupo Pró-Convivência Familiar e Comunitária, o qual se reuniu diversas ocasiões, colheu sugestões em diversos Estados, culminando com a elaboração de um anteprojeto do qual resultou o 1756-2003, de minha autoria. Eis então o resumo das razões que me levam a acreditar que o Desembargador Luiz Carlos é uma das mais preparadas pessoas neste país para comentar a Lei 12.010- 2009, denominada como Lei Nacional da Adoção, a “Lei Cleber Matos”, em homenagem ao meu falecido filho adotivo, que, reputo, seja o grande inspirador de minha luta nesta matéria. (Idem)

A Comissão Especial instituída com o objetivo de proferir parecer sobre o PL tinha como integrantes: Presidente: Maria do Rosário (PT-RS), 1º Vice-Presidente: Zelinda Novaes (PFL-BA), 2º Vice-Presidente: Severiano Alves (PDT-BA), 3º Vice-Presidente: Kelly Moraes (PTB-RS), Relatora: Teté Bezerra (PMDB-MT).67

Realizando uma aproximação superficial, a partir da síntese das “inovações” propostas, constantes do texto de justificativa do PLNA 1756-2003, tivemos uma primeira impressão positiva a respeito da mesma, à exceção das questões negritadas e a seguir comentadas:

1)definição conceitual do instituto da adoção, não existente nem no ECA, nem no Novo Código Civil; 2) hipóteses em que a adoção pode ser concedida, colocando o instituto como um direito do adotando e uma possibilidade para o adotante, desde que não seja possível a manutenção na família natural; 3) assegura o direito à revelação da condição de adotivo, retomando o conceito do ECA de ser lavrado um novo registro civil; 4) define quem pode adotar e quem pode ser adotado; 5) obriga a criação de cadastros de adotantes e adotáveis em todas as comarcas, com um banco de dados estadual e outro nacional, estabelecendo prazos para a sua implantação e sanção para os recalcitrantes; 6) restringe as hipóteses de dispensa de prévio cadastramento, fixa regras claras para o Estágio de Convivência; 7) distingue regras para adoção de crianças e adolescentes das aplicáveis aos adultos; 8) disciplina a adoção internacional, como manda a Constituição Federal e a Convenção de Haia; 9) retoma os conceitos básicos da perda do Poder Familiar que estavam contidos no Estatuto e foram prejudicados com o Novo Código Civil; 10) regula os procedimentos das diversas ações respeitantes à adoção, à perda do Poder Familiar, assim como disciplina um adequado sistema recursal; 11) prevê obrigatoriedade de alocação de recursos públicos em favor de projetos direcionados para a convivência familiar e comunitária, além da permanente qualificação dos operadores do sistema; 12) prevê a possibilidade de criação de Organismos credenciados para fomentar as adoções nacionais; 13) impõe a existência de uma "Guia de Abrigamento", como fórmula de minorar o excessivo número de institucionalizações desnecessárias que ocorrem em todo o país; 14) obriga os Conselhos Tutelares a disporem de um cadastro das crianças e adolescentes por eles abrigadas, punindo as pessoas físicas e jurídicas que não nortearem suas ações segundo os princípios dessa Lei; 15) obriga a preservação de informes sobre os abrigados em instituições por cinquenta anos, legitimando os dirigentes dos Abrigos para proporem ações de decretação da perda do Poder Familiar, nos casos de omissão de quem detenha legítimo interesse ou do Ministério Público; 16) institui o subsídio-adoção, amplia o auxílio maternidade, cria o auxílio paternidade para pais adotivos solteiros, prevê incentivo no imposto de renda para os adotantes de casos particularmente difíceis, como os de grupos de irmãos, crianças portadoras do vírus HIV, etc. (BRASIL, 2003)

Coerentemente com os princípios de atendimento em abrigos - instituído pelo ECA desde 1990 – o PLNA instituía mecanismos de controle sobre a situação das crianças e dos adolescentes abrigados e daquelas com situação legal definida para adoção: guias de acolhimento, cadastros e banco de dados; prevendo a preservação de seu histórico e de sua documentação, assegurando-lhes a possibilidade de acessá-las para o conhecimento de sua origem.

À primeira vista, é possível levantar como contraditório nesse PL, o fato de se registrar a adoção como direito da criança, enquanto que o direito constitucional se refere a convivência familiar e comunitária, prioritariamente na família de origem, reservando à adoção o lugar da excepcionalidade. Nessa mesma linha, se destaca a incoerência da proposição de subsídios financeiros para quem adota, haja vista a não previsão do mesmo instrumento para as famílias de origem com dificuldades para criar seus filhos -

ressaltamos que na ocasião, estávamos no início da implantação de programas de transferência de renda para as famílias em extrema vulnerabilidade social. Pontuamos também a inadequação da abertura para a possibilidade do serviço de acolhimento propor ao Ministério Público ações de destituição do poder familiar.

