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O incômodo com a falta de regulamentação no ECA sobre os direitos da criança e do adolescente abrigado

CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA: O DIREITO PELO AVESSO A engenharia construída com o sistema de proteção e assistência, sobretudo,

1.6 Estatuto da Criança e do Adolescente (1990): a ampliação da regulamentação para os serviços de acolhimento institucional e a excepcionalidade da adoção com

1.6.2 O incômodo com a falta de regulamentação no ECA sobre os direitos da criança e do adolescente abrigado

A partir da empiria percebíamos ser necessária maior clareza sobre as diretrizes de trabalho para efetivação dos direitos da criança, do adolescente e de sua família sob medida de proteção abrigo ou acolhimento institucional, mas sentíamos falta de maior respaldo legal. O artigo 92 do ECA traz (ainda após a 12.010-2009) sinteticamente os princípios das entidades que desenvolvem o programa a execução da medida de acolhimento institucional, acolhimento em caráter excepcional e provisório, atendimento personalizado, inserção de irmãos no mesmo serviço, preservação dos vínculos familiares após o acolhimento e esgotamento de possibilidades de reintegração familiar. Alguns princípios, até hoje geram múltiplas interpretações, como por exemplo, o regime de co-educação. No décimo ano do ECA, intrigava-nos observar que o não atendimento a tais princípios era visto com “naturalidade” pelos membros da rede interinstitucional, mesmo aqueles que tinham a função de controle e de fiscalização (Conselhos Tutelares, Judiciário, Ministério Publico) ou de concessão de registro de funcionamento dos abrigos (Conselho Municipal de Direitos) que cumpriam suas atribuições sem destacar a necessidade de operacionalizar mudanças com vistas ao cumprimento do ECA.

Em nosso projeto de qualificação de mestrado (2000), fazendo um comparativo entre a medida de proteção abrigo e a medida socioeducativa da internação, problematizamos a necessidade de maior regulamentação sobre o acolhimento institucional. Embora tivéssemos consciência da distinção entre as medidas, considerando que a internação como medida socioeducativa, se distinguia pelo caráter de pena e de privação de liberdade, requerendo atenção legal específica, entendíamos ser produtivo fazer um contraponto entre

as duas medidas, como forma de avançarmos na reflexão sobre a questão das crianças institucionalizadas.

O artigo 94 do ECA que trata das obrigações das entidades que executam serviços de privação de liberdade eram importantes indicativos de ações para os abrigos, já que conforme seu parágrafo 1º. “aplicam-se, no que couber, as obrigações constantes deste artigo às entidades que mantêm programas de acolhimento institucional e familiar”, mas eram em geral desconsideradas ou até mesmo desconhecidas.

Entretanto, observávamos que tal artigo era pouco considerado como diretriz para o atendimento em abrigos e, portanto, para o reordenamento das práticas profissionais, especialmente no que se refere à preservação do convívio com a família de referência, o investimento na reintegração familiar, o estudo social e pessoal de caso a cada seis meses, no máximo, com envio de relatório ao Judiciário e, a informação do andamento do processo judicial para os acolhidos.

Supostamente o ECA teria a força para normatizar o atendimento à criança institucionalizada conforme os princípios estabelecidos a serem seguidos pelos abrigos. O que observamos, porém, é que existe margem a muitas interpretações e cada instituição (judiciária ou abrigo) vai atender os princípios estabelecidos, conforme sua própria ideologia, seus objetivos, seu estatuto, sua visão de mundo e de criança. Além disso, a própria lei, deixa de disciplinar aspectos cruciais para a prática junto à criança institucionalizada, levando-nos a pensar o quanto isso é revelador sobre a representação que os carentes e abandonados ainda tem na sociedade em geral. É neste processo anônimo, sem chamarem atenção da sociedade, que crianças e adolescentes carentes, mesmo sem estarem privados de liberdade, muitas vezes, se tornam os "prisioneiros sociais".54 (OLIVEIRA, 2000)

Dentre as obrigações compatíveis que ampliam aquelas já indicadas no artigo 92, destacamos: II - não restringir nenhum direito que não tenha sido objeto de restrição na decisão de internação (portanto, se não há proibição judicial de visita, a família deve ser informada do local do abrigamento e o serviço deve preservar o convívio após o acolhimento, inclusive para poder fazer o estudo de caso que lhe cabe); V - diligenciar no sentido do restabelecimento e da preservação dos vínculos familiares (diligenciar pressupõe uma busca ativa da família); VI - comunicar à autoridade judiciária, periodicamente, os casos em que se mostre inviável ou impossível o reatamento dos vínculos familiares; XIII - proceder a estudo social e pessoal de cada caso (aqui já estava

54 Termo utilizado por Antonio Carlos Gomes da Costa, porém, no sentido oposto, quando diz que o "abrigo foi pensado para acabar com os prisioneiros sociais, crianças privadas de liberdade por motivos sociais..."

dada a indicação do plano individual de atendimento); XIV - reavaliar periodicamente cada caso, com intervalo máximo de seis meses, dando ciência dos resultados à autoridade competente; XV - informar, periodicamente, o adolescente internado sobre sua situação processual (o “rapto da história” dos abrigados); XX - manter arquivo de anotações onde constem data e circunstâncias do atendimento, nome do adolescente, seus pais ou responsável, parentes, endereços, sexo, idade, acompanhamento da sua formação, relação de seus pertences e demais dados que possibilitem sua identificação e a individualização do atendimento.

A nosso ver, a não explicitação dos direitos da criança e do adolescente sob acolhimento institucional, da mesma forma como se dava em relação ao adolescente sob medida socioeducativa de internação (art. 124 ECA), gerava distorções de entendimento que concorriam para a perpetuação da violação de seus direitos.

Feitas as ressalvas entendo que este contraponto é importante para chamar atenção para algumas questões fundamentais que a lei não disciplina, quando se trata da medida de proteção abrigo. Por exemplo, o art.124 do ECA dispõe sobre os direitos do adolescente privado de liberdade e, em seu art. VII, explicita o direito de receber visitas, ao menos semanalmente. Não há um artigo específico que fale sobre os direitos da criança/adolescente que está em abrigo. (OLIVEIRA, 2000)

O aprofundamento do conhecimento do legado histórico de (des)atenção à infância e juventude brasileira pobre e a compreensão da centralidade do judiciário em relação a essa medida de proteção, nos indicaram ser fundamental a realização da pesquisa nos autos processuais para compreender o que levava crianças e adolescentes a viverem o abrigamento em caráter permanente, sendo privados do convívio em sua família de origem ou extensa e até mesmo em família substituta.

1.6.3 Crianças e adolescentes (des)acolhidos: a perda da filiação no processo de

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