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Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP

No documento Contra o Calvinismo Roger Olson.pdf (páginas 55-59)

aconteceria” de sorte que “até m esmo os atos pecaminosos dos homens estão inclusos neste plano” 2. Para Boettner (e muitos outros calvinistas) esta crença na providência divina meticulosa (que eu chamarei de “ de- terminismo divino” e explicarei 0 porquê no capítulo 4) está em basada na infinidade de Deus (teísmo filosófico) e em passagens bíblicas tais como Amós 3.6: “ Ocorre alguma desgraça na cidade, sem que 0 Senhor a tenha m andado?”.

Praticamente todos os calvinistas (diferente de alguns na tradição reformada e, principalmente 0 que eu chamei de teólogos “ reformados revisionistas”) afirmam uma visão forte ou elevada da soberania de Deus tal como a de Boettner. Será que 0 próprio Calvino afirmava esta visão? Nas Institutos da Religião Cristã de Calvino, 0 pastor-chefe de Genebra escreveu acerca da providência de Deus: “ indubitavelmente, assim se deve entender que todas e quaisquer eventuações que se percebem no mundo provêm da operação secreta da mão de Deus. Todavia, 0 que Deus estatui certamente tem de acontecer” 3. O contexto ao redor, in- cluindo uma vivida ilustração acerca de um mercador roubado e morto por salteadores, deixa absolutamente claro que Calvino acreditava que nada, de jeito nenhum, pode acontecer sem que seja preordenado ou tornado certo por Deus. Ele diz que um cristão irá perceber que nada é, de fato, um acidente, pois tudo é planejado por Deus.

Esse, então, é o primeiro ponto do calvinismo puro e simples: a sobe- rania meticulosa, absoluta e total de Deus na providência na qual Deus governa todo 0 curso da história humana até seus mínimos detalhes e torna tudo certo de maneira que nenhum evento é fortuito ou acidental, mas que se encaixa dentro do plano e propósito geral de Deus. Boettner expressa isso bem: “ Não há nada casual nem contingente no m undo” 4.,

2. Ibid.. 24.

3.CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, v o l.l, p. 210. 4. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 16.

Contra o Calvinismo

pois “o mundo como um todo, e em todas suas partes e movimentos e mudanças, foi colocado como unidade pela atividade governante, toda- -harmonizante e toda-dominante da vontade divina, e seu propósito foi de manifestar a glória divina” 5. Poucos calvinistas verdadeiros, e isso se houver algum, disputariam com qualquer parte desta definição. (Digo calvinistas verdadeiros porque não é difícil encontrar pessoas que alegam ser calvinistas, m as que não 0 são. Por exemplo, muitos batistas do sul pensam que são calvinistas só porque acreditam na segurança eterna do crente - 0 quinto ponto do sistema TULIP. Mas acreditar nisso, por si só, dificilmente faz de alguém um calvinista!).

Explicarei e criticarei esta visão calvinista da soberania de Deus no capítulo seguinte. Ela não é o que todos os cristãos acreditam. Todos os cristãos sem pre acreditaram que nada, de jeito algum, pode acontecer sem a perm issão de Deus, e quase todos os cristãos sempre acreditaram que Deus conhece de antemão tudo o que acontecerá. Mas os calvinistas normalmente vão além e alegam que tudo 0 que acontece é planejado e tornado certo por Deus. Calvino negou explicitamente a simples pres- ciência ou perm issão de Deus - até m esmo para 0 mal 6.

Alguns leitores podem imaginar se eu simplesmente escolhi um cal- vinista extremado - Boettner - para representar 0 “calvinismo geral” ou o calvinismo puro e simples. De forma alguma.Todas estas ideias acerca da soberania de Deus na história e salvação podem ser encontradas em calvinistas contemporâneos, tal como Sproul e Piper. Irei fazer citações destes calvinistas quando voltar para minha crítica no capítulo seguinte. Aqui eu simplesmente estou utilizando 0 Boettner como um modelo para apresentar 0 calvinismo dominante, geral.