A partir de uma leitura superficial, o projeto de lei parecia fortalecer o ECA, enfatizando os aspectos problemáticos resultantes da aprovação do NCC. O fato de tratar de especificidades legais dispostas ao longo de 75 artigos68 gerava dificuldade para a compreensão e, até mesmo para a leitura na íntegra do documento, inclusive pelos profissionais inseridos na área judiciária.

Em uma leitura mais aprofundada, é possível perceber que - na intenção de resolver o problema da grande quantidade de crianças e adolescentes que crescem em instituições e solucionar o retrocesso legal em matéria de adoção que o Novo Código Civil trouxe - o PLNA propunha uma ampla reordenação no panorama legal e institucional que envolvia situações que culminavam na adoção, tais como, o abrigamento e a destituição do poder familiar.

Ainda que incorporasse algumas garantias em favor da permanência da criança na família de origem, tínhamos como produto final uma proposta com mecanismos que priorizavam o encaminhamento das crianças e dos adolescentes acolhidos para famílias substitutas, em lugar do investimento em ações que promovessem a reintegração em suas famílias de origem ou natural. Tais como os motivos listados na PLNA para dar embasamento à destituição do poder familiar; o limite de tempo considerado para o abrigamento e para o trabalho de reintegração familiar; e, por fim, a inversão de papéis e de responsabilidades dos agentes promotores dos encaminhamentos para colocação da criança em família substituta.

Art. 1º. Parágrafo 2º. - A adoção é um direito da criança e do adolescente, mas somente será concedida quando comprovado a impossibilidade de manutenção do adotando na família natural, pela inexistência de proteção afetiva e material, ou quando os genitores aderirem expressamente ao pedido, na forma prevista nesta lei” (PLNA 1756-2009)69

Embora mantivesse o pressuposto fundamental do ECA - parágrafo 2º. do art. 21 que explicita “a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a

68 Em outros textos de nossa autoria, em vez de 75, constou erroneamente 175 artigos propostos pela PLNA 1756-2003.

decretação da perda ou suspensão do poder familiar. Não existindo outro motivo que, por si só, autorize a decretação da medida, a criança ou adolescente será mantido em sua família natural, a qual deverá ser obrigatoriamente incluída em programa oficial de auxílio” – o PLNA ampliava a possibilidade de favorecimento da aplicação da destituição do poder familiar, a partir do julgamento moral das famílias pobres. A inexistência de proteção material e a prática de atos contrários à moral e aos bons costumes poderiam ser argumentos facilmente utilizados para o encaminhamento para adoção dos filhos de grande parte da população pobre brasileira.

Também, nesse PLNA, os prazos previstos eram incompatíveis com o tempo necessário para a superação das dificuldades que levaram ao abrigamento: em 60 dias os abrigos deveriam apresentar à Autoridade Judiciária e ao Ministério Público, estudo indicativo do encaminhamento à criança e adolescente abrigado, sendo estipulado o prazo de quatro meses para que ocorra sua reintegração familiar e, de 30 dias, para o Ministério Público “ajuizar ação de decretação da perda do poder familiar, contados da data em que o fato supostamente motivador da sua decretação tenha chegado ao seu conhecimento e a ação deverá ser decidida em primeiro grau no máximo em cento e vinte dias”.

Apesar da intenção alinhada com o espírito do ECA, no sentido de abreviar os longos períodos de institucionalização de crianças e adolescentes em abrigos e levar os profissionais a tomar um posicionamento em tempo hábil para que a criança pudesse ser encaminhada para adoção, os prazos estavam fora da realidade, contribuindo para a banalização das ações de destituição do poder familiar, prejudicando as próprias crianças70. Numa perspectiva social, esses mecanismos atribuíam à adoção o papel de política pública, desresponsabilizando o Estado como garantidor dos direitos da infância e juventude, em especial, o direito de conviver com sua própria família e na comunidade da qual fazem parte, deixando de enfrentar as reais determinações da prática excessiva de abrigamento, apesar de ser uma das últimas medidas de proteção a ser aplicada.

O alvo dessas ações certamente não seriam os integrantes da classe média, mas sim os das famílias pobres, em geral, monoparentais femininas, representadas apenas pela figura da mãe. Penalizadas com a falta de rendimento, de moradia, de alimentação, de saúde, de

70 Somente no final do texto da lei, especialmente no Capítulo XI Das Disposições Finais e Transitórias, que se evidenciavam tais artigos.

creche, de escola e dos quase inexistentes programas de apoio sócio familiares, as famílias pobres seriam ainda mais violadas com o encaminhamento dos filhos para adoção, sem poderem contar com o devido apoio em seus esforços para reassumirem os mesmos.

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