De acordo com Boettner (e a maioria dos calvinistas), Deus não é apenas supremo e absoluto em controle (e controlador) da história; ele

5. Ibid., 14.

6. CALVINO, João. As Institutas: edição clássica, vol.2, p. 78.

Calvinismo puro e simples: o sistema TULIP

também está no controle absoluto acerca de quem irá e quem não irá ser salvo. É aqui que voltamos para o famoso (ou infame) acróstico TULIP para descrever o sistema calvinista de soteriologia. Os leitores devem saber a origem da TULIP. É um acróstico desenvolvido no século XIX para ajudar os alunos a se lembrar dos então cham ados “cinco pontos do calvinism o” conforme eles foram afirmados nos Cânones do Sínodo de Dort em 1 61 8/ 1 61 9 .

Dort foi uma reunião de “clérigos” calvinistas (teólogos, eruditos, pastores) na cidade holandesa de Dordrech para responder às crenças dos Rem onstrantes - seguidores de Jacó Armínio. Os Remonstran- tes apresentaram aos líderes da Igreja Reform ada da Holanda uma “ remonstrância” ou protesto contra certas ideias calvinistas comuns. Alguns historiadores (principalmente calvinistas) tiraram conclusões equivocadas deste documento como se ele rejeitasse todos as cinco crenças representadas pela TULIP (depravação total, eleição incondicio- nal, expiação limitada, graça irresistível, perseverança dos santos). Na verdade, 0 documento só rejeitou os três pontos do meio, deixando a depravação total e a perseverança dos santos abertas à discussão futura. (Houve várias versões da “remonstrância” escritas e publicadas em toda a década após 0 falecimento de Armínio e o Sínodo de Dort, e algumas deixavam a perseverança aberta ao passo que outras pareciam fechar 0

caso como se a perseverança estivesse errada. Mas todos os documentos da remonstrância afirmaram a depravação total).

O Sínodo de Dort rejeitou a “remonstrância” dos Remonstrantes afirmou os entào denominados cinco pontos do calvinismo que mais tarde vieram a ser resumidos fazendo uso do heurístico dispositivo TULIP. Os Cânones (decretos) de Dort incluíram muito mais que a TULIP, mas estas cinco crenças foram as consideradas negadas pelos Remonstrantes de maneira que elas foram tratadas como a essência dos pronunciamentos do Sínodo de Dort.

Desde Dort 0 calvinismo tem sido resumido pelos próprios calvinistas pelo uso dos cinco pontos e Boettner os segue bem de perto em sua

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exposição da fé calvinista. O mesmo faz um grande número de outros autores calvinistas cujos títulos das obras revelam a centralidade da TULIP. The Five Points o f Calvinism (Os Cinco Pontos do Calvinismo) do pastor-teólogo cristão Edwin H. Palmer7 e The Five Points o f Calvinism:

Defined, Defended and Documented (Os Cinco Pontos do Calvinismo: Defi- nido, Defendido e Documentado) de David N. Steele e Curtis C. Thomas.8

Outros livros não apresentam os cinco pontos em seus títulos, mas, entretanto, organizam suas exposições do calvinismo de acordo com a TULIP. Um exemplo disso é a obra de Sproul O que é Teologia Reformada? (Uma notável exceção é a obra de H. Henry Meeter, The Basic Ideas o f

Calvinism,9 que mal menciona a TULIP. Este livro parece ser mais uma

exposição da teologia reformada e do pensam ento social em geral do que a soteriologia calvinista em particular).

Muitos calvinistas, se não todos, concordam com Boettner acerca dos cinco pontos como um sistema. Eles são, ele escreveu, um “ sistema simples, harmonioso e autoconsistente” e “prove que qualquer um destes pontos seja falso e 0 sistema como um todo precisa ser abandonado” 10. Uma questão que surgirá posteriormente é se este sistema pode ser encontrado em Calvino. Argumentarei que ele não pode ser encontrado e que pelo menos 0 “L” foi criado e inserido no sistema após Calvino. Mas isso não incomoda a maioria dos calvinistas, pois estes não pensam que seu calvinismo deva aderir subm issam ente a tudo 0 que Calvino acreditava ou escreveu.

7. Edwin H. Palmer, The Five Points o f Calvinism (Grand Rapids: Baker, 1972).

8. David N. Steele e Curtis C. Thomas, The Five Points of Calvinism: Defined, Defended and Documented (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed, 1963).

9. H. Henry Meeter, The Basic Ideas of Calvinism (Grand Rapids: Baker, 1990). 10. Boettner, The Reformed Doctrine of Predestination, 59.

